sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Post.it: Final de Ano

Onde vou passar este final de ano? Talvez a descansar o olhar no mar. Deixar a alma navegar. Deixar que o rumo me escolha, porque o caminho, esse, está cansado de escolher, sem acolher o sentido recíproco do que sente. Lemas ou dilemas, é tempo de libertar no vento o último lamento e deixar espaço no coração para que surja a oferta dum início, que pode vir na promessa de um Ano Novo que se anuncia sem mácula. Um ano inteiro de expectativas. 12 meses para vencer as batalhas do existir. 366 dias de possibilidades para conquistar o almejado desejo. 8784 horas de sonhos que nos fazem despertar com vontade de os realizar. 525600 minutos que nos oferecem a oportunidade de voar no pensamento e aterrar na ternura do sentimento. Milhões de segundos que sem pressa nos convidam:
“A ser vida, sol e mar.
Estrela, arco-íris e luar”.
Perdoem-me se a minha matemática não estiver exacta. Mas nada é exponencialmente exacto, guardemos, apenas a ideia deste imenso tempo que nos é revelado como um percurso de vida. E se nem tudo correr a 100% como desejaríamos, não devemos desistir no primeiro obstáculo que se nos depara, afinal, temos ainda muitos meses, dias, horas, minutos e segundos para aprendermos a ser felizes.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Post.it: Tempo de balanços

Há momentos em que todos nós fazemos o balanço dos dias, dos meses, dos anos, de isto ou daquilo. Momentos em que decidimos arrumar as gavetas do pensamento, as prateleiras do sentir. Momentos em que questionamos cada passo dado e todos os outros que ficaram por dar. Em que duvidamos do rumo que o futuro nos indicia. Cada um fará a sua análise mais ou menos profunda. Cada um valorizará de diferente forma os acontecimentos com que se deparou. Nessa fronteira entre o que  fomos  e o que pretendíamos ser.  Teremos alcançado os nossos objectivos? Teremos falhado nos nossos planos? Concluímos necessariamente que nem tudo foi sucesso. Nem poderia ser, porque colocámos a fasquia das nossas ambições demasiado alta. Mas houve pequenas vitórias. É para elas que devemos dirigir a nossa atenção. É com elas que devemos aprender a conhecer os limites da nossa dimensão humana. E na próxima vez que delinearmos uma lista de desejos, vamos ser mais humildes nos desejos para que no final os alcancemos todos.
 “Se no final do ano as recordações não te trouxerem uma lágrima de tristeza ou de alegria, então, foi um ano vivido em vão. Porque a alegria faz-te compreender a tristeza. E a tristeza faz-te lutar chegar à alegria”.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Post.it: Eclipses solares

Há pessoas que são um sol de tão positivas, de tão radiantes perante a vida e na superação das suas adversidades. São um sol, por verem um pequeno raio de luz em cada túnel que temos que atravessar. Permanecem um sol mesmo quando as nuvens de inverno o encobrem na sua densidade de lágrimas.
No entanto há outras pessoas que são a lua, na sua penumbra sempre hesitante, sempre perscrutando nessa quase escuridão algum obstáculo, duvidando que ele não exista mesmo quando não o encontram. O seu olhar esconde-se nessa fase lunar sem se deixar iluminar pelo sol dos outros, sem se deixar aquecer pelo seu calor, sem se permitir a recepção de um abraço de esperança. E por mais que a languidez da lua queira inibir o fulgor do astro rei, o calor deste derrete-lhe o esplendor dos seus argumentos, desarma-o com a ternura do seu sorriso. Contudo há momentos em que o próprio sol duvida da vitória perante a obstinação, a acutilação das palavras, a amargura das expressões lunares. E de repente a natureza enuncia-nos o sentido destes desencontros. Talvez o sol e a lua tenham que existir em vidas opostas e, só em pequenos momentos conheçam alguma consonância de sentimentos e aconteça a singularidade celeste do eclipse solar ou lunar.
Por mais que goste da lua, quando o seu luar me acalenta as noites. Por mais que aprecie a beleza dos eclipses, não deixo de pensar nos que permanecem do outro lado da lua, que desenvolvem a aridez do sentir, que permitem que a escuridão os invada e não aceitam nem um raio de sol para iluminar o rumo da sua existência. E atrevo-me e sonhar com a hipótese: Quem sabe no próximo eclipse, o sol prenda definitivamente a lua no seu abraço…

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Post.it: Abraços grátis

Outro dia cruzei-me com um grupo de jovens que oferecia abraços grátis. Sorriu-me o peito celebrando a iniciativa.
Por momentos pensei, estarão eles carentes de afectos? Estaremos nós necessitados de abraços?
Sem dúvida que o gesto encerrava também outra mensagem que desejavam passar. Que num mundo dominado pelo materialismo, há presentes, gestos, que não têm preço, que dinheiro algum os pode pagar. Que há ofertas que não se podem embrulhar, porque são demasiado grandiosas e papel algum as cobriria, caixa alguma as condicionaria.
Mas a verdade, é que estamos carentes de gestos, de atitudes desprendidas, de corações que sejam portas abertas a um convite de afeição, de atenciosos cuidados. A verdade é que andamos de braços cruzados com receio de os estender ao outro. Entregamo-nos facilmente ao comodismo de relações descomprometidas, porque nos parece ser mais fácil ficar sentado, frente ao computador, “conversando” horas infinitas com alguém que verdadeiramente não conhecemos e que não nos conhece, que não sente a nossa mágoa, o nosso calor humano. Porque a tecnologia, embora já permita enviar som e imagem em tempo real,  ainda não consegue deixar passar através dos cabos de fibra óptica o calor da vida a correr-nos nas veias. Desconhece quem está do outro lado, o nosso percurso, por vezes sereno dessa existência, mas desconhece igualmente, os momentos em que no peito nos dilacera um vazio crescente. Porque se é verdade que nos escudamos de laços afectivos e se já não temos de partilhar abraços, o contrário também acontece, porque não os recebemos, porque os sentimos ausentes de nós.
Felizmente ainda há quem nos ofereça abraços grátis, laços cada vez mais ténues duma sociedade que nos distancia e torna pequenas ilhas de cibernautas.
Espero, acima de tudo, que nunca se esgotem os abraços grátis. 
Eu tenho muitos para vos oferecer.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Post.it: O Natal já lá vai...

Gosto do Natal, da sua antevisão, da expectativa, da espera, dos projectos, das esperanças, dos desejos que silenciamos e de todos os outros que oferecemos com o ânimo de aquecer os corações amigos. Gosto do Natal no inverno, de ver as nuvens de palavras que saem das bocas num ramalhete de desejos que, quem sabe num destes natais se concretizem. Gosto do cheiro a madeira a arder nas lareiras que aquecem lares, e as famílias que se reúnem à sua volta, partilhando, histórias, lembranças de anteriores natais ou quem sabe de futuros. Gosto do nevoeiro da noite de Natal que nos convida a mergulhar nele sem medo, para descobrir os seus mais bonitos segredos. Gosto da solidariedade que estreita os abraços. A comunhão de sentimentos que se partilham sem avareza. Gosto da manhã de Natal, quando o sol exibe o seu mais belo sorriso e, nos oferece a paisagem ideal para um passeio pela frescura do dia acabado de nascer. Gosto do Natal quando os meus sentidos são embalados pela sua melancolia que me leva a supor eterna a temporalidade desta quadra.
De repente, o dia seguinte. Sinto-me arrancada desse torpor, que me rouba a nostalgia do sorriso que ainda me emoldura o rosto. Tenha uma certa dificuldade em encarar de novo a rotina. Talvez seja da minha costela alentejana, porém, são os genes sociais que imperam na esgrima de argumentos, nesta cidade que nos molda a vontade, nestas  artérias enfeitadas de veículos que paciente ou impacientemente nos conduzem de volta à realidade da nossa vida, dos nossos dias, já sem Natal.
Porém, o coração ainda sente o teu embalo, e envia-te não uma despedida mas suspiro de saudade, até para o ano, Natal…

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Post.it: Quadro de Natal

Se eu soubesse pintar, faria uma pintura de Natal com todas as cores de um arco-íris, feito de mãos unidas numa corrente de amor. Pintaria sorrisos inocentes nos rostos cansados. Desenharia crianças sentadas no chão, rodeadas de prendas coloridas à espera de serem desvendadas. Colocaria um pinheiro verde no centro da sala para que todos o vissem e nele deixassem pendurados, recados de esperança. Junto ao presépio, os avós abraçariam os netos e contar-lhes-iam a história do Menino Jesus, como já o tinham feito noutros tempos aos seus filhos.
Enquanto isso, lá fora, um anjo debruçava-se sobre a janela e as suas asas agitavam-se de alegria por sentir que tinha cumprido a sua missão de trazer paz e felicidade a cada lar, nessa noite de Natal.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Post.it: Senti um Natal

Senti um Natal, há muito tempo, ou talvez não, a saudade marca um tempo diferente do relógio. Um tempo humano que nos bate descompassado dentro do peito.
Senti um Natal como se fosse o presente de uma vida. De tão esperado, de tão desejado, de tão esperançado. Um presente que vi nos seus olhos, que recebi do seu abraço. Senti um Natal tornado caminho no rumo, que desejávamos fosse a felicidade.
Senti um Natal com o sentir repleto de carinho. O coração ofereceu-o com a gentileza de uma flor cuja haste se sublima ao vento e partilha com ele o seu perfume de pétalas.
Nesse ano, recebi outros presentes que me tocaram a alma, mas se tivesse que escolher entre todos os que recebi ou mesmo entre toda a riqueza existente no mundo, escolheria tão somente, a sua mão, para a aquecer na minha…

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Post.it: O Natal da minha vida

Houve um Natal, muitos diriam, que foi apenas um, para mim, foi um que se perpetuou no coração e na memória pela infinitude de todos os outros. Sobrepondo-se aos de antes e valorizando os que vieram depois. Houve um Natal que, em pleno inverno, o sol sorriu mais do que no Verão. Em que as flores anteciparam a Primavera e ofereceram-nos um jardim de esperança. Um Natal em que vi o presépio acontecer, quando todos à volta da vida, sentiram e partilharam momentos de amor. Nessa noite, as estrelas iluminaram com mais brilho o manto escuro do céu e as vozes calaram todas a mágoas, discussões, cansaços e soaram a cânticos que embalaram cada coração. Quando por fim encontraram a harmonia de um mesmo compasso. Nesse Natal, vislumbrei o futuro no sorriso de cada criança, de cada homem e de cada mulher que uniram as suas mãos a outras, para seguirem juntos pela mesma estrada.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Post.it: História de um happy end

Ouço a tua história, sinto-a igual à minha. Sofrida, magoada, feita de entregas. De sonhos que nunca se concretizam. Percursos paralelos que não se chegam a cruzar. Falamos das mesmas dores, de similares amores. Calamos por fim as palavras, já não são necessárias. São a repetição da tua, da minha existência. Sorrimos, enquanto o pensamento questiona o momento, talvez seja uma armadilha, pensamos... Recuamos, mas de novo encaramos o mútuo olhar, não, há demasiada verdade no teu rosto. Há demasiada tristeza no meu. Já não sei se queres prosseguir, já não sei se quero admitir perante ti a minha fragilidade, carente de harmonia.
Hesito, hesitas e partimos, como chegámos, com a alma vazia, o coração dolorido. Meto as mãos nos bolsos, estão vazios, tal como o meu sentido de vida. Meto as mãos nos bolsos simplesmente porque não tenho outras mãos que queiram as minhas preencher. Paro, viro-me, quero ver-te a desvanecer no horizonte. Já fiz das partidas um hábito, é mais uma, penso. Fico suspensa, também paraste, olhas-me como se me chamasses…
E agora que nos espera?
Um, Happy End?
Se é um final, nunca poderá ser feliz, e o “foram felizes para sempre”, já não nos convence.
Por agora basta-nos que seja um começo.
Um, Happy new beginning.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Post.it: A ternura dos quarenta

“A riqueza depois dos 40...” Numa curiosa citação. "Nunca pensei que a partir dos 40 pudéssemos ter uma riqueza tão grande!!! Prata nos cabelos. Ouro nos dentes. Pedras nos rins. Açúcar no sangue. Chumbo nos ossos. Ferro nas articulações…”
Li isto algures, esbocei um sorriso, esqueceram-se de dizer que temos ouro no coração. Sim é verdade, ouro, esse material precioso que levamos anos a guardar para construir o nosso tesouro de memórias. Mas sendo de ouro é igualmente moldável, adaptando-se generosamente àquele outro coração que tão bem se conjuga com o nosso. Já sem os fulgores da Primavera, cheia de flores mas também de muitos espinhos. Já sem os arroubos das tardes de Verão, salpicados de mar mas também sem lágrimas de inquietação. Repletos de cor mas também de ansiedade, de desassossego por medo de perder esse sentimento que nos extasia e aniquila na sua intensidade. Chegamos à ternura dos quarenta, a esse encanto de Outono, apaziguado, feito de partilha, de estabilidade, de imenso carinho. Aprendemos finalmente que o amor é um barco que descendo o rio nos leva por viagens infinitas de afeição…

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Post.it: I need you now

Agora que o coração entardece,  nas  horas  anelantes dum suspiro.
Agora que o sono não me adormece, na espera que desespera o existir.
Agora que Inverno me anoitece, mas o olhar te procura na bruma do horizonte
Agora que a memória me esquece, sem nunca te esquecer.
Porque busco em ti o sentido, que a vida nunca teve no desenhar do caminho
Num destino que não é nosso, mesmo quando o escrevemos com linhas de luar.
E sinto o sonhar desvanecido, em anos dum tempo que o peito aconchegou.
Num querer, que querer já não posso, viver assim, neste precipício de mim.
Preciso de ti enquanto é tempo, de aprisionar o último alento do nosso sol
Mas o tempo já faz a nossa história, páginas em branco que é preciso escrever.
Antes que sejam asas de vento, na derradeira tentativa de tocar o infinito.
Morrendo sem ânimo nem glória. Sem a coragem de ir mais além do ser.
Preciso de ti enquanto me és, fôlego, riso de Primavera que nos faltou cumprir.
Encanto dum mar navegante, onde fui navio em terra sem a ternura das tuas águas.
Feitiço de tão doces marés, que somente vislumbrei no meu eterno devanear.
Meu ser é de ti, eterno expectante, que apenas beijei na orla da tua brisa.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Post.it: Essencialmente mulher

A sociedade mudou, ou melhor tem vindo a mudar. Para uns, demasiado depressa, para outros de uma forma demasiado lenta. Sem dúvida que demorou muito tempo para a nossa noção de temporalidade, pouco, muito pouco para a história da civilização. A que se deveu esta grande e radical alteração? Às mulheres, sim a elas, que têm sido a estrutura do universo. Mulheres, mães e esposas. Mulheres que conjugaram os filhos, o lar e a carreira. Mas o que levou as mulheres a arregaçar as mangas e a trabalhar lado a lado com os homens? A necessidade de independência económica? O desejo de darem aos seus filhos, um futuro melhor? Há quem diga que a grande revolução das mulheres começou com os electrodomésticos, que vieram facilitar as tarefas domésticas e libertar tempo para outras actividades. Os homens, mais aguerridos no seu machismo, dizem que a culpa é das telenovelas, que vieram abrir uma imensa janela à discussão de muitos assuntos que até então as mulheres tinham silenciado. Os políticos referem que a grande causa foi o 25 de Abril que forneceu às mulheres uma arma muito valiosa: A liberdade.
A verdade é que a sociedade mudou, que a mulher mudou e mudou essa sociedade. Hoje a mulher reivindica o direito à felicidade, esteja ela onde estiver, no casamento ou no términos dele. Em pessoas diferentes ou a si semelhantes.
Porque na verdade, a maior e verdadeira causa da emancipação da mulher, foi o Amor. Chamem-me romântica, idealista, sonhadora, lutadora, realista. Chamem-me o que quiserem, porque sou essencialmente Mulher.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Post.it: A ventura de te encontrar

Sempre, Hoje, Eternamente (SHE). Poderia ser o teu login, tem um sentido de infinito, tem direcção de caminho imenso, interminável, mas agradável na antecipação da meta.
Tem o que procuramos sem encontrar, porque não se encontra, o que não se constrói, com traços de persistência. Com esboços desenhados na alma, moldados no coração. Mas é também Ela, aquela que dá sentido à nossa existência, que vivenciamos numa espécie de missão que vem do passado mais ou menos longínquo, que nos condiciona o presente e se prolonga em cada minuto do futuro. Que sentimos por vezes como um fracasso, quando a experimentamos tão longe, demasiado longe, quase impossível de alcançarmos. Encontramo-la, reflectida em outras vidas, em sorrisos luminosos que não nos são dirigidos, em abraços que já estão preenchidos por outros braços. Questionamos na nossa existência, porque é que ela existe para uns e não para outros? Como escolhe ela os que a vão receber no âmago do seu ser e outros permanecem  indefinidamente à espera que chegue a sua vez. O que fazer? Com que armas lutar? Que destino seguir para ir ao seu encontro? Onde está ela? Porque se esconde, dos que mais a procuram? Daqueles que vivem no deserto da sua ausência, sem um oásis que de quando em vez, os faça vislumbrar um pouco da sua presença, num rasto de infinitude, de passos sobre a areia que o mar teima em apagar. Mas encontrá-la é, repetir constantemente SHE num grito humanamente imperceptível que só o coração pode escutar quando chama por ti, Felicidade.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Não sei se existes

Não sei se existes,
Ou se te criou o coração.
Nas suas horas tristes,
Ou na minha solidão.

Só sei que o amor
Veio e desabrochou.
Como se fosse uma flor,
Que um dia me encantou.

Desde que te vi,
E em cada momento.
Vivo a chamar por ti,
Nas asas do vento.

Porque não vens?
Gritam os sonhos perdidos.
Porque não tens?
Este amor nos teus sentidos.

Não sei se existes,
Preciso sentir que sim.
E que nasceste,
Para fazer parte de mim.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Post.it: Presépios de vida

Aproximamo-nos do Natal, e o Presépio volta a ser construído nas ruas ou nas nossas casas. Mas quando o tema é o  Presépio, de imediato a nossa lembrança cultural navega para aquele que aconteceu há mais de 2000 anos e, que é contado todos os anos de uma forma renovada. Em presépios de esplendorosa arte. Presépios que entrelaçam a sensibilidade artística, com a liga de ouro, prata, marfim, pedra, madeira ou cristal. Mas há outros, que nos deixam sentimentos diferentes, não de adoração, mas de espanto e ternura. Presépios que acontecem numa ambulância a caminho do hospital mais próximo. Mas também é presépio aquela cabana ou barraca por onde entram a chuva e o vento. É presépio a rua, o beco sombrio, onde uma mãe abandonada, sem-abrigo e sem tecto, dá à vida um novo ser, sem lhe adivinhar um futuro promissor. Foi presépio o caixote do lixo onde uma vida recém-nascida é encontrada e, por um novo amor cuidada. É presépio um barco que encoberto na penumbra noite, tenta passar a fronteira no sonho de dar aos seus filhos um vislumbramento de felicidade. É presépio aquela cela de prisão onde a vida nasce já aprisionada por um crime que não cometeu.
Tantos e tantos presépios que acontecem a cada instante da história, presépios onde, sem meios e sem aconchego, recebem em amor, a única oferta que o maternal coração lhes pode dar. Sejamos presépio, não só agora que se aproxima o Natal, mas sempre que uma vida precise do nosso apoio para crescer e ser feliz.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Post.it: O vale dos lençóis

É o lugar onde repousa o amor. Um amor que “é grande e cabe na cama e no colchão de amar”. Mas demasiadas vezes descansam nela apenas a dor silenciada, confessada ao travesseiro. Ela que também é o local onde navegam os sonhos. Onde se fazem e desfazem as nossas guerras intimas. Onde adormece o cansaço de uma vida de rotinas entre maratonas ao ritmo de um relógio que sempre nos ultrapassa e vence a corrida. Muitas vezes o ninho onde o corpo se aconchega para “descansar a medula”. Um vale de lençóis em reboliço de vento que entra pela janela sempre aberta, na esperança que uma estrela entre por ela para anunciar a felicidade. Aconchegados, amparados dos medos, fechamos os olhos e voamos na nossa cama mágica, por lugares onde os impossíveis conseguem ser possíveis. Nessa cama de conforto, onde a vida dorme tranquila até ao amanhecer. Essa cama, por vezes nuvem, que nos transporta para um universo de esperança, um paraíso que por vezes, quase, quase alcançamos, porque a luz do dia nos arranca demasiado cedo a essa possibilidade. Mas todas as noites envolto num manto de escuridão, o corpo entrega-se sem reservas ao calor desse leito que o reconforta e lhe permite sonhar, por breves momentos de olhos abertos, “quem sabe amanhã tudo corre melhor”, diz o suspiro que parte transportado  nas  asas do sono, porta de entrada para o universo dos possíveis. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Post.it: Perder a esperança para ser feliz

“Perdi a esperança e fiquei mais feliz” Ouvi esta frase num anúncio de rádio. De imediato pareceu-me contraditório. Como pode ser feliz quem perde a esperança? Mas de que esperança se fala aqui? Daquela que se cumpre numa promessa de mudança tantas vezes anunciada mas nunca cumprida? Aquela que nos enleia na sua teia de perdões, de vicissitudes que nos rouba a cada momento a capacidade de vislumbrar uma luz de verdade, de sentido, lá bem no fundo do túnel? Um túnel que se torna cada vez mais longo, cada vez mais escuro. Mas também a esperança de recuperar o que somos, o que temos direito a ser, sem nos alienarem, sem nos furtarem a especificidade e o respeito de ser humano. Porque na maior parte das vezes sentimos um desânimo, como se nos tivessem sugado toda a energia, toda a vontade. Resta-nos a esperança de que tudo pare: o tempo, o momento, a dor, a revolta, o medo. Uma esperança já não dirigida ao outro mas a nós, num resquício de força, ressurge um laivo de coragem que nos impulsiona a agir, para colocar um ponto final, um stop irredutível. Mas a esperança, essa famigerada fantasia, que nos leva a acreditar, envolve-nos no seu redil de desculpas, de argumentos que nos confundem os pensamentos, que nos levam a questionar as prioridades: o amor, os filhos, o lar, a felicidade que nos parece cada vez mais longínqua. Só conseguimos ouvir uma voz que se confunde com a nossa, que se impõe aparentemente conciliadora e nos afirma, numa promessa vã, que agora vai ser diferente. Começamos a sonhar com essa possibilidade, a desejar que tudo tenha sido apenas um pesadelo, que vamos acordar e verificar que a realidade é muito melhor. Entretanto vamos desculpando, sem perdoar. Porque ninguém perdoa, a injustiça, a mágoa sem sentido. Vamos encontrando outro culpado para não apontar a quem de dever: o álcool, o insucesso profissional, a revolta, o desabafo, o impulso, os ciúmes, o gostar de uma forma desmedida. Mas tudo isto pode resumir-se a algumas palavras: covardia, demência, ou outras similares. Porque amar nunca pode ser sinónimo de magoar, de ultrajar, de matar. Amar de uma forma saudável é sempre, cuidar. Resta a decisão, difícil de tomar mas cada vez mais urgente, o dizer, basta! Temos que a tomar, mas ela afoga-nos no medo mas salva-nos pela coragem. Porque só perdendo a esperança é que se pode voltar a ser feliz, tal como refere o anúncio sobre violência doméstica. É preciso colocar-lhe um fim, é preciso perder a esperança, é preciso ser feliz!...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Post.it: Interpretações do silêncio

“Liga-me, preciso de ouvir a tua voz, já estou cansada de sms telegráficos e de mails incipientes. Preciso de pelo menos ouvir a tua voz, para sentir o viajar de um pouco de calor humano a chegar-me através das linhas com ou sem fios. Estou cansada deste vazio com que presenteias o meu viver. Questiono-me que futuro estamos a construir nesta distância que nos separa cada vez mais. Mas depois leio aquelas letras pequeninas, que dizem que gostas de mim. Bebo-as com a sofreguidão de quem atravessa a secura de um deserto e se afoga numa única gota de água. Telefona-me, já nem sou capaz de pedir que apareças, que me permitas ver o teu olhar, de sentir o calor da tua pele. Por vezes dou por mim a pensar, que mal me lembro dos contornos do teu rosto, de repente adquires traços de um Clooney e a doçura dum B. Pitt. Que fazer, nós mulheres temos sonhos, modelos, ideais, quando aqueles que residem no nosso coração não o alimentam com conteúdos amorosos, perdemo-nos inevitavelmente nas aparências. Vamos, liga-me peço no silêncio do pensamento. Preciso de ouvir as palavras que leio, aquelas que escreves provavelmente à pressa, para despachar a missão de manter os sentimentos em lume brando. Quando eu tenho necessidade de me queimar para secar as lágrimas deste nosso eterno desencontro. Mas no fundo, ainda bem que não telefonas, não poderia esconder na voz as palavras embargadas de dor. Ainda bem que não apareces, já não preciso de arranjar o cabelo, pintar o rosto e desenhar para ti um sorriso que já não consegue aflorar nos lábios. Lembras-te ainda dos meus lábios? Dizias que eram bonitos, feitos para serem beijados. Se os visses agora, sem cor, sem beijos... Telefona-me, se quiseres, se puderes. Manda-me um mail reconfortante, ou uma sms curtinha, quem sabe, um olá?”
“Que dia infernal, quem me dera ter tempo para abrir o pc, e desabafar contigo, os meus problemas num longo mail. Mas não irias compreender, afinal um homem é um pilar não pode revelar a sua fraqueza. Por vezes apetecia-me ligar-te, mas nunca tenho as palavras doces que mereces ouvir, estou demasiado tenso pelos meus fracassos. Queria tanto estar contigo, abraçar-te  e ficar unicamente em silêncio, aconchegado nesse abraço. Sentir as tuas mãos a afagar-me os cabelos, sei que deixaria cair todas as barreiras e choraria alagando o teu regaço, mas um homem não chora! O que irias pensar de mim? Que saudade  tenho de te abraçar, de te beijar como se fosse um oásis neste meu deserto existencial, mas iria assustar-te  com a minha impetuosa paixão. Vou mandar-te um mail talvez não muito longo para não cair no erro de te aborrecer com os meus problemas. Talvez seja melhor escrever-te uma sms, quem sabe dar-te um olá?...”

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

De esperança naufragada


Nessa margem não há cais,
Nem um porto de abrigo.
Para descansar dos vendavais,
No calor dum abraço amigo.

Voar parece ser o seu fado,
Asas de vento, solidão.
Procurar em todo o lado,
O caminho do coração.

Gaivota que voa perdida.
Pelos céus da madrugada.
Que nos mares desta vida,
Deixou a esperança naufragada.

Mas se alguém a encontrar
Num voar para parte incerta.
Indique-lhe a felicidade dum lar
Deixando-lhe uma janela aberta.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Post.it: Oferece-me um presente

“Oferece-me um presente”, disse-lhe ela num fio de ar que parecia ter dificuldade em sair dos pulmões. Numa breve interrupção do silêncio que não o chegou a perturbar. Assim, tão perto da quadra natalícia, poderíamos ser levados a pensar que era uma prenda, que pedia timidamente a sua voz quase imperceptível. Mas ao observá-la, ao descortinar a penumbra do seu olhar, duvidamos. Ao escutar aquele pedido efectuado sem quase  alento, confirmaríamos. Ninguém  pede uma prenda sem um ímpeto de expectativa antecipando a chegada, sem sentir por ela a presença de sininhos de esperança ressoando na fantasia.
“Oferece-me um presente”. Compreendemos este pedido, este quase apelo de uma  alma que se desnuda. Ela pede-lhe um presente, apenas um presente, sem coragem de pedir igualmente um futuro. Basta-lhe um presente, vivido, sentido, com verdade e esplendor. Um esplendor que se afastou da juventude, mas que ainda lhe corre apaixonado e vibrante nas veias.
“Oferece-me um presente”, insistiu num último resquício de coragem.
Fiquei presa daquela cena, dos seus silêncios constrangedores e anelante por uma resposta que lhe faria sorrir o coração.
Mas preferi afastar-me, deixar no ar a validade de qualquer resposta. Preferi guardar a lembrança como se fosse a última folha amarelecida de Outono. Afastei-me para permitir-me sonhar, que alguém lhe ofereceu realmente um “presente”.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Post.it: Há sempre um olá...

Quantos adeus temos que fazer na vida? Passar pelos momentos, vivê-los, senti-los, darmos o nosso melhor, recebermos, partilharmos e partimos ou partirem de nós. Pode ser triste, devastar-nos ou tornar-nos mais fortes, mais completos, mais ricos na aprendizagem.
Uma amiga minha que tem uns maravilhosos 85 anos, e que é em pessoa, a ternura, a complacência, a tranquilidade, a certeza, a aceitação, a bondade de uma vida aprendida, aproveitada, concretizada. Feliz? Sim, em muitos momentos, diz-me com olhos brilhantes. Olhos de quem viu o mundo, não só o mundo geográfico mas o mundo humano. Invejo-lhe a grandiosidade desse olhar, enquanto o meu ainda se entreabre surpreendido e receoso de encarar a luz que julga ser do sol, mas que é afinal a luminosidade da vida à espera de ser vivida.
“Nunca saberemos onde a vida nos leva e onde estará cada final. Por isso, enquanto aqui estivermos, vamos rir e sonhar que tudo o que possuímos é eterno, que nunca haverá um adeus definitivo para que cada um seja apenas o prelúdio de um novo olá.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Post.it: Dá um passo em frente

Dá um passo em frente. Não te garanto o sucesso do caminho, mas a certeza, a consciência de que não se desistiu da luta, da conquista por um  ideal.
Dá um passo em frente, mesmo que seja um passo hesitante, já é um avanço, quem sabe um começo. O princípio do sonho ou a concretização da realidade.
Dá um passo em frente, mesmo que mais tarde tenhas necessidade de recuar para recuperar o fôlego perdido nessa aventura. Mesmo que tenhas que te afastar para perceber em que direcção deve ser dado o próximo passo.
Dá um passo em frente, porque só quem dá passos é que chega ao futuro. Muitos dirão que parado também se chega lá. Mas a verdade é que o futuro não é uma questão de tempo, do relógio que marca as horas, minutos, segundos de uma forma contínua e alheia à nossa vontade, ou à nossa inércia. O nosso futuro não se define pela mudança das estações. Pelas primaveras que trazem a seu tempo sucessivos invernos. O futuro não se realiza unicamente nas transformações biológicas do nosso corpo. Mas na realização do que somos e do que seremos se dermos um passo em frente.
Dá um passo em frente. Mesmo que seja um passo de cada vez, um passo trémulo e inseguro. Não fiques unicamente à espera que sejam outros passos a ser dados na tua direcção, por mais que seja cómodo ou que aparentemente menos arriscado. Talvez não te apercebas de todos os passos que já fizeram nesse caminho, que já chegaram ao meio da ponte enquanto esperam que tenhas a coragem de completares o restante percurso.
Dá um passo em frente se queres seguir por essa via ou segue noutra direcção que te pareça melhor para chegares à tua meta.
Porque, vás por onde fores, só podes ir, se deres, um passo em frente…

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Post.it: Think different

Todos temos um pouco de génios e de loucos. Mas há quem tenha  muito mais que os outros e da sua loucura surge a genialidade. São loucos porque não aceitam a verdade estabelecida, nem se encaixam na sociedade existente, querem mudá-la. São inadaptados, porque não conseguem acatar as normas que lhes são impostas, que  vêem as coisas de uma forma diferente do comum olhar. São rebeldes porque defendem a mudança e, não se deixam aprisionar pelo status quo.
Podemos contestar, acusar a sua loucura, a sua rebeldia. Até que um dia reconhecemos que são afinal, grandes génios. Porque são eles que empurram para a frente a humanidade. “Porque pessoas que são suficientemente loucas para pensar que podem mudar o mundo são aquelas que o fazem”. Poderemos discordar, recear a sua coragem como se ela fosse o despoletar de uma revolução. E em muitos casos foi mesmo uma revolução: científica, histórica, literária, etc. Não podemos contudo ignorá-los, pelo seu contributo para o desenvolvimento e conhecimento do mundo, para um futuro que foi desenhado num passado distante, mas que continua muito para além de nós. Génios como Copérnico, G. Galileu, F. Bacon, I. Newton, A. Einstein, Pasteur, N. A. Otto, T. Edison, M. Curie ou mais recentemente, S. Jobs. Que ao partir nos deixou um grande desafio “Mantenham-se insatisfeitos, mantenham-se loucos”. Porque ele teve a audácia que poucos têm de, pensar diferente.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Chegada

Dei-te o nome de Chegada
Minha doce alvorada.
Minha esperança de viver,
Um amor sem sofrer.

Mas foste Despedida,
A mais triste partida.
Que o coração chorou,
Quando o sonho naufragou.

Quis-te meu leito, meu cais,
Onde terminam os meus ais.
Mas sem âncora e sem mar,
Onde o sentir se possa agarrar.

Permaneço vida sem norte,
Sem amor e sem sorte.
Mas se surgires um dia,
Quando a manhã se anuncia.

E o horizonte te recordar,
A saudade de regressar.
Para esta canoa  perdida,
Pelos temporais da vida.

Que sonhou com essa margem
Como se fosse final de viagem.
Dei-te o nome de Chegada,
Para que fosses minha enseada.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Post.it: Vestida de noite

É uma mulher normal, todas as manhãs acorda os filhos, dá-lhes o pequeno-almoço e acompanha-os à escola. Depois dorme num horário desencontrado da cidade onde vive. Dorme e sonha, sonhos de liberdade, sonhos de felicidade. E neles vive tudo aquilo que não encontra ao abrir os olhos. Os dias decorrem devagar, sempre coma mesma rotina. A sua alegria é aqueles filhos, fruto de amores e desamores, mas que permanecem filhos muito amados, acima de todas essas tristes lembranças, desaires da sua história.
Um último olhar para o relógio, um último suspiro enviado na direcção da janela que revela o dia a desvanecer-se no horizonte. Despe o sorriso maternal, pinta outro de vermelho no rosto marcado pelo cansaço, veste a noite e para a noite sai, perdendo-se numa qualquer esquina da cidade. Quem se cruza com ela apenas vê um corpo catalogado pelo preconceito e um preço. Mas no seu lar, não muito distante, dormem os filhos que abraça todas as madrugadas quando regressa. Quando despe a noite e se veste de mãe.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Post.it: No fim do túnel

Quando a escuridão nos invade a vida e esta parece uma via sem saída. Quando a estrada nos parece um caminho sem final e sentimos as forças a esvaírem-se. Quando os nossos sonhos nos parecem uma meta inalcançável que quase derrota a nossa vontade. Talvez devamos espreitar o que existe mais além, arriscar e seguir em frente, assumindo o nosso medo. Porque ter coragem não é a ausência do medo mas a capacidade agir apesar dele. Há sempre uma luz, mesmo que seja fraca, mesmo que não seja aquela que procuramos, é um começo. É um passo na direcção que nos conduz a novos horizontes. Se fecharmos os olhos, se baixarmos os braços, se desistirmos de caminhar, nunca saberemos as possibilidades que um dia poderíamos conhecer, os sonhos que teríamos a hipótese de viver, a felicidade que poderíamos alcançar. Não é uma promessa, é um convite para descobrirmos a força que existe em cada um de nós quando julgamos que já não temos nenhuma.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Post.it: Ponto final

Um ponto, uma pequena marca no branco do papel, ou perdido no espaço do ecrã. Quase imperceptível, aparentemente sem significado. Os mais distraídos chamam-lhe de mero borrão, que o incauto escritor ali deixara, sem pretender atribuir-lhe conteúdo algum.
Permanece mudo, mas quer dizer tanto. Permanece estático na sua certeza tão repleta de incertezas. Não adivinha ninguém o quanto foi doloroso a sua colocação nesse final de frase. O quanto foi difícil arrastar a mão tentando obedecer à ordem que o cérebro lhe dá para prosseguir a acção. Enquanto isso, numa força contrária, o coração pede trémulo a suspensão do movimento, o adiar da decisão. Mas depois de tantos encontros e desencontros, nas palavras, nas atitudes, nas razões que cada um evoca e que nela se escuda, incapaz de compreender o sentir do outro, pouco mais resta, do que colocar um ponto final. Porque, para navegar no barco da vida, são necessários dois remos, para que em conjunto rumem no mesmo sentido. Já basta de navegar em círculos, por remar sozinho. Já chega de esperançosas reticências, de vírgulas que apenas acrescentam mais dissonâncias. Parece que nunca, encontraremos um parágrafo escrito ou sentido com o mesmo ideal de coração. Estamos talvez a contar a mesma história com palavras diferentes. Quando a formos ler afirmando que querem dizer o mesmo, verificamos que não a entendemos da mesma forma, que a interpretamos à nossa maneira, sentida e vivida de forma distinta. Porque carregamos connosco, o nosso crescer, as nossas mágoas. Criamos defesas, barreiras quase intransponíveis. Agora que se fala tanto em iliteracia literária, económica, etc.. Estamos, quem sabe, a debatermo-nos com algum tipo de iliteracia sentimental. Por isso tomo a decisão de afirmar, que de hoje em diante, só vou gostar de quem me souber, “ler”.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Post.it: A linha reta

Sempre ouvi dizer que a reta é a distância mais curta entre dois pontos, no entanto, andamos sempre às voltas em busca de algo que  pode estar tão perto. Escolhemos o caminho mais longo, aquele que tem maior número de curvas e declives. Porquê? Questionamos um dia quando tomamos consciência de que tornámos tudo muito mais difícil. Mas o que fazer se temos este espírito inquieto, insatisfeito, se vivemos nesta busca incessante de novos desafios? O impossível atrai-nos, o fácil deixa-nos na monotonia. “O pecado me atrai, o que é proibido me fascina”. Somos conquistadores, caçadores. Quando a sorte nos bate à porta, desconfiamos e não abrimos. Se ela espreita pela janela, criamos muros à nossa volta. Se o amor nos chama, tapamos os ouvidos, não acreditamos na sua lealdade ou receamos a sua finitude. Será que se esqueceram de nos ensinar a regra básica de que a reta ainda é a distância mais curta entre dois pontos? Afinal o que desejamos pode estar perto enquanto nos perdemos a buscá-lo mais além, no quase infinito.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Post.it: Se tivesse tempo

Gostava de ter tempo para brincar com o tempo. Porque ele é apenas uma criança irrequieta sempre desejosa de brincar connosco. Se não tivesse um limite de tempo, deixava que partisses, porque sabia que um dia voltarias, nas asas do tempo. Porque o tempo tem asas. Mas sinto que na maior parte das vezes que as usa para se afastar de mim, para me roubar o pouco tempo que tenho. Sim, porque o tempo é sempre pouco para quem tem muito para viver. Quem quer chegar mais alto, ao lugar onde habitam os sonhos, esses que sonhamos de olhos bem abertos para os ver e depois correr atrás deles para os concretizar, para os tornar a nossa realidade. Quem me dera ter tempo, um tempo que talvez não fosse eternidade, apenas um pouco de tempo para me encontrar no teu tempo. Para ter o teu tempo, para ser por um momento, um pouco do teu tempo. Se isso acontecesse poderia acabar o tempo, porque já não precisava de mais tempo. Já tinha vivido nesse instante todo o tempo do mundo, tudo o resto seria o início de um tempo em que tudo cairia no esquecimento, como não quero esquecer, escolho permanecer para sempre neste tempo, como se ele fosse o nosso tempo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Post.it: Gerundina

Chamavam-lhe assim, não chegava a ser ofensa, mas uma característica que de imediato a identificava. Quem ouvia esta alcunha pela primeira vez, questionava, seria o seu nome? Algo estranho, mas há tantos nomes peculiares. Gerundina sorria e sem embaraços esclarecia o equivoco. O nome de Gerundina vinha de gerúndio, um tempo verbal que indica uma acção em andamento que nunca se sabe quando chega ao final. Gerundina nunca estava bem nem mal, “ia andando”. Sempre cheia de problemas que se iam “resolvendo”, sem pressa, de dar lugar a outros. Gerundina trabalhava num pequeno escritório, as resmas de papeis iam acumulando-se na sua secretária com tarefas para “ir fazendo”. Gerundina namorava, sonhava com o casamento, mas enquanto o noivo não se resolvia, dizia com um sorriso maroto, “vamos casando” e quanto a filhos? Perguntavam-lhe. Encolhia os ombros, “estamos tentando”. – Não há pressa comprámos agora casa que ainda estamos “pagando”. Passaram-se anos, muitos anos, voltei a encontrar a Gerundina, perguntei-lhe como estava, “envelhecendo” respondeu-me. Trabalha no mesmo escritório de papeis amontoados, continua “casando”, os filhos vão “crescendo”, as dividas “aumentando”, os cabelos “branqueando” mas os olhos continuam “brilhando” porque o seu coração continua “sonhando”. Gerundina vestiu a alcunha que lhe deram, vive a vida devagar, como ela diz ainda com o mesmo sorriso maroto, para a ir “saboreando”.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Sol da minha noite

Vou amar-te,
Por toda a vida que viver.
Por todo o dia que amanhecer.
Por cada vez que sem ti adormecer.

Vou amar-te,
Porque és o sol da minha noite.
Porque és a paz do meu horizonte.
És da minha inspiração a fonte.

Vou amar-te,
Como se fosses a minha eternidade,
Como se fosses a minha felicidade
Ou no final apenas a minha saudade.

Vou amar-te,
Porque és o meu último alento.
A doçura do meu sentimento.
A esperança dum único momento.

Vou amar-te,
Na ilusão de um amor eleito.
Que permanece sem ser desfeito.
Porque no coração é um amor-perfeito.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Post.it: Que vais fazer no sábado?

Foi a pergunta que me fizeste, num quase silêncio, que não sei o que significava. Um convite, um impasse adiado, uma vontade de chegar e desenhar o caminho? Ficou no ar, sem resposta igualmente concreta. Uma resposta que se tornou adivinhação. Porque sábado nada vou fazer de especial, talvez desenhar os passos sem rumo, seguir em frente, porque só o futuro se constrói, depois do que já está feito e desfeito. Caminhar como quem desiste de si, dos seus sonhos, projectos, desejos. Desistir do tempo em que esperava transformar o eu num plural, mas que se quedou uma vez mais singular. Quem espera, espera porque sonha, idealiza e de tanto fantasiar, um dia acredita que será a sua realidade. No entretanto, engolia as lágrimas, disfarçava o timbre da voz magoada, contraia um sorriso, inventava uma gargalhada. E tu acreditavas no que te dizia sem escutares o que o silêncio calava. Que vou fazer no sábado? Talvez dormir, talvez sonhar, que um dia, o  sábado seja como o domingo e  como todos os outros dias, igualmente, especiais…

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Post.it: A oferta de um verbo

Outro dia alguém disse-me, “não sei quem és, pouco sei sobre ti”. Contive uma exclamação de surpresa, que queria gritar, como é possível? Derramo-me em cada gesto, em cada olhar, em cada abraço, em cada palavra. Que mais posso fazer se sou um livro aberto à espera de ser lido? Se sou um olhar atento à espera de outro olhar que me queria ver. Se sou um abraço estendido à espera de ser abraçado. Se sou as palavras que formaram o lago,  que crescem formando um rio,  transformando-se num mar em busca de cada oceano. Então entendi, por mais que sejamos claros como as águas, que desvendemos a limpidez  do  céu azul, nunca chegaremos às profundezas marinhas nem às estrelas do universo, sozinhos. Cabe a cada um trazer de si mais uma gota, contribuir para  a onda que nos leva até um porto seguro. Cabe a cada um trazer uma estrela para ser mais uma luz na nossa vida. Cabe a cada um conjugar cada palavra, entender cada frase e oferecer de volta, um verbo. Seja ele qual for, desde que venha do coração.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Post.it: Do ocaso ao Homem

De que somos feitos? De pó, de sol, de vento, de chuva, de semente lançada no espaço que encontrou no ocaso o seu início. Somos filhos das estrelas, da explosão de vida que em outra vida se transforma num ciclo interminável de confluências e dissonâncias.
Somos filhos do sol e da sombra. Temos nos genes o medo e a coragem. O ímpeto que nos faz chegar mais além do aquém que já fomos. Somos esse grão que nos fez crescer rocha e dessa gota que nos fez dilatar em mar, dessa brisa que nos elevou a vento, que se perpetuou em eco na caverna do conhecimento de onde saímos. Engrandecemos, multiplicamo-nos, propagamo-nos na tentativa de vencer as nossas limitações e conquistar a eternidade. Porque sabemos que é longo o caminho a percorrer para nos tornarmos merecedores da vida que nos fez nascer. Erguemo-nos, transportamos as lições dos antepassados e construímos as que irão ser aprendidas pelos vindouros. Cada passo é uma vitória, uma conquista do universo que nos deu a missão de cuidar dele, que foi o nosso berço e permanece o nosso lar.
Um dia iniciaremos a viagem de regresso a esse berço e reencontraremos no ocaso a essência do que somos, esse pó, esse sol, esse vento, essa chuva, esse pequeno nada de universo.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Post.it: Quando estou "deprê"

Hoje estou mesmo deprê,  digo enquanto espreguiço o olhar para a montra de doces. Não sou gulosa mas sinto o coração amargo, preciso de o adoçar, de o compensar. A minha amiga segue a direcção dos meus olhos e rende-se ao fascínio do açúcar.
– Eu já sou deprê, que me aconselhas, um de cada?  Aponta para o balcão e afirma:
 – Não sei se é suficiente para me alegrar a alma.
– Deixa-te de exageros. Replico meio distraída, enquanto faço a minha opção. Não sou uma cliente  fácil de pastelaria, acho tudo demasiado doce.
– Exagero?  Volta a retorquir. - Mas tu não sabes que vejo tudo pela negativa? Bem nem podia ser de outra forma porque tudo me acontece!
– Ok, ok”. Começo a exasperar, será que não há nada com bom aspecto e que não me encha de colesterol? Estou mesmo deprê, não costumo ser assim tão indecisa. – Mas dizia, não acho que sejas uma pessoa assim tão negativa. Bom tirando o facto de seres acérrima devota das tempestades e de tudo o que lhe diz respeito, chuva, vento, trovoada  e afins.
– Vês? Começas a reconhecer, vou mudar o nome para Deprê! Até soa a francês!
Pronto, decidi, fico-me pelo café, afinal não é com doses de doce que vou dulcificar o coração. – Sabes o que te digo? Só precisas que o sol entre na tua vida. Talvez procures a escuridão dos dias cinzentos porque assim não tens que ver quem quer iluminar a tua vida. Talvez gostes das sombras porque não tens coragem para sair delas e esperas que seja alguém a tirar-te de lá. Lança-me um olhar fulminante.
– Estás enganada, tenho coragem para lutar pelo que quero, mas não consigo é encontrar por quem lutar!.
– Será? Já beberico o café. – Será que não te estás a enganar a ti própria? Procuras um amor-perfeito. Isso existe? Tu por acaso és perfeita? Então porque exiges a perfeição dos outros? Enquanto deixas passar por ti lindos amores que mesmo imperfeitos podiam fazer-te feliz e afastar a nuvem cinzenta do teu viver.
Nunca ouviste a frase “Posso não ser o melhor, mas sou o melhor para ti”
Ignorando o meu comentário prosseguiu.
- Já escolhi, quero um pastel de nata, e uma garrafa de leite com chocolate e já agora dás-me o teu pacote de açúcar que não usas? Preciso mesmo de muito doce para adoçar o coração e começar a olhar para o que está perto e deixar de sonhar com o que está longe, para lá das estrelas.
Por vezes, somos nós que não sabemos escrever nas linhas do destino...

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Post.it: Desencontrada do luar

Um dia vou esquecer essa vaga de mar que por momentos se estendeu sobre o areal rendilhada de esperança. Um dia vou esquecer o luar e as estrelas que desenharam o seu rosto como se fosse eterno. Um dia vou apagar todas as palavras que lhe escrevi e que senti, talhadas nas células do meu ser. Um dia vou caminhar mais leve sem a sua lembrança. Mas até lá vou continuar a sonhar sonhos impossíveis. Bem sei que dizem que nada é impossível, mas é, quando os desejos andam desencontrados  nas fases da lua. Em algum lugar, cruzámos o olhar para logo de seguida continuarmos a viagem. No entanto, sem razão aparente, ficámos prisioneiros daquela miragem que nos deixa ávidos de uma história que começamos a escrever. Preparo o lar do meu peito para nele te alojar. Preparo o carinho para de ti cuidar. Preparo a saudade para  te oferecer em felicidade. Preparo a vida para contigo a viver, quando um dia o teu luar me iluminar.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Post.it: Castelos de areia

No percurso da vida construímos modelos, sonhos, ideais. Por vezes quase vislumbramos algo que se aproxima, que toca a orla da nossa utópica esperança. Ficamos sem ar de tão expectantes. O coração agita-se dentro do peito, como se fosse um órfão perante a possibilidade de encontrar um lar feliz. Estendemos os braços, abraçamos a hipótese com toda a força dos sentidos. Acreditamos e entregamos as nossas sensações, sonhos sonhados em tantas noites de solidão. Porém o tempo irá encarregar-se de derrubar os nossos castelos de areia, aqueles que em algum momento tentámos habitar. O modelo não se ajusta por completo, as peças da vida não se encaixam adequadamente. E a chama que quase nos incendiou o peito e toldou a razão, abranda e dissipa-se qual nevoeiro repentino que dança por momentos sobre a praia.
A realidade torna-se o choque do confronto, começa a doer como se fosse um fracassado intento, enquanto as palavras esvaziam-se de sentido e o silêncio conquista cada vez maior espaço. As emoções esvoaçam como andorinhas encandeadas com os reflexos do sol no mar. Batem as asas, confundem as direcções, quase chocam entre si. O coração fervilha numa turbilhão de decisões, grita não, à distância que aumenta, lança braços a bóias sem ar. Até que por fim deixa de lutar, deixa-se naufragar. Já nada faz sentido e é preciso arrumar o sentir, recolher os cacos de vida para os colar com a cola da esperança.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Post.it: A resposta...

Ela veio em silêncio e no mesmo silêncio entregou-me uma carta aberta, lida. Disse-me a expressão desiludida do seu rosto. Li-a e dei voz ao silêncio, transcrevendo o seu sentir. Era a resposta à sua “ridícula” carta de amor… “Li a tua carta, tinha-me prometido que não o faria. Preferia imaginar o seu conteúdo, como se fossem sonhos possíveis. Como se fosse o outro lado do arco-íris, onde diz o mito, encontra-se o pote dos desejos. Mas faltou-me a coragem de ser corajosa. Travei uma luta desigual entre a esperança e a razão, deixei-me vencer. Li a tua carta, não tinha nada do que queria ler ou, talvez tivesse tudo o que esse nada disse. Não tinha o queria ler, talvez porque não tivesses nada para me dizer. Com muita pena minha, sem nenhuma pena tua”. 
Que dizer a esta amiga,  que me entregava aberta uma carta, que me entregava aberto um coração desiludido. Dobrei-a, entreguei-lha, com um abraço de conforto. Continuarão a escrever cartas, até que um dia deixem de ser cartas paralelas e passem a ser a continuação uma da outra. Que ambas as cartas escrevam a mesma história num tempo verbal que não fale de passado mas que se conjugue no presente e tenha coragem de esboçar um futuro. Porque certamente o querem muito, mas mesmo muito…

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Post.it: Alzheimer: um contínuo adeus

Minha querida amiga, há quanto tempo não nos reencontrávamos? Não há mais de um ano. E durante esse tão curto período em que para mim pouco ou nada mudou, alterou-se por completo a sua vida.
Olhou-me e não me reconheceu, reapresentei-me, mas o meu nome, o meu rosto caiu no seu interior sem encontrar eco na lembrança. Entristeceu-me aquele momento, aquele impasse em que buscava memórias que tinham desaparecido.
 Lembro-me que a minha chegada era para si uma quase festa, celebrada por largos instantes, por um olhar curioso que me questionava: como estava, o que andava a fazer, queria saber as notícias e contar-me as novidades. Hoje o seu olhar é vago ao encontrar o meu rosto, agora desconhecido. No entanto mantêm a mesma ternura, a mesma afabilidade para com uma estranha que sente, em algum momento teve um espaço na sua vida.
 Alzheimer, essa doença que a invade e lhe rouba o maior tesouro que vamos construindo e guardando ao longo da nossa existência. Lembranças de momentos que fazem a nossa história composta de amores, filhos, netos e amigos que partem sem partir.
Consola-me ver a sua doçura sem mágoa e a certeza de que mesmo sem saber nem questionar o porquê,  continua a amar-nos.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Post.it: Um minuto no teu olhar

As coisas acontecem porque têm que acontecer, nada tem de científico, nada tem de filosófico, talvez nem religioso, num destino que nos antecipa e escreve-se para além da nossa vontade. Coincidências? Prefiro pensar que existem, que tornam a nossa vida uma constante surpresa e nos libertam da rotina programada. Mas coincidência ou não, há a certeza inegável do que acontece e o nosso encontro aconteceu. Um encontro aparentemente vulgar e banal mas diferente. Porque foi o momento em que o nosso relógio de hábitos, compromissos e outras tarefas, parou. Ofereci-te esse instante e tu retribuíste, ou quero supor que sim. Que na tua vida, por um momento, permaneci. Quanto tempo durou esse suspense cósmico? Não sei. Imagino que foi muito tempo, mesmo quando senti que foi pouco. Demasiado curto para todo o tempo que poderia ser comummente vivido. Mas o tempo é o que fazemos dele, por isso eternizei-o, na lembrança.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Post.it: Hoje é um dia especial

Não porque seja uma data especial no calendário. Não porque tenha acontecido algo de diferente que deva ser lembrado. Mas porque despertei, porque recebi este dia como um presente. Vesti a minha melhor roupa, desenhei no rosto o meu mais radiante sorriso. Perfumei-me com caros perfumes. E recebi-o no meu lar, acolhi-o  na minha vida, abri-lhe as portas da minha festa, convidei-o a entrar. Mostrei-lhe como era especial.  Enchi-o de luz, de alegria, de harmonia. Dancei com ele, senti-o, aninhar-se no meu coração. Senti-o sereno, reencontrado com todos os outros dias que nunca concretizavam os meus sonhos. Senti-o feliz, porque não é todos os dias que o dia pode sentir-se feliz. Ele oferece-se a nós, no entanto não reparamos na sua permanência, na sua teimosia de recomeçar todos os dias, para que o recebamos, para que o tornemos melhor que o anterior. Todas as noites o dia adormece cansado de tentar, de nos chamar, de nos fazer tropeçar nele, quem sabe assim o vejamos. No entanto limitamo-nos a critica-lo, a fazer queixas da sua imperfeição, do frio, da chuva, do sol, do vento, do céu e do luar que nos oferece. Um dia, sem sabermos porquê, ele desiste de nós e não desperta no nosso olhar, e não nos ergue para o receber. Ele que sempre encontrou as portas fechadas e a janelas cerradas, recusa-se a  bater de novo a cada porta. Recusa-se acompanhar-nos, a dar-nos mais uma chance. E nesse dia, porque o hoje desistiu de nós,  vamos  permanecer para sempre no ontem sem a oferta de um amanhã.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Post.it: Somos um pouco de todos

Somos um pouco de tudo, deste mar que nos avassala de azul, deste sol que nos inunda de luz. Somos estrelas no firmamento do sonhar.  Somos um lastro de luar no brilho de um sorriso. Somos um pouco de todos, daqueles que ao passar, tiveram a generosidade de nos deixar a mais rica herança, o valor de crescer, a coragem de negar o caminho turvo, a humildade de reconhecer o erro, a modéstia de pedir perdão, a grandiosidade de oferecer o coração, de dar significado à força da sua mão para a tornar na mais suave carícia.
Somos feitos de nós, seres imperfeitos, incompletos, burilados pelo amor que o viver nos oferece, em cada sombra que nos protege do calor intenso, em cada fonte que nos mata a sede, em cada braço que nos abraça a dor.
Somos no destino a viagem, essa que une e separa vidas em qualquer ponto do infinito. Por vezes tão forte nas suas imposições, nos seus obstáculos. Mas sem força suficiente para  nos fazer esquecer, memórias de pessoas que em algum momento, mesmo que num breve instante,  nos fizeram felizes…

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Post.it: Seara de vento

Não posso negar o que sou, esta seara de vento que corre pela planície. Esta liberdade, esta ansiedade, esta necessidade de horizonte. E de braços abertos acaricio o trigo doirado e adormeço sobre os molhos já ceifados.
Na cidade, sufoco por entre prédios que me roubam o alento dessa visão que almejo,  a luz de mil sois em flor. Cidade que me torna mais um ser anónimo, um número estatístico sem importância nem nome. Apenas vejo sombras por entre luzes de candeeiros na obscuridade que escurece o luar.
Preciso desse rio que atravessa sem pressa a charneca de flores. Preciso de encher os olhos de azul sem fronteiras de betão. Preciso de soltar o coração, sem medo que a noite o aniquile numa qualquer esquina perdida. Preciso de encher os pulmões desse ar ainda não corrompido por veículos que circulam alheios ao que se passa à sua volta. Preciso de acordar com o canto dos pardais. De ouvir ao longe o chocalho das ovelhas. De desejar um bom dia e receber idêntico cumprimento envolto num sorriso e num olhar que me vê. Não posso negar a essência que me demarcou os genes, sou filha da terra num cruzamento de mar, um galo na madrugada a cantar, uma gaivota na tarde a voar…

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Post.it: Todas as cartas de amor são ridículas

Dizem que todas as cartas de amor são ridículas, será verdade? Lanço a pergunta em jeito de desafio. – Claro que sim ou não seriam cartas de amor! Responde-me, mas logo se redime do comentário tão imediato. – Claro que já escrevi cartas de amor e como tal, fui ridícula! Sabia-o, sentia-o, mas era necessário, era urgente, soltar a voz do coração, a lágrima que caía sobre o papel e o manchava de esperança. Porque tem de se escrever cartas de amor, se há amor!
O silêncio fez-se ouvir, perante tão apaixonada defesa. Senti-me incapaz de retorquir qualquer comentário que viesse estragar aquela declaração. Mas continuou…
– Ainda escrevo cartas de amor, porque o coração não envelhece, porque ainda se enternece. Porque ainda é, ridículo.
Dizem que é preciso coragem para escrever cartas de amor, por isso não deixo de a admirar. Quanto a mim confesso que também nunca me faltou coragem para as escrever, mas as pernas tremiam na hora de receber a resposta, o coração inventava palpitações e as mãos recusavam-se a abrir o envelope. Por vezes penso num suspiro, (quem me dera nunca perder a vontade de escrever cartas de amor, mesmo que sejam ridículas, mesmo que sejam ridicularizadas). Porque só quem as escreve sente bem no fundo do peito o encanto perfeito desse amor que não é afinal, ridículo.
– E já que estamos em conversa de quase confissão. Acrescenta com o mesmo sorriso  de expectativa, traída pelo olhar de desencanto. –  Posso assegurar-te, que se essa carta de amor, onde desfolhei o sentir como uma flor, tiver uma mensagem, “não terei coragem de abrir”. Prefiro ficar na incerteza. Se “será alegria ou tristeza”. Para conseguir guardar na memória a inexistência de uma história e a eterna ilusão de que não foi apenas, uma ridícula, carta de amor. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Por essa ilusão

Tenho-te esperado
 A vida inteira.
Tenho-te procurado
Em tantos olhares...
Esperanças derradeiras
Submersas nos mares.
Deste sentir adiado
sufocando as emoções.
Felicidade, traço esboçado
Com laivos de ilusões.
Confundi-te com o luar,
Com estrelas do firmamento
Com nuvens a deslizar
No doce sopro do vento.
Quando o nevoeiro levantou,
Encarei a luz do dia.
Foste realidade que me roubou,
As cores da fantasia...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Post.it: A chinela e o pé descalço

Encontrei uma chinela na rua vazia, imaginei um pé descalço. A falta da chinela, o forçado abandono. O andar perdido, magoado sem o conforto da sua chinela. É pobre, simples, banal, sem marca de grandes estilista, nem se enquadra na moda. É apenas uma chinela sem par, que já calçou um pé descalço. Está gasta, já caminhou muito, percorreu parte de uma vida, foi companheira de aventuras e talvez quem sabe, de desventuras.  Hoje na rua vazia, não conta a sua história, talvez de uma amizade nascida numa qualquer montra da cidade, quando um pé descalço, lhe ofereceu o olhar, atraído pela vivacidade das suas cores, pelo aspecto confortável. Calçou-a, sentiu que era um reencontro com a forma do seu corpo. Já não a descalçou, começou logo ali a sua jornada e a história da chinela e do pé descalço. Que terminou um dia numa rua deserta, quando a chinela ficou perdida sem o pé descalço. Talvez ele ande por aí, procurando por ela. Coxeia, insiste e não desiste a cada passo magoado, torna-se difícil a caminhada sem aquela chinela que lhe calçou durante tanto tempo o seu pé, agora, descalço.