segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Moda alentejana

 Fui à fonte buscar água,
Desculpa só para puder ver,
Esses olhos sem mágoa,
Que parecem rios a correr.

Fui à fonte buscar água,
Desculpa para te ouvir falar,
Palavras que sem mágoa,
Quer o coração escutar.

Fui à fonte buscar água,
Esperei até o dia anoitecer,
Na vasilha já secava a água,
Que dos teus lábios queria beber.

Fui à fonte buscar água,
E só uma gota te pedia,
Por essa gota de água,
Toda a minha alma floria.

Mas tardaste, voltei sem água,
Pelo meu caminho infeliz.
Fui à fonte, voltei com mágoa, 
E este quer que tanto te quis.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Post.it: Entre conversas

Lembro-me das nossas conversas de outros tempos, falávamos de amores, de encontros e desencontros, de namoros fracassados e de outros começados, de casamentos sonhados e alguns felizes, dos filhos que nasciam de como cresciam, das suas aventuras e cada vez menos das nossas. 
Depois dos 40 começamos a inserir nas conversar outros elementos mais dolorosos (as dores nas articulações e o stress) e outros menos gostosos (as dietas). Tornaram-se moda, de repente passaram a ser uma exigência, fossem magros ou mais cheinhos, todos faziam dieta,  passamos a comer bolos apenas com o olhar e a matemática tornou-se uma constante às refeições,  quase que de máquina de calcular em riste para contar calorias.
Continuámos a somar anos, desenganos, risos alegres e tristes, faz parte da vida vivê-los, faz parte da amizade essa partilha.
 Entrámos para o (clube) dos 50, e com eles outros assuntos inundaram as nossa conversas, mais tranquilos, mais ternos, mais seguros, mais angustiados, mais revoltados, mais receosos, mais felizes, mais infelizes, depende de cada um, da sua vida até aí, da sua maneira de ser e a forma como encara o futuro, “do seu crescimento depende o seu envelhecimento”. Porque é disso que se trata, de com envelhecer.
Falamos do filhos crescidos, com receio do seu futuro. Falamos  da demência dos nossos familiares mais próximos, da degradação da sua saúde, falamos de muitas partidas e de poucas chegadas ou seja, nascimentos.
Falamos entre gracejos e ensejos, da morte. Torna-se presente, latente, primeiro por medo, depois por aceitação, cada vez mais como mera constatação, não de lá chegar mas de viver com premência o antes, a viagem que desconhecemos qual a duração e contornos do percurso, por isso é bom precaver, levar o que se pode e que poderá ser-nos necessário, ou simplesmente nada, deixarmos que tudo aconteça pelo melhor.
- Por qual adjetivo queres ser recordada?
As respostas múltiplas não se fizeram demorar:
Generosa. Boa pessoa. Bonita. Alegre.  Leal, Amiga, Inteligente, Otimista, Bondosa, e tu?
Chegou a minha vez, posso escolher todos esses adjetivos? (pergunto em pensamento) claro não, que ambição desmedida, que falta de humildade, de justeza.
- E tu? Insistiram. 
- Gostava de ser recordada como uma pessoa discreta.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Post.it: És tu, sou eu

Olhas o mar com olhos de infinito, a linha do horizonte tornou-se uma fronteira que te sufoca os pensamentos. Os cabelos dançam a melodia do vento, parecem loucamente felizes, mas o rosto apático cria um alarmante contraste.
Estremeces, quase garanto que estremeces, um arrepio de alma que se aconchega na desculpa de que é o outono que já arrefece. Mas, o ar ainda está morno, foste tu que deixaste o inverno antecipar a sua chegada.
Quase te ofereço um casaco, um abraço de calor humano. Mas hesito, perscruto os teus devaneios, embarco na tua viagem assombrosamente estática. Que idade terás, assim à distância, pareces uma criança indefesa, mas não a tristeza, que é de pessoa adulta. Bebo-te os gestos num golo quase sôfrego, de bêbado deambulante, e nesses passos a medo, aproximo-me. Invade-me uma curiosidade de tudo o que é estranho e queremos conhecer, há um crescente de carinho quase maternal que me magoa. De repente tudo é apenas o nós numa envolvência de sentimentos, surpreendentes, sublimes, ternos, tão docemente humanos, solidários  mas também solitários.
Sinto-te carente, sim carente, desta dádiva que nos faz sentir inteiros,  verdadeiros,  puros. Pé ante pé com pegadas que ficam cravadas na vida em suspense de ser vivida, chego mais perto, e ainda um pouco mais. Não receio, é apenas uma pessoa perdida em busca de si ou de algo para além de si. Quase que te sinto o coração latejante no peito, quase que te ouço os pensamentos cheios de esvoaçantes ideias. Tantas, tão indefinidas, as tuas, as minhas, quem sabe ambas se tenham um dia cruzado, olhado, conversado na galáxia de paixões candentes. Mas agora só temos o silêncio, não precisamos de mais nada. Não te quero roubar as palavras que nunca me dirás.
Por fim a paz, a serenidade parecem ter chegado, vejo isso na mudança do teu olhar, dos gestos, os braços antes abraçados aos ombros, descem ao longo do corpo, as mãos encontram-se, os dedos entrelaçam-se apaziguados. O olhar afasta-se do infinito, aproxima-se de um plano mais curto. Olha-me com surpresa, assusto-me, assustas-te. Envergonhada pelo meu atrevimento, sorriu-te, envergonhada pelo teu afastamento, sorris-me. 
Percebo, és tu, melhor sou eu, a tua sombra.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Post.it: Sair para querer ficar

Às vezes, mas tão somente às vezes, sinto vontade de sair deste lugar. Digo que isto me acontece às vezes, tão raramente que até a mim me surpreende. Sou reservada, pacata, não chego a ser tímida, apenas discreta. Embora o “discreta” não me assente bem, porque tenho uma vontade inquieta. Mas aquieto-me, tranquilizo-me, respiro, medito, aplaco a ira dos dias cheios de gente que contrasta comigo e que se diz na maior parte do tempo, amiga e até para cúmulo dos cúmulos, boa pessoa. Gente que se importa com tudo em geral, e nada em particular. Há tanto alter ego por aí, dourado mas que não é de ouro, nem sequer brilha, nem sequer encanta, cansa, esse vil engano em que cada um mergulha e acredita ou quer fazer acreditar que o é, sem nunca chegar a ser algo que valha a pena.
Então aí, somente aí, apetece-me sair e claro, voltar, porque vá para onde for, tudo/todos são tão similares que se torna  bom regressar e sentir que já conhecemos cada recanto desta casa a que chamamos vida.
Outro dia li esta frase “ A viagem começa nos outros”. Depois de tantas destas viagens, mudei de rumo, mudei de frase, mas também de fase, agora “A viagem começa em mim”. Não é por vaidade, reconheço que há muitos e melhores caminhos, mas para quê seguir estranhos rumos, quando ainda mal conheço os que me compõem? Não quero ser outro alter-ego, colocar-me num pedestal e um dia cair dele sem amparo. Apraz-me a sabedoria quando acompanhada de humildade. Gosto de quem muito sabe, porque teve o gosto de aprender. Gosto de milionários que abraçam grandes causas e não grandes luxos. Gosto de pintores que pintam do coração e não apenas para (de)coração.
Às vezes é preciso sair deste lugar, mesmo que seja apenas um partir nas asas do pensamento, do sentimento, sentir o vento no rosto, a caricia do sol,  os lampejos de chuva, algo que torne mais leve a nossa essência, algo que sopre para longe os mesquinhos devaneios, que incendeie e queime a gratuidade das palavras vãs e lave bem lavada a alma entorpecida da prisão onde nos colocam as horas com os seus aguçados ponteiros. 
É bom sair, saber que temos para onde ir, que há gente  diferente, que é e que torna o mundo contente, que o horizonte é infinito, que o tempo é perpétuo e o universo pacifico, algures, na liberdade de sonhar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O meu presente de aniversário


Ainda não vos apresentei,
É lindo, divertido, brincalhão.
É tudo o que sempre esperei,
Encontrar num aprendiz de cão.

Aprendiz pela tenra idade,
Do saltitante cachorrinho.
Que usufrui da liberdade,
De me mordiscar com carinho.

Quando corre de orelhas a voar,
Quase parece um aviãozinho.
Que infeliz fica o seu doce ar,
Quando o deixo em casa sozinho.

Já começa a ficar educado,
As necessidades faz no jornal.
Só as faz em qualquer outro lado,
Se as notícias, do país falarem mal.

Polinho? Perguntam com admiração,
Que nome tão estranho e diferente!
É o nome que me está no coração,
E agora espero, no de toda a gente.

O meu presente de aniversário,
Há tanto tempo que o queria.
O meu terno e fiel companheiro,
Que me enche a vida de alegria.



terça-feira, 11 de outubro de 2016

Post.it: A perpétua busca

“Toda a vida procurei a felicidade, amei, fui amada umas vezes, outras vezes não. Casei, descasei. Voltei a tentar, voltei a fracassar. Saltei, tentei, parti o orgulho, magoei a esperança.”

Hoje, depois de tudo ainda me sinto uma aprendiz, ainda persisto, talvez no erro, em busca da solução.
Depois de tanto cair e outras tantas vezes me levantar, fui compreendendo a lição, a minha lição, que não tem de ser igual para os outros. Aqui estou apenas a partilhar,  nada tenho para ensinar. Porque tal como vocês, tentei seguir o certo, aquilo que me diziam ser melhor. Foi? Não. Tive que caminhar com os meus próprios pés, ninguém pode ser os nossos passos. Podem dizer, não vás por aí, mas temos que ir, para perceber a razão dessa proibição. Por vezes é tudo uma questão de momento, se esse momento foi doloroso para uma pessoa, não o será necessariamente para outra. Claro que temos de ter alguns cuidados, ficar alerta, prevenidos, munidos de caixas com pensos rápidos, outras tantas com lenços de papel, para secar as lágrimas, nem todas de dor, algumas, muitas de alegria.
Toda a vida procurei a felicidade, houve momentos em que a senti perto, tão perto que quase a conseguia tocar, mas queria mais do que o seu toque, que o vislumbre do seu sorriso, queria, precisava, do seu abraço apertado e perpétuo. Sufocada, a felicidade partiu.
Voltei a procura-la, em rostos, em gestos, em corações, em primaveras floridas, em verões escaldantes, nos outonos e até no frio do inverno.
A dada altura de  tanto a procurar, começou a crescer-me a dúvida, será que ela existe? Será que  a vi e senti ou foi apenas uma ilusão?
Não, não acredito que tudo tenha sido uma fantasia  da minha ansiedade, do meu querer. Na verdade, conheci momentos belos, vivi tempos lindos, identifiquei um mundo repleto de coisas sublimes. Pode lá ser que não se sinta felicidade ao ver o azul límpido do céu, a vastidão ondulante do mar, a noite estrelada, o verde dos prados, as avenidas de árvores, o voo singelo das aves. 
Só então percebi, procurei toda a vida a felicidade,  mas em cada instante, foi sempre ela que me encontrou.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Post.it: Histórias como a nossa

Histórias, todos temos as nossas, que por serem histórias, são coisas do passado, embora, nem sempre coisas passadas. São situações vividas e que já não podemos repetir para reviver esse momento de felicidade. Coisas que não pudemos alterar para que corram de forma diferente, melhor, pensamos no nosso arrependimento, na nossa idílica esperança.
As novas histórias em nada se comparam com as “velhas”, ainda não ganharam o sabor que a maturidade e o passar do tempo lhes confere. São um pouco como a fruta, verde não sabe a nada, mas quando amadurece resplandece em doçura, em sabor que nos apetece saborear lentamente até ao fim.
Todos gostam de ouvir histórias, sobretudo se tiverem um conteúdo anedótico, essas “quedas” que damos na vida e a forma como lhe colocamos um final feliz que nem sempre teve. Mas só o facto de estarmos aqui para contar já pode ser considerado um final bem-sucedido.
Mas mais do que ouvir contar histórias, todos gostam de contar as suas, todos gostam de as colorir e se tiverem o dom da oratória, porque não ficcionar um pouco para prender a atenção do ouvinte? A vida já é uma chatice, um marasmo, um drama de contínuos actos, para quê ainda estar a partilhar a nossa desventura shakespereana?
Nós, todos nós somos uma escultura esculpida pelo tempo, pelo vento, o sol, pelo olhar dos outros. Sim pelo olhar dos outros, e isto,  de repente, trouxe-me à memória a frase de uma grande amiga “os outros não têm defeitos nós é que os vemos com defeitos, na realidade, o defeito está na nossa visão”. 
Só muito tempo depois é que percebi a sua amplitude. Ao longo da nossa história, na nossa busca incessante do outro, esse alguém que nos completa, que nos faz feliz, construímos um ideal, físico, psicológico, económico, familiar, etc, etc., etc. e etc. A dada altura parece-nos que sem esses predicados ninguém é o ser perfeito. Mas a verdade é que se for a pessoa que nos desperta sentimentos superiores, encontramos-lhe todas e mais algumas virtudes, mesmo que quando nos passe a “pancada” da paixão, acabemos por constatar que não as possui, enfim, lá ficamos nós com mais uma história, que está longe de ser perfeita, mas é a nossa…