quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Post.it: Mês do Natal

Já estamos com um pé no mês do Natal, mas falar de Natal neste tempo, é-nos doloroso, para uns mais do que para outros, para os que perderam familiares, amigos, uns por questões de saúde, outros por acidentes, outros ainda nos incêndios que avassalaram o nosso país, falar do Natal, talvez não faça sequer sentido. 
Mas também será difícil falar de Natal para os que, perderam os seus bens fruto de uma vida de trabalho, ou o seu único meio de sustento, nesses mesmos incêndios ou em outras catástrofes naturais. Não esquecendo o mundo que nos rodeia, esse universo de relações, que nos faz sentir cada vez mais próximo o perigo das ameaças belicistas entre países que se radicalizam. Ou, ainda, para todos nós que começamos a sentir as manifestações das alterações ambientais e o quanto nos choca a falta de consciência dos poderes de decisão sobre esta questão. 
Não esquecendo os muitos, que por razões várias sentem que a dor quase supera a fé, que nos rouba a  alegria da festa, e enche de penumbra o nascimento que deveria ser de renovada esperança.  
Falar hoje de Natal, abala-nos, confunde-nos, por tudo o que aconteceu e que nos deixou tão pouco para agradecer nesta época.  
Contudo, talvez seja agora que o Natal deve ser mais sentido, mais reforçado, mais unificado por cada um. Revelando a nossa capacidade de lutar para renascer das cinzas e seguir em frente, construindo, ou reconstruindo os sonhos perdidos, queimados, sonegados à nossa confiança. 
Devemos, por tudo isso, oferecer a quem mais precisa um Natal mais solidário, mais humanitário. Devemos presentear cada  coração com um abraço.  Oferecer a cada dia uma semente de esperança.  
Sairmos da nossa “ilha” não lhe chamarei “indiferença” mas de rotineira “apatia”  e darmos-nos aos outros em generosidade, em partilha, em presença. 
Este ano, devíamos em vez de acolher o pinheiro em nossa casa, plantá-lo numa floresta devastada, e ver surgir à volta do nosso, muitos outros. 
Vamos entrar no mês do Natal, vamos recebe-lo com carinho, ainda que a nossa alegria esteja magoada, que sintamos a nossa alma vazia, vamos enche-la de fé e leva-la a  quem mais precisar. Que este Natal não seja de presentes medidos pelo seu valor, mas que o seja pelo seu amor. Se o Natal vos bater à porta, sejam generosos, deixem-no entrar…


terça-feira, 28 de novembro de 2017

Post.it: Terra

Sinto-me feita de ti, de vento, de folhas caídas, de salpicos de mar. Sou montanha e planície, rio que te delineia as margens em voos que rasgam  a linha do horizonte. Sou onda que se estende pelos 7 mares onde ecoam sereias; sou nuvem que se alonga qual preguiça infinita no azul celeste. Sou como tu, feita de sonhos, de ilusões, de estranhas e doces paixões, ainda tenho esperança, ainda guardo resquícios de confiança, sou um velha no olhar, mas no coração uma criança. 
Sou tua, abraço-te e beijo-te, adormeço em ti e cubro-me com um manto luar. 
Sou eu, a ultima andorinha da Primavera, sim, as minhas irmãs já partiram. Eu, ando sempre atrasada, sempre perdida, sempre esquecida do tempo. Porque o tempo são-me asas e as asas só querem voar por terras sem fronteira, por regiões sem muros, por olhares sem grades, por corações sem medos. 
Estou atrasada, reconheço, mas culpa não é totalmente minha, afinal, a natureza não tem horas, não usa relógio, não segue as badaladas do sino da igreja, nem se rege por um calendário de folhas removíveis. Vivo ao sabor do vento e da chuva. Cantando ao namoro desencontrado do sol e da lua. 
Terra, és a minha mãe, a minha casa, o meu cais, o meu ninho, és o meu calor, o frio, a dor e a felicidade, a alegria e a tristeza, até a saudade.  
Por isso parto, por isso regresso, só porque quero, só porque me chamas, sigo-te, estou sempre onde estás, aqui, ali, pintando de verde e de azul a minha solitária existência.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Numa aldeia

Queria viver numa aldeia do interior,
Onde o frio se atenua com amor.
Viver numa casa de pedra baixinha,
Ter uma amiga em cada vizinha.

Casa de pedra escura,
Onde a noite mais tempo dura.
Campos cheios de neve,
Onde a brisa que nos toca é leve.

Acordar com os sinos na passagem,
Dos rebanhos que vã para a pastagem.
O pastor com o cajado comandando,
O cão ao redor dando ordens ladrando.

Queria viver numa pequena aldeia,
Onde a todos com bom dia se presenteia.
Partilhar histórias ao calor da lareira,
E nos Santos cantar e saltar a fogueira.

Queria viver numa aldeia aconchegante,
Onde o tempo passa suave e devagar.
O rio percorre a margem deslizante,
E o olhar parece pelos campos voar.



terça-feira, 21 de novembro de 2017

Post.it: Estatisticamente estática

Queria construir jardins feitos de tinta, uma tinta     que não pinta mas escreve e descreve a aura da emoção. Queria fazer flores, oferecer amores em tons de primavera em ternos odores, mas, eu que apenas escrevo, ou melhor, tento escrever, acreditando que pelas palavras consigo dar um pouco de mim, sinto e sei nada mais faço do que míseros rabiscos sobre as linhas.
Rabiscos que parecem, ou melhor que quase, mesmo parecem, palavras. Tão simples, tão banais, mas também elas têm de passar pela mudança, uma quase transformação onde ainda me sinto aprendiz e criança, o papel passa a ser um ecrã e a caneta é uma tecla.
Felizmente ainda há dedos dedilhando e aquecendo a frieza do teclado. Felizmente ainda há a mão ponta do caminho que começa suave no coração para que possa desenhar jardins e que nele cresçam flores. Para que cada semente em forma de letras cresça em árvores com doces emoções que embalam o fim das tardes.
Por fim, quando os sentidos se desligam das máquinas e são novamente humanas, frágeis, sensíveis, quando libertam olhar prisioneiro desse plano direito e estático,  podem, então, abrir as asas e voar sem receio, pelos contornos do horizonte.
De vez em quando, é preciso, ser-se pessoa e viajar pelos caminhos da alma, ser mais do que estatística, ficar mais do que estática e, ouvir os passos ao compasso do coração.


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O meu lugar

A vida é o meu lugar,
Onde eu sou apenas eu,
Essa gota tão leve de ar,
Dançando no azul do céu.

A vida é o meu estado,
Meu já corpo cansado,
Sonho algures abandonado,
Horizonte de pó, apagado.

A vida é a minha noite,
Um renascer após a morte,
Onde arrisco a minha sorte,
E busco um rumo sem norte.

A vida é o meu longo dia,
Sol que explode no peito,
Estranha dor sabe a alegria, 
E me expulsa do quente leito.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Post.it: A nossa história

Temos uma história, um passado, um presente, uma história feita de histórias, como se nos fossem degraus para chegarmos mais adiante. Somos a nossa história, escrita nas células do viver que por dentro lhe vão dando sentido. Que por dentro nos vão erguendo muros de separação, ou construindo pontes de união. Tudo se passa aqui, algures, entre o cérebro e o coração, entre o querer e a razão. Por vezes há uma sintonia, um encontro de ideais, uma harmonia e nesse instante, nesse mero instante, tudo faz sentido. Como se víssemos para lá do finito que a vista alcança, um horizonte que só o sentir consegue revelar-nos. 
Por isso, nem que seja só por isso, por esse instante de luz interior, tudo vale a pena é o nos identifica, nomeia, compõe. Temos afinal uma missão, que talvez não seja feita de heroísmos, de grandes dádivas, sacrifícios, é antes um encontro, não aquele que tão ansiosamente procuramos, mas o que tão discretamente encontramos ou que nos encontra. Nesse  mediar  existir ente a luz e a escuridão, entre as cores mais luminosas e os tons mais pálidos e cinzentos, aprendemos a subsistir, a sorrir. 
Enquanto nos dizem, que toda a dor passa. O tempo tudo cura. Mas não passa, mas não cura, apenas muda de nome, apenas muda de tom. E já não dói tanto e já não se chama assim. Passa a chamar-se saudade. Passa a ser uma lembrança, uma memória, uma cada vez mais breve história. 
Afinal a dor passa, passa por nós e o que fica, torna-se ténue como um rasto de rio, que no seu percurso se vai transformando em ribeiro, em riacho, em pequeno curso de água, quase no fim em gota e depois em, pouco mais do que nada. 
Seca-se nos olhos, enquanto ainda escorre no coração e um dia passa a ser um consolador embalo. 
Afinal, o tempo que tudo cura, quando nos vai afagando as mágoas, com palavras de vento, com abraços de brisas.  Em nós vai crescendo uma história, a da nossa vida...


sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Ode ao mar

Tens um olhar de alvoradas,
Mesmo até na noite escura,
Que no teu abraço de enseada,
Encontro um cais de ternura.

Se ao menos não fosses quem és,
Se ao menos tivesses tempestades.
Partiria com as mais frias marés,
E não voltaria nem pelas saudades.

Não querendo sempre a ti regresso,
Pelo desejo dessa tua felicidade,
Que une o meu querer disperso.

Em sol ardente contenho o ensejo,
A mais doida e apaixonada vontade, 
De por inteiro me afogar no teu beijo.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Post.it: Como se tivesse asas

As palavras, ai as palavras, sempre as palavras, não as que escrevo, mas as que gostaria de escrever, essas que fazem voar como se tivéssemos asas, não são minhas, apenas me saem da  boca, do pensamento, do sentimento. 
Por vezes, agarro-as, prendo-as na voz com laços de suspiro, mas elas desprendem-se num sorriso e partem. Depois, fica um silêncio que magoa, uma saudade crescente. Porque, sim, gosto delas, sinto que algumas, chegam, também, a gostar de mim. A abraçar-me e num atrevimento que me surpreende, roubam-me um beijo num gesto de brisa. Ruboriza-se-me o rosto, escondo o embaraço, mas não me ofendo. 
Gosto delas, tanto ou mais do que elas gostam de mim. Só me entristece que nem sempre as encontre, que me deixem só perante a folha em branco, o pensamento vazio, o horizonte replecto de um estranho nada. 
Porque sem elas, que importam as flores, as ondas do mar, as montanhas, os prados cobertos de relva, o sol radiante, a chuva pungente. São elas que me fazer ver e sentir tudo o que existe em meu redor. 
São elas que me fazem navegar na orla marítima, correr pelas verdes planuras, saltar riachos, atravessar pontes, romper a linha do horizonte e adormecer feliz numa duna com lençóis de maresia, mesmo que sejam apenas por palavras de sensações, algumas apenas sonhadas e nunca vividas.

Nos dias solitários murmuro-as no vento e ouço-lhes o eco que segue rumo ao infinito. Invejo-lhes a liberdade, elas que já sofreram milenares prisões. Continuam a ser humildes, tímidas, retraídas, por vezes até inseguras, outras vezes envergonhadas, mas também são corajosas, arrojadas, destemidas, valentes, tudo o que queria ser e, reconheço, não sou. 
Estremeço de medos infindos, escondo-me nos armários das emoções e choro, sim, por vezes, demasiadas vezes, choro, lágrimas inexplicáveis aos olhos, à razão. Elas são melhores e maiores do que eu, erguem bandeiras, ultrapassam fronteiras, chegam à lua e dançam com as estrelas.  
 Por vezes sinto que as tenho nas mãos e fecho-as com receio de que fujam, mas logo elas numa gargalhada intrépida revelam que  não estão nela mas sim no coração e eu, por fim, descanso, enquanto as sinto a ser-me.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Post.it: A herança

Quando se fala de herança, de imediato pensamos em bens materiais, quando há outras quiçá, bem mais importantes, a herança genética, essa que transporto e prolongo mas que, por opções do destino não transmiti para o futuro.
A verdadeira herança, no entanto,  é a que vamos deixando ainda em vida, as pequenas ou grandes marcas que ficam de nós nos outros e dos outros em nós quando somos também seus herdeiros. É essa a herança, que posso e tento deixar em forma de gratidão.
O que fica de nós na vida dos outros e na natureza que nos recebeu e aconchegou é uma herança imortal, infinita no tempo e no espaço. Gostava de pensar que a minha pegada humana não foi demasiado grande e  que se  não tornei  o mundo um pouco melhor, pelo menos que não o deixei pior à minha passagem por ele.
Quanto aos outros, a família, os amigos, colegas, vizinhos, conhecidos e até desconhecidos, entristeço-me sempre que causo uma lágrima, uma mágoa, uma tristeza por mais pequena que seja. Já a minha alegria nasce de um simples sorriso, sobretudo se a tiver causado.
Os bens materiais, podem comprar, (quase) tudo no mundo, mas as coisas que mais importam, a serenidade, a paz, a conciliação, a concórdia, a harmonia, a solidariedade, a cooperação, o companheirismo, a amizade, isso não se compra, herda-se na aprendizagem e no carácter.
Permitam-me que vá deixando em vós a minha herança, “que a minha presença vos  anime e a minha ausência vos conforte” (S. Estanislau)