sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Post.it: As nossas guerras

“Ando na guerra”. Foi assim que uma amiga descreveu os seus dias, uma luta constante e quando a noite chega, soma batalhas ganhas e batalhas perdidas, porque uma vez é-se vencido outras vencedor.
No dia seguinte retoma a actividade, veste a armadura, ergue o escudo, empunha a espada e vai para a “guerra”. A sua “guerra” necessariamente diferente da de cada um, embora desse cada um, alguns, entrem directamente no seu confronto bélico de emoções, de tentativa de soluções para os problemas diários. Porque algumas dessas batalhas são mesmo diárias, a escola e os filhos, a doença da mãe, o marido, os colegas, os chefes, os amigos, os vizinhos, o homem do café, o do talho, da caixa do supermercado, o da bomba de gasolina, os das filas de trânsito. As suas/nossas pequenas e grandes lutas.
E à noite continuamos a enfrentar contendas que por vezes nem são nossas, as dos filmes, das telenovelas, dos telejornais, está na hora de mudar de canal e ver apenas o Canal Baby, porque até o canal juvenil conta histórias demasiado violentas de guerras entre o bem e o mal. Talvez o melhor seja desligar a tv por completo, acender o computador, entrar no facebook verificando que também ali há “guerras” informativas, desinformativas, cusquices, gargalhadas que tentamos mas que já não conseguimos dar. Ou escolher o tablet, jogar um jogo que não nos derrote, mahjong, tetris, candy crasch, desisto já perdi em todos eles. Talvez um livro, um romance com final feliz, mas que até chegar a esse prelúdio, quantas batalhas se travaram, quantas derrotas se somaram… 
Chega! Já tenho as minhas, as tuas, não quero ter também as vossas. Nada como fechar os olhos, dormir, quem sabe sonhar sonhos que não sejam de lutas travadas ou por travar. Que sejam de encontros, de sorrisos, de abraços, de conversas amenas, de plácida natureza, de calmo mar, de dias solarengos, de nuvens brancas, de chuvas deleitosas, de brisas aprazíveis.  De paz, serena e longa, eterna nos dias, nas horas em que precisamos de a encontrar dentro de nós.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Somos metade da realidade

 
Somos 20 por cento de ira,
Por 80 por cento de perdão.
Quando a saudade nos tira,
O ímpeto da mais forte razão.

Somos 70 por cento de água,
Somos 30 por cento de rio.
Somos muito por cento mágoa,
E outro tanto de ser solitário.

Somos 50 por cento coragem,
Somos 50 por cento de ilusão.
Vivendo numa eterna viagem,
Que vai do olhar ao coração.

Somos 100 por cento de destemor,
Somos 100 por cento de esperança.
Uma grande percentagem de amor,
Em mistura de felicidade e lembrança.

Mas da nossa efémera realidade,
Desta inconstante humanidade.
Só conhecemos na verdade,
1 por cento ou apenas metade.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Post.it: As rosas de Malherbe

Apenas o momento basta, esse, onde cabe todo o tempo do universo numa só sensação, numa só emoção. Quando se vive uma vida inteira em busca do que nos completa, do que nos torna seres melhores. Quando se vive na esperança de se ser feliz, uma felicidade que seja eterna, numa eternidade sem tempo exacto, uma vida, um ano, um dia, o tempo de ser como as Rosas de Malherbe que só vivem (uma breve manhã). 
Mas mesmo que sendo curta a felicidade,  parece ainda assim difícil da encontrar, para muitos impossível de alcançar, de conhecer. Resta o sonho, resta a espera, resta a vida nas suas marés de mares que elevam ou afundam, que libertam e sufocam. Restam as primaveras coloridas, restam as rosas, mais duradouras que as Rosas de Malherbe. No entanto  o nosso olhar, por vezes tão ávido de paisagens longínquas, passa sem ver a beleza do que nos está perto. A felicidade que está no mais simples gesto, no mais doce rosto, no mais terno sorriso. Que nos surge escondida no silêncio e nós não o escutamos, não sentimos de tão inundados que estamos de palavras vazias à espera que se encham do que queremos escutar. 
Quando bastava todo o tempo perdido, todos os momentos esquecidos, tudo o que distraídos não observámos, tudo o que desvalorizamos, tudo o que diminuímos, tudo o que não quisemos por ser pouco para o tanto que ambicionávamos ter. Acabamos tantas e tantas vezes por termos tudo e continuamos a lamentar o que não temos. 
Se ao menos fossemos simples Rosas de Malherbe aproveitando, vivendo a longa e terna manhã, ensolarada de chuva,  inundada de luz, com ventos que nos dançam suaves nos cabelos e tudo o resto fosse um suspiro feliz de quem inspirou a emoção de ter vivido.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Post.it: Com medo do infinito

Tenho medo de me perder, perder na estrada, no caminho, na vida, no destino. E tenho medo porque me perco facilmente e demasiadas vezes. Sigo para a esquerda quando devia ter seguido para a direita. Admiro aquelas pessoas que se perdem e não temem esse perder, dizem com a maior confiança “hei-de ir dar a um lugar que conheço”. Mas eu, sei que nunca vou dar a um lugar que conheça, porque a dada altura, tudo me é estranho, novo, assustador. Simplesmente porque o observo por outra perspectiva, de outro lugar ou porque é noite e à noite tudo é escuro, desconhecido, quase tenebroso.
Comprei um GPS, coloquei-lhe um destino e fui, ultrapassando o medo e a dúvida de conseguir chegar, mas perdi-me de novo, agora não foi culpa minha, garanto, mas de algum satélite mal ajustado, talvez também ele tenha problemas de orientação no céu onde tudo parece igual e é infinitamente diferente.
Não desisti, procurei amigos que soubessem o caminho e fomos, eles sem rumo, eu acreditando que o tinham, perdemos-nos, algures na vida, algures no tempo, algures num lugar, num momento. Não os culpo, já basta de culpas. São opções, certas ou erradas logo se verá e quando se vir, vivemos bem ou mal com as nossas escolhas, um dia serão apenas histórias. 
Até ao dia em que por labirintos onde gosto de me perder, me vá encontrar, descobrir. Desenhei-me em mapa com traços do olhar, quase auto-retrato, quase metáfora de existir. Procurava longe o que estava aqui, por isso ia e me perdia. Percebi finalmente que não era perder que me fazia ter medo mas o próprio medo em si, então perdi-o e fui eu por inteiro, longa, inteira, intensa, Como se eu fosse feita de quilómetros, numa via rápida onde vou perdendo as saídas mas ganhando cada vez que me atrevo a entrar e a encarar a multiplicidade do horizonte infinito.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Post.it: Como se fosse ilha

Gosto de pensar em mim como se fosse uma ilha, não de solidão, mas de contemplação. E essa ilha tem um lago onde descansa a rebeldia dos verdes anos. E essa ilha tem um riacho, pequeno  e suave para transportar todas as minhas pequenas mágoas. Já foram grandes, ou melhor assim as considerei, mas o tempo  e a distância as tornaram minúsculas, quase insignificantes. 
E essa ilha tem uma vasta praia  de fina, branca e fofa areia para tornar mais fácil o caminho dos meus passos por vezes cansados. E essa ilha tem um mar com marés que em outros tempos fugiam mas que agora apenas regressam e adormecem aconchegadas por ternas e densas dunas.
E essa ilha tem árvores repletas de brisas que já não se deixam invadir pelos ventos tempestuosos de pessoas que nos querem devastar o corpo e a alma. E essa ilha tem um farol, não para que me encontrem nela, mas para que eu nunca me perca dela, da sua paz, da sua conciliação com o universo que a compõe. 
E essa ilha tem um cais ansioso por me receber, por me aconchegar em braços de mar, em beijos de terra, em sorrisos de céu. E essa ilha tem silêncio, como se fosse um vulcão que engoliu todas as palavras, por serem demasiado agrestes e deixou no ar não uma sensação de  vazio mas antes de plenitude. 
E essa ilha tem um segredo, uma paisagem interior que guarda, que é, quem sabe, o seu paraíso secreto.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A Obra

Toda a obra é imperfeita.
Toda a obra nasce por fazer.
Quando a curiosidade espreita,
Um olhar que quer nascer.

Coisa que ganha forma,
Coisa que ganha sentido.
Molde que a desenforma,
Limite por vezes sofrido.

Asas, precisa de asas,
Não só para poder voar.
Asas, desenhem-lhe asas,
Para conseguir sonhar.

Depois quando for velhinha,
Obra tosca e inacabada.
Que o seja, mesmo sozinha,
E na sua imperfeição amada.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Post.it: O desencantamento do Natal

O que fica do Natal? Por vezes pouco mais que caixas de cartão rasgadas, de papéis coloridos estilhaçados, de brinquedos velhos deitados para a rua porque os novos tomaram o seu lugar. As luzes das ruas que se apagam, o pinheiro arrancado da terra jaz sem raízes tombado nos recantos da cidade. As pessoas voltaram a olhar apenas para o caminho e já não uns para os outros.
O Natal acabou, temo mesmo dizer que em alguns lares, em algumas vidas Ele simplesmente não aconteceu, porque embora tenham cumprido o seu ritual de compras, de troca de prendas, ou enfeitar da casa e da mesa, não receberam nos seus corações. Limitaram-se a “ir na onda”, a procurar satisfazer vontades próprias. Foi apenas uma festa, à qual faltou o festejado. A história de um menino que nasceu em Belém, torna-se longínqua, ténue na lembrança, coisas de criança, dizem. Agora é mais o Pai Natal e todos sabem que ele não existe, que não desce da chaminé nem recompensa os meninos bem comportados. E depois, já nem somos meninos, somos adultos, temos deveres, muitos, cada vez mais deveres. Sufocamos nos impostos, perdemos-nos nas burocracias, consumimos-nos nas rotinas de um ano inteiro e depois chega a um dia em que é Natal e querem, ou melhor esperam de nós, que sejamos apenas humanos, que revelemos a verdade do que somos, a criança que ensinámos a não chorar, a lutar para vencer e conquistar o seu lugar ao sol.
Não é fácil, tentamos, despimos cada camada defensora com que vestimos os dias, com que revestimos de apatia os meses e revelamos pouco a pouco, com receio de cada olhar mais crítico, a nossa alma pura e ainda crente na humanidade, sociável, solidária, tolerante, generosa, capaz de erguer presépios em cada lar, de aquecer com amor as palhinhas de um menino que embalamos e que nos embala o coração. 
Porque apesar desencantamento do Natal, do consumismo, da tecnologia, da cibernética, etc, etc., algures em nós há um Natal ansioso por nos nascer e se manifestar, na maior parte das vezes só surge em Dezembro, mas a história está replecta de Natais que acontecem quando menos se espera, quando alguém sorri para o outro, quando lhe estende a mão, quando partilha a sua sorte com quem não a tem. Heróis do nosso tempo, Pais Natais que nos chegam sem ser de trenó, Menino Jesus que se aconchega dentro de nós para se revelar na ocasião em que mais seja necessário e nem sequer precisa de ser Dezembro, basta apenas que seja Natal em qualquer momento do ano.