segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Desejos para 2020


Que o Ano Novo nos traga a força necessária para corrermos atrás dos nossos objectivos.

Que o Ano Velho se torne apenas uma lembrança e o Ano Novo a concretização da nossa esperança.

Que continuemos a cultivar bons sentimentos e perseguindo os sonhos que ainda não foram alcançados.

Que sejamos felizes desde o primeiro ao último dia repetindo o mesmo no ano  seguinte.

Que neste Novo Ano os nossos sonhos sejam tão grandes quanto a vontade de os realizar.

Vamos deixar no Ano Velho tudo o que de mau nos aconteceu e levar para o Ano Novo apenas a vontade  de conquistar coisas boas.

Que façamos das próximas 365 páginas da nossa vida um livro que sempre tenhamos prazer em reler.

Jamais haverá Ano Novo se continuarmos a repetir os erros dos anos velhos.

Que o Ano Novo tenha a dose certa de:

Esperança, perseverança, ousadia e de alegria.



segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Não adianta


Não adianta querer,
Que o sol esteja triste,
Ou na nuvem esconder,
A dor que em ti persiste.

Não adianta,
O vento vai soprar,
O sol vai brilhar,
Não fiques parada,
À mágoa agarrada.

Não adianta,
Querer esquecer,
Não adianta,
Lembrar,
Não adianta,
Sofrer,
nem chorar.

Deixa o coração,
Navegar,
Deixa a recordação,
Se apagar.

Deixa a vida,
Caminhar,
Deixa a ferida,
Sarar.


terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Post.it: Sem asas


Quando nos tiram o chão ficamos sem poder caminhar, em redor surge como que um nevoeiro, não daqueles que nos aconchega mas o outro, aquele, quase tenebroso, que nos isola de tudo o resto. Que nos deixa numa margem distante de tudo o resto, como se já não pertencêssemos ali.
Procuramos desesperadamente o nosso lugar no  conforto  do passado esse tempo em que tudo nos era perfeito, os risos, os olhares, a vontade de realizar sonhos mesmo que acordássemos a meio deles e nunca os concretizássemos, nada nos demovia havia sempre outros para construirmos.
Era o futuro a chamar por nós, era cada amanhã, fonte inesgotável de energia onde tudo nos parecia eterno. Podíamos gastar, esbanjar sem receios, sentíamos que tudo em nós se renovava mais forte, mais rico de esperança.
 Quando foi que tudo foi que tudo isso mudou, que a fonte da juventude secou, que nos roubaram os sonhos, que nos aniquilaram as quimeras, que nos secaram as primaveras antes de florir, quando foi que as andorinhas escolheram outros rumos e deixaram de nos visitar.
 Quando é que as ondas deixaram de nos banhar e as dunas se tornaram cidades à beira mar. Quando foi que o farol se apagou, que a gaivota se silenciou.
São as fases de uma vida feita de socalcos, feita de ventos, tormentos, doces momentos, alguns lamentos. Somos nós, atando e desatando os confusos e intrincados nós de cada dia para conseguir por fim descansar nos braços da noite. Precisamos de nos encontrar, algures, onde estejamos, perdidos que estamos da criança que fomos. Precisamos de voltar a sorrir, voltar a acreditar, voltar a sonhar.  Talvez ainda não seja hoje, nem amanhã, desde que continue a haver muitos amanhãs solarengos dentro de nós, um dia as andorinhas hão-de voltar.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Post.it: Pouco o bastante


A cada pouco vou agradecendo.
A cada gota de chuva que cai descendo a vidraça da janela.
A cada raio de sol que me entra de mansinho no quarto ainda adormecido da manhã.
O tic tac sonolento do relógio pendurado na parede solitária e branca.
Um que vai tentando encontrar o  compasso do meu coração, corre para o apanhar, mas é ultrapassado pelo galope de uma pradaria imaginária.
Cada vez que me levanto e caminho, os meus passos desenham estranhos destinos, gratos por cada pé que ante pé e outro que lhe sucede.
Ou quando abro os olhos e vejo o meu pequeno universo espacial cuja dimensão é irrelevante, tem o tamanho ideal de um abraço, tem a proporção ideal quase perfeita de um aconchego.
De repente tudo ganha um novo sentido, o que era pouco parece-me tanto, ou pelo menos, o bastante para existir e ser suficientemente feliz.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Post.it: Volta


Volta, sim volta, espero-te há mil anos de esperança. Preciso de te reencontrar, de rever o teu sorriso desenhando no rosto consternado do tempo a pessoa que conhecia.
Preciso de voltar a escutar as palavras amáveis que sempre tinhas para oferecer. As ideias que te floriam o olhar. Volta, ainda recordo os teus passos dançantes, parecias ensaiar um bailado com músicas que só tu ouvias, mas imagino pela leveza dos gestos, pela coreografia das formas, que eram belas. Mas inaudíveis para quem não tem a virtude de viver os sonhos de olhos abertos, de os encontrar em cada recanto escuro porque transporta consigo uma luz que lhe é própria.
Volta, porque o ar precisa de ser respirado por tal volúpia, para se deleitar na quase embriaguez dos sentidos quando todos eles confluem no mesmo caminho doce e terno  da felicidade.
Porque sim, era feliz, e sabia-o e sentia-o e viva-o dessa maneira. E agarrava-me a ela, antes que a felicidade fosse uma ave de asas abertas em busca do vento para voar. E voou... Se ao menos fosse uma  andorinha…
 Dizem que parte mas regressa sempre. Talvez, haja uma espera que não seja infinita, talvez exista um horizonte que conheça o caminho de retorno. Continuo a pedir volta, volta vida. Tal como eras, com te vivia, volta…



segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Post.It: O medo

Hesito, temo dar aquele passo, porquê? Porque há uma consequência, já não se pode voltar para trás,  mudar o caminho. É um corte, uma decisão, um acto que pode mudar tudo, que pode ser um final ou um começo. Pode ser para melhor, se assim fosse, não temeria, iria a correr, ganharia asas, voaria. Mas pode ser para pior, então quero recuar, quero fugir, refugiar-me um abraço, dizer não! Primeiro num sussurro, depois a plenos pulmões.
Mas que sei eu. Temo,  tremo, calo, avanço para o cadafalso desta vida cheia de horizontes desconhecidos, de pequenas mortes, porque sim, morremos por dentro cada vez que decidimos isto e não aquilo.
Há um buraco no estômago, um suor frio que nos desce do rosto, as palavras que querem sair mas sucumbem antes mesmo de nascer. Sento-me no canto mas distante como se me quisesse esconder, talvez se esqueçam de mim e decidam por mim e depois não ponham as culpas se der errado, chamem-me cobarde, aceito as minhas fragilidades, tenho mais dificuldades em aceitar os meus medos. 
Mas às vezes é preciso coragem para sentir medo, quando o medo é apenas uma forma aprendermos a pensar e repensar sem agir de forma irresponsável para mais tarde nos arrependermos. O medo pode limitar-nos, pode conter-nos, pode magoar-nos. O medo pode doer-nos sem causar ferida. Pode ser um abraço aconchegante ou um enleio que nos sufoca depende de nós como o olhamos, como o recebemos, como o ouvimos. Se tivermos medo, convém hesitar, mas nunca devemos deixar de caminhar, mesmo que tenhamos medo de o fazer. “Coragem não é não ter medo, mas de agir apesar de o ter.”


terça-feira, 12 de novembro de 2019

Post.it: Gotas de esperança

Chove no seu olhar, uma ausência e muitas despedidas. É como chuva de Verão, não por ser refrescante mas por chegar fora de época. Quando acreditamos que tudo vai correr bem, que podemos entregar a alma ao merecido repouso, depois de um Inverno rigoroso, do frio, dos vendavais, do calor que se construía, com ramos secos duma árvore a que arrancámos a imponência, a solidez. 
Chove no seu olhar que me habituei a ver reluzente, como um sol que brilha mesmo que o céu desabe sobre a terra, criando rios, arrastando sonhos desenhados na areia da praia. Um sorriso embaraçado aflora nos seus lábios que sempre conheci cheios de beijos, para o amor, para os amigos, para os filhos e para tantos outros a quem não negava esse gesto de espontânea ternura.

Pergunto-me: quem, quando, como, alguém pôde ser a causa desse desespero, dessa mágoa. Esse olhar, sempre tão solidário, tão amigo. Esse olhar que não se deve magoar nem com uma pena de gaivota.
Numa voz magoada que lhe desconheço, ouço um murmurar que tenta ter firmeza, que tenta ser de ânimo: 
- Não ligues para as minhas lágrimas, são gotas de esperança.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Post.it: Perco-me

Tudo o que sou é nada, que tu transformas em algo de bom. E eu sendo tu, sou tão maior, sou tão melhor. Completa no existir, inteira no ser.
Tudo o que era: caminho que se derramava. Que se estreitava, que se perdia. Deserto por onde caminhava em busca dum oásis, mas sem esperança sequer de o vislumbrar.
 Tudo o que fui em esquecimento se transformou. Para quê ler as folhas escritas por outro batimento, um compasso que não tinha eco.
Tudo o que serei agora é contínua descoberta,  feita de dias, de luminosidades, de tonalidades, de sons partilhados, vividos em consonância perfeita com os hemisférios.
 Tudo o que sou,  esse nada, que renasceu da espuma do mar, cresceu em onda, foi maré, quem sabe um dia mar, oceano onde possa desenhar abraços por toda a  amplitude terrestre.
Tudo o que sou é sombra diluída dos dias que contigo hei-de construir. 
Mas tudo isto é o sonho, uma voz quase inaudível de esperança, resquício de um luar que a manhã resgatou ao primeiro raio de sol, tudo é bom quando vem a seu tempo e nos permite vive-lo na sua plenitude. Quando uma lágrima não nos vem roubar o sorriso, quando uma dor não nos vem roubar o ânimo, quando tu, cujo nome pronuncio com receio de o profanar de egoístas desejos, chegas e te sentas a meu lado. Escuso-me de te pedir que fiques, que me ouças, que me entendas, quando sou eu, unicamente eu,  que me perco demasiadas vezes dos teus passos.


segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Post.it: As mudanças

Quando fazemos mudanças de casa há sempre muito por arrumar, por deitar fora. Coisas que escolhemos  levar, coisas  que  excluímos, afinal,  sem  nos  darmos conta, ao  longo dos anos fomos  acumulando  tralha  que agora não  nos  serve  para  nada,  outras já tiveram o seu uso avariaram  mas  por  uma  questão  de valor  emocional  guardamos, quem sabe um dia ainda terá arranjo.
É o bom das mudanças, esta arrumação, esta selecção, sobretudo quando é feita por nós, com tempo, com consciência, com vontade de lhes dizer adeus, com vontade de recomeçar.
Mas há mudanças que nos impõem, que não queremos, que nos são dolorosas porque nos impedem de despedir de um tempo passado e nos obrigam a encarar sem preparação um tempo futuro. Mudanças onde não nos deixam levar as coisas que nos aconchegam, objectos que nos trazem gratas memórias, um pouco da nossa história aqui para ter continuidade ali.
Não sabemos bem o que sentir, reclamar, agarrar e defender o nosso (urso de pelúcia)? Não!. Somos pessoas crescidas aprendemos a conter as nossas mágoas, a transformá-las em aprendizagem e a vida ensina-nos que podemos levar todas a nossas coisas, que ninguém nos pode impedir de as levarmos connosco se as guardarmos bem aconchegadinhas num lugar bem seguro, o coração.
Aí, cabem todos os objectos que gostamos, todas as plantas que cuidamos, todos os livros, quadros, fotos, tudo, mas mesmo tudo. Mesmo que sejam velhos, que estejam estragados, mesmo que não estejam de acordo com a decoração do novo espaço. O coração não escolhe modas, idades, raças, credos, estatutos, simplesmente não escolhe, ele só sabe generosamente e humildemente, amar.





terça-feira, 15 de outubro de 2019

Post.it: Efémeras viagens

Por vezes somos como navios a navegar pelos mares da vida. Lutando contra os vendavais, rasgando as velas, partindo a quilha, perdendo o leme. Seguimos um rumo sem rumo como se fossemos despojos da cada uma das nossas batalhas. Ofuscam-nos, seduzem-nos aqueles barcos, de proa erguida. Vaidosos iates, imponentes veleiros. Parecem tão sólidos na sua majestosa fortaleza, na sua imagem de grandeza.
Mas também o era o Titanic e afundou-se. Dizem os sussurros da cobiça que se afogou na sua presunção, sucumbiu na sua ostentação.
Ergo os remos, sem fazer juízos, afinal, todos navegamos nas mesmas águas. Que nos embalam ou que nos afundam. Revelando a vulnerabilidade do nosso existir.
Que importa a dimensão, se é navio, bote ou apenas uma periclitante jangada, se todos os corações são de tamanho igual? Resta saber se guardam a fiabilidade de um mesmo sentir.
Que importa a imagem de magnificência, o fausto que nos pode inebriar, se lá dentro for minúscula a capacidade de se dar aos outros em generosidade e tolerância.
Deixemos-nos de sonhos, estendamos redes de amizade por esse vasto oceano para lhe pacificar as águas e curar as mágoas. 
Deixemos-nos de arrogâncias e snobismos que não tornam o caminho mais fácil de ser navegado. Por vezes é preciso parar, lançar âncora num cais que há tanto nos espera depois de nos ter visto partir para as nossas sempre efémeras viagens.


segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Post.it: Viemos

Todos passámos pelos lugares, pelos olhares, pelos rios, mares, por montanhas e planícies. Nem todos ficámos neles o tempo suficiente para ali deixarmos raízes, nem todos criámos recordações, marcas do que fomos, do que fizemos, da nossa missão. 
Pegadas de areia na fina da praia que o mar levou para os oceanos como forma de nos homenagear ou simplesmente para apaga e dessa forma, esquecer a incerteza desse caminhar.
Viemos para plantar árvores e não para as derrubar.
Viemos para regar as flores e não para as arrancar do jardim.
Viemos para espalhar amor e não para causar dor.
Viemos para apreciar as marés e não para lhes lançar detritos.
Viemos para  arar os campos e não para derramar sangue neles.
Viemos para navegar nos rios e não para lhes estreitar as margens.
Viemos para apreciar o céu e não para lançar-lhes gases tóxicos.
Viemos para respirar o ar e não para o sufocar.
Viemos para criar vida e não para a matar.
Todos os que aqui estamos, passamos, mas que nesse passar
 deixemos algo de bom para a humanidade recordar e o futuro herdar…



terça-feira, 1 de outubro de 2019

Post.it: A cor do tempo que passa

O tempo tem cor, a cor do nosso sentir. Tem tons claros quando é um tempo feliz, tem tons escuros quando o sentimos pesarosamente infeliz. Mas e o tempo, aquele que nos foge? Aquele que parte de nós com asas de vento e quase só nos deixa um aroma de saudade? Que cor tem o tempo que foge? 
Imagino-o cor-de-rosa, um colorido cada vez mais fantasiado porque a memória o vai esquecendo nos factos concretos mas enriquecendo na composição dos detalhes. E nesse tempo que nos foge passa a haver todas as cores num arco-íris onde cada história da nossa vida mesmo até aquelas mais tristes ganham contornos de sorrisos que substituem as lágrimas, ganham laivos de ternura apagando de vez todo e qualquer resquício de mágoa. 
Porque o tempo, afinal não foge, apenas segue nas suas curvas e regressa para nós mais bonito do que quando partiu, aprendeu a valorizar cada momento, a apreciar cada instante, a enaltecer o que há de bom e a esquecer o resto. Assim em vez de nos entristecermos pelo tempo que foge devemos aprender celebrar cada tempo que chega oferecendo-nos toda uma renovada palete de cores primaveris mesmo que seja outono ou inverno.


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Post.it: Da Lapa para o Bairro Alto

Os nossos caminhos são linhas que nos fazem subir, descer, virar à esquerda ou à direita, queremos, mas não somos, senhores do nosso destino. E o meu destino encaminhou-me para novos caminhos. Deixei os lugares amplos e serenos da Lapa e mergulhei, a medo confesso, porque sempre as multidões me causaram algum receio, no Bairro Alto. O primeiro dia foi um baptizado de gente que subia e descia a rua, que vinha de todas as direções para outras tantas, com passos apressados, olhares esfomeados, queriam ver tudo, ouvir, fotografar, fotografar-se, e eu, pobre peão errante, desviava-me de um lado para o outro sentindo-me sempre inoportuna em qualquer sitio onde estivesse, em boa verdade, só queria uma sombra para me abrigar do sol e um banco onde descansar os passos. Claro que estava tudo ocupado, invadido de sons que me chegavam aos ouvidos misturados e sem nexo. Tentei acelerar o passo, fugir dali, encontrar um espaço mais amplo, mais verde e sossegado. Só pensava, “Lapa, minha Lapa, que saudades do Tejo que te banha…”
Quando uma voz me fez levantar o olhar da estreita calçada, “Aqui nós é que tenemos prioridad”. Apeteceu-me sorrir, alguém queria pôr ordem naquele caos  e estabelecer quem devia ir por fora ou por dentro do passeio. De repente percebi que independentemente do lugar onde se está, das pessoas que estão à nossa volta, somos nós tal como estamos e somos que marcamos a diferença, não nos outros, mas na forma como olhamos e sentimos o que nos rodeia. Aqui é preciso estabelecer a “prioridad”, e essa prioridade somos nós enquanto pessoas, pela forma como tocamos e nos deixamos tocar, com um olhar, com uma palavra, com um silêncio… 
Não vale a pena olhar para trás, a Lapa continua lá, no seu sossego, mas o meu lugar agora é aqui neste desassossego onde vou ter de encontrar, nem que seja unicamente em mim, um recanto de paz.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Post.it: O poente dos dias

Gosto das manhãs quando ainda tudo é novo, ainda tudo cheira a começo, a único, quando os sons ainda são de ténues silêncios, quando o tempo ainda não se mede em horas mas em vagas de azul. E mesmo no mês mais quente, no dia mais escaldante, a manhã tem sempre gotas de água humedecendo os extensos prados onde dentro em breve os rebanhos vão pastar. Apetece caminhar descalça e refrescar os pés naquela contrastante humidade, apetece abraçar cada árvore e retirar desse abraço a ternura de natureza tão generosa de cores e de perfumes.
Depois há uma parte do dia em que tudo parece parar, convida-nos a embalar os sentidos, a procurar refúgios para que os sonhos possam abrir as asas e voar. Nem os pássaros se atrevem a sair do ninho, nem os coelhos da toca, está calor, demasiado calor nas terras alentejanas, nem viva alma se vê, nem um silvo se ouve.
Quando a orla da tarde desenha uma sombra na alvura da paredes caiadas. O corpo oferece à dolência um instante de abandono. Porque o caminho de tão quente faz transpirar o alcatrão. Respira-se devagar, um ar que abafa os pulmões. Só os olhos ainda se agitam, ávidos de paisagem, como quem quer beber toda a beleza daquele extenso oásis.
Por fim a  noite já se avizinha, vem sem pressa de chegar, não quis ser trazida pelo vento, preferiu a leve brisa que desliza no tempo  devagar, para apreciar a viagem. Para chegar, naquela hora “dos mágicos cansaços” quando o sol já desfalece em admiração na orla do horizonte, quando quase esmorecendo encontra um último fôlego para deixar na linha do espaço um leve beijo com que recebe a serenidade da noite enquanto o dia já parte no ocaso da vida.


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Post.it: Cedo demais para saudosismos

Não te prendas de tal forma ao passado que te impeça de voar
Não dês asas ao futuro de tal forma que não consigas ter os pés assentes na terra.
É preciso acreditar que a semente que deitamos hoje na terra germina e será uma árvore sólida num amanhã.
É preciso acreditar que mesmo que existam dificuldades, haverá dias mais fáceis em que o sol nos revelará o seu sorriso.
Precisamos acreditar, precisamos ter esperança, precisamos de encontrar seja onde for a força anímica dos nossos passos.
Sei disso, sei-o cada vez mais, quando os problemas me toldam o raciocínio e me roubam as energias necessárias a cada gesto, a cada função do meu dia a dia. Sei-o, quando  a saúde escasseia, quando quase me derrota.
Agarro-me ao passado, como eu era, a alegria, a juventude, a dança primaveril que desconhecia as agruras de cada estação. Estendo os braços para o futuro, esse laço fugidio que qual criança irreverente parece teimar em não se deixar aprisionar.
Ainda é cedo para saudosismos, dizem-me.
Já é tarde para grandes devaneios. 
Mas a verdade é que nunca é cedo para o que é tarde nem tarde para o que é cedo, temos que ser como somos, deixar-nos ir por essa maré em que somos marinheiros de primeira viagem. Aportarmos nos cais do nosso querer, e  por lá fixamos as ancoras de uma felicidade que quem sabe, se a corrente nos for de feição, haverá dias em que nos navegue.


segunda-feira, 29 de julho de 2019

Quantos...

Quantas madrugadas existem numa vida.
Quantas vezes o sol nos ilumina o rosto.
Quantas horas marcam o nosso caminho.
Quantos caminhos fazem o nosso destino.
Quantos sonhos sonhados de olhos abertos.
Quantos amores plantados em corações 
desertos.
Quantas flores a primavera nos
oferece.
Quantas vezes o luar nos embala e
adormece.
Quantas alegrias superam as  tristezas.
Quantas janelas são abertas, e portas fechadas.
Quantas são as quedas de que nos levantámos.
Quantas palavras de esperança nos são dadas.
Quantas vidas vimos nascer, crescer, morrer.
Quantos passos desenham a nossa estrada.
Quantas ondas já contámos no mar.
Quantas estrelas perdemos olhando o céu.

Neste infinito de  muitos quantos
que na vida sempre  conheceremos.
Que poucos sejam os lamentos,
E muitos sejam os encantos...

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Post.it: Estranha pessoa

Estranha pessoa eu, neste diálogo interior. Estranha pessoa, porque estou aqui e não me sinto aqui enquanto eu. 

Poderia ser outra pessoa, deveria, queria, desejaria, precisava… 
Não por um mero capricho como quem quer ter aquele brinquedo, ter o corpo elegante daquele modelo ou ainda ter a vida milionária daquela pessoa.
 Mas como quem vive num corpo que não é o seu, que não se encaixa, que não se sente bem nessa pele, que se olha e não se sente a pessoa que vê. 
Esse sorriso que lhe sorri é-lhe estranho, essa mão que lhe toca não lhe parece sua. E, depois a minha história, a minha memória, poderia ser outra, tantas outras, diferentes, belas, brilhantes, cheias de altruísmo, de aventura.
Estranha pessoa, eu, alma no meu corpo, tento assim explicar este desconforto, sem sequer saber se tenho alma, ainda nenhum cientista provou a sua existência e onde ela se aloja, dizem os poetas que nos entra na primeira inspiração quando nascemos e sai de nós no último suspiro quando morremos. 
Estranha pessoas, eu, em que há dias assim em que precisamos aprender a amar-nos, a aceitar-nos, porque tudo nos parece estranho, crescemos de repente, envelhecemos rápido demais, não ouve tempo para sentir a mudança. E um dia damos por nós a perguntar para onde fomos que não mais nos encontrámos.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Post.it: Linhas tortas

Os nossos caminhos parecem linhas, umas sobem, outras descem, retas ou cheias de curvas. Há momentos em que mais nos parecem um emaranhado de fios, e nós, como marionetas precisamos que esses fios nos digam que movimento fazer a seguir, que passo dar depois do passo dado. Ansiamos por liberdade, mas sentimos-nos incapazes de cortar as linhas que nos conduzem pela vida a fora, conduzir nós próprios o nosso destino parece fácil, mas revela-se difícil.
Há linhas que são tramadas desabafam uns. Há linhas que nos tramam, constatam outros. São as linhas tortas desta vida, declaram outros ainda, aceitando os seus desígnios.
E nós, tal como crianças lá vamos palmilhando a vida,  pé ante pé, passo a passo, tentando endireitar as linhas tortas do nosso destino. Quem sabe um dia descubramos a fórmula mágica de desenlear essas linhas, de as endireitar. Será preciso uma grande capacidade de paciência, uma pitada de perseverança, muita atenção e sobretudo uma grande dose de sorte, essa sorte que torna tudo mais fácil, que desmancha os nós de cada dia, que endireita o mais torto fado a que cada um está fadado. 
Também é verdade que muitas vezes testamos os limites, que enviesamos as  linhas para prolongar o prazer da viagem, porque se é verdade que a reta é a distância mais curta entre dois pontos, porque não ir em diagonal e entortar o momento só para quebrar a monotonia, tudo o que é certinho cansa, um pouco de desarrumação até dá estilo. Já agora, why not?


segunda-feira, 8 de julho de 2019

Sentimento exacto

É preciso dar o devido
valor ao núcleo do problema.
Para que este  seja resolvido
sem ficar marcas de dilema.
Não há ciência exacta
para os intuitos do coração.
Porque só a voz da Razão
é que põe fim e  desata
o complicado nó da questão.
Quando um e um não dá dois.
Alguém que tome uma decisão.
Sem a deixar para depois.
Mas quando se fala de amor,
O sofrimento que nos espera.
É como se o arrancar duma flor,
Matasse toda cor da primavera.




sexta-feira, 5 de julho de 2019

Post.it: As memórias

Não devemos (agarrarmos-nos) às coisas, nem às pessoas; estamos só de passagem… Esta vida é um mero aceno e, entre o olá e o adeus é um ápice. No entanto, são anos, por vezes vários anos, nunca diremos (muitos), de estar aqui, de estarmos juntos.
De repente, há uma porta que se fecha, um coração que se sente pequenino de tão apertado, de tão assustado. E verdade que outra porta se abre, cheia de oportunidades e promessas, mas… ai a saudade que nos sufoca o olhar, que nos estrangula as palavras, que nos inunda de dúvidas o pensamento. Ai a saudade, que nos faz esquecer os dias escuros e só nos deixa recordar aqueles em que o sol brilhou.
Porquê? Questionamos, que tinham aquelas paredes de pedra e cimento para nos deixar tão doce e profundo sentimento? Tinham tudo, abrigavam pessoas, algumas que nos ficam cravadas na alma como que fazendo parte dela. Momentos, tantos, todos, até os que nos magoaram, davam asas aos sonhos mesmo até aos que nunca concretizámos.
Passei naquela casa mais tempo do que nesta, onde moro. Deixei ali muito do que fui e aquilo que hoje sou, por entre os seus recantos ainda ouço a voz dos que partiram, ainda sinto os seus passos subindo e descendo as amplas escadarias. Cada janela, tem um olhar que ainda espreita para os telhados de Lisboa, para os jardins onde saltitam os melros, onde debicam os pardais.
Na minha janela ainda encontro vestígios dos beijos que os passarinhos deixaram quando, teimavam em espreitar. Outros, mais persistentes vinham dar pancadinhas no vidro. Eles queriam entrar, eu, quantas e quantas vezes, desejei sair, para voar com eles.
Não devemos agarrar-nos ao tempo que passa, às memórias, mas que somos nós sem elas, um mero corpo vazio que perdeu ao longo do tempo a essência do que é viver. O passado é algo que construímos, não podemos simplesmente virar-lhe as costas e seguir em frente. Até porque um dia,  teremos mais passado para contar do que futuro para construir.
Queremos guardar tudo na memória, aquela casa, cada recanto, cada degrau, cada pessoa que lá morava, que lá trabalhava; aquela rua, cada esquina, cada pedra da calçada; os vizinhos, inclusive, os que vimos quase nascer, crescer, casar, partir para as suas vidas, longe das nossas.
Não se iludam, não estou parada no tempo, gosto de mudanças, de coisas novas, mas continuo a gostar simultaneamente das antigas. Porque, na verdade, nunca gostei de fechar portas, prefiro, abrir janelas para se tiver de partir, saber que está ali, sempre que queira lá voltar…




terça-feira, 2 de julho de 2019

Post.it: Não rasguem a mensagem

Se não querem ler estas palavras, se não as querem ver,  então, não as pisem,  porque são estrelas, que mesmo não estando no céu do horizonte, querem brilhar, um pouco que seja, no vosso olhar.
Se não conseguem sentir as frases, não as esmaguem, são escadas que apenas vos querem ajudar na vossa subida. Que anseiam por vos transportar para bem alto, lá onde a fantasia e a realidade se confundem.
Se não conseguem entender a mensagem, não a rasguem, não lhes fechem as páginas, não as condenem à escuridão de uma gaveta, elas são caminho, um percurso que gostaria de percorrer convosco. 
Não por ter grande generosidade ou possuir sábia filosofia, nem talvez tenha algo importante para vos oferecer, mas porque sei que cada um de vós me enobrece o coração. E enriquece o meu ser.  Partilho-me porque só assim me sinto mais inteira.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

S. Pedro

São Pedro porteiro do além,
Hoje  és o Santo desta festarola,
Para não pensar que há sempre alguém,
Querendo meter o alheio na sua sacola.

Chamam-lhes nomes todos pomposos,
Para não perceberem as roubalheiras,
Que todos vão aos nossos bolsos,
Com falsa simpatia e boas maneiras.

Nem os Santos nos conseguem ajudar,
Aderiram à greve e pedem aumento,
De tempo para conseguirem descansar,
E festejar o seu especial momento.



segunda-feira, 24 de junho de 2019

S. João

Vem até Lisboa S. João,
Junta-te à festa da cidade,
Une cada enamorado coração,
Sem que haja distância ou idade.

Dos martelinhos não te podes esquecer,
Que há quem só com a marteladinha,
Consegue talvez em juízo crescer,
E fazer a geringonça entrar na linha.

Quem sabe até o nosso presidente,
Vem à nossa festa e entra na dança,
Se não paga imposto ser contente, 
Vou fingir que hoje sou uma criança.


sexta-feira, 21 de junho de 2019

Post.it: A vizinha Eugénia

Vou falar-vos da Eugénia, uma vizinha da minha rua, uma rua pequena, quase todas as pessoas se conhecem e sabem as histórias de vida umas das outras, não por coscuvilhice mas por partilha, por solidariedade e em muitos casos, por amizade.
Conhecia a Eugénia, mulher sólida, robusta, de gargalhada espontânea. Era a alegria em pessoa, casada de fresco, um projecto de vida bem delineado, uma filha recém-nascida. Eugénia era o rosto da felicidade.
Mas sem aviso prévio tudo se desmoronou, uma doença invadiu-a silenciosamente. Amputaram-lhe uma perna,  perdeu a gargalhada, perdeu a solidez, perdeu a vontade. O marido que lhe tinha jurado amá-la na saúde e na doença partira levando consigo a filha que ainda mal aprendera a reconhecer o rosto da mãe.
O tribunal decidira que ela não tinha condições para criar um criança, já que não tinha  emprego. Nunca trabalhara, dedicara-se ao lar, ao marido e ao papel de mãe. Eugénia repetia  cabisbaixa num fio de voz, “amputaram-me a vida”.
Reencontrei-a, passados muitos anos, foi um encontro feliz, daqueles que nos faz sentir a alma rejubilante, Eugénia voltou a ser uma mulher sólida e de gargalhada presente, sorri, chora e ri emocionada, “vou ser avó” conta com voz musical. Encontrou o abraço da filha, agora já mulher.
E mais, refere com um misto de orgulho e de ternura, encontrou o amor, no carinho de alguém que promete e cumpre amá-la na saúde e na doença. Que lhe enaltece cada vitória, cada obstáculo ultrapassado. 
Eugénia uma mulher como tantas outras, que lhes “amputam a felicidade” mas que têm a coragem de construir outras, muitas felicidades.


segunda-feira, 17 de junho de 2019

A nossa dor

Já que a dor vem e insiste,
Em ser em nós presente,
Que ela não me deixe triste,
Que ela não me torne diferente.

Já bem basta que a dor nos doa,
Que não nos domine a vontade,
De saber que tanto nos magoa,
E que nos rouba a liberdade.

Faz parte do humano sofrer,
Como faz parte o nascer,
A todos calha o envelhecer,
Para além do nosso querer.

A vida pode ser uma sorte,
De dados bem lançados,
Que nos venha antes da morte,
Sermos pela felicidade abençoados.

“Senhor, já que a dor é nossa,
E a fraqueza que dela tem,
Dá-nos pelo menos a força, 
De não a mostrar a ninguém.” (F. Pessoa)


sexta-feira, 14 de junho de 2019

Post.it: Feliz aniversário

Aniversários já não são como o dos 2 anos em que é mais dos outros do que nosso, o dos 5 em que começamos a viver a festa e a rasgar com avidez o papel que escondem os presentes, o dos 10 cheios de vontade de brincar, correr, saltar, voar em sonhos e estatelar-se no chão sem medos. Os 18 cheios de esperança, de quimeras, rasgar o vinculo com a infância, vestir a pele de adulto, ainda com uma vontade, quase irresistível de correr e saltar, como quem quer e não quer crescer. Os 20 de olhos brilhantes, sorrisos fascinantes, há lá aniversário como esse, é uma festa que nos acontece no peito. Ai os 30 que nos começam a pesar na consciência, vê lá se ganhas juízo, és adulta, és cidadã de plenos direitos e afogada de deveres, uns que te impõem, outros que te impões. És mulher, és mãe, tornas-te exemplo para os mais pequenos. A seguir um novo passo e chegamos aos 40, alegria, tristeza, um cocktail de dúvidas e angústias, daqui para a frente tudo será diferente, ou talvez não, mas sim, é verdade, deixamos de contar os anos, e os aniversários são penas capitais. Aproximam-se, sim, aproximam-se, cheios de pressa que não temos, são os malogrados 50, não sabemos se festejamos, se rimos se choramos. Tudo nos descai, o corpo, a pele, os cabelos escuros, o olhar sonhador olha agora unicamente para a realidade de cada dia. Em nós cresce uma batalha interna, levamos uma década nesse combate, até que cedemos sem saber-mos se ganhamos ou perdemos, desistimos, assumimos, ok, chegamos aos 60 anos e agora? Bom, agora, continuamos, ainda há muita estrada pela frente, o caminho que ficou para trás foi-nos escola e nela aprendemos a ultrapassar as dificuldades, tornarmo-nos mais fortes e se chegámos aqui foi porque vencemos a nossa guerra pela sobrevivência. Daqui para a frente, somos heróis pelo passado e pelo futuro porque se a cada queda nos levantámos, sabemos curar as feridas, sabemos cuidar de nós e partilhar o nosso conhecimento com os outros. Somos um legado, somos grandes, maiores a cada dia que passa em conhecimento, em coragem. 
Recebemos de presente a calma de quem pode apreciar o caminho, saborear, encher o olhar e levar essa luz ao coração. Somos mulheres maduras, cheias de ternura, sem guerras, voltamos a voar mas com os pés bem assentes na terra. Somos tudo aquilo que vivemos e tudo o que temos ainda por viver, paz, harmonia, felicidade, porque não?


terça-feira, 11 de junho de 2019

Manjerico de Stº António

Manjerico não dá flor,
E rapidamente esmorece,
Mas é símbolo do amor,
Quando o luar o adormece.

Tem um perfume encantado,
Tem uma frágil singeleza,
Deixa o coração enamorado,
Com a sua tão simples beleza.

Quem no Sto. António o oferecer,
Num gesto de eterno carinho,
Promete que não o vai esquecer, 
Guardando-o num belo lugarzinho.