sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Post.it: Quase Ano Novo

Depois do Natal saboreiam-se os presentes, os doces, as alegrias, as lembranças dos adultos e das crianças, até das que já fomos.
Depois do Natal, contam-se ou descontam-se os dias, as horas, entra-se em balanço, para uns de cansaço, para outros de descanso.
Os anos que se despedem de nós, os anos que se aproximam. Anos de nascimentos, de ternura, de sofrimento, anos de paixão, de compaixão, de alegria, de sonhos que se ficaram apenas pela fantasia.
Anos de lamento, ai o lamento, essa marca do tempo, esse carimbo que nos estigma o coração, mas também uma aconchegante saudade. Por momentos é uma tristeza que nos invade, uma mágoa que não nos chega a magoar, como se nos fossem águas de um mar que não nos chega a afogar.
Um lamento que não é de arrependimento mas de pena por tudo o que passou por nós e não ficou, por tudo o que não fez de nós a sua casa, esse lampejo de vento, essa promessa de brisa, aquela onda que emergiu à superfície mas que não nos navegou, a doce melodia que não nos embalou, os ternos olhos que não nos chegaram a olhar. E no entanto houve sentimentos que nos inundaram o ar em oxigénio de esperança. Empregos, realizações, projetos, ideais que não se concretizaram. Não tinha que ser, não estava escrito, não era para fazer parte do nosso destino. Acreditámos e aceitámos a derrota. Quem sabe um dia e os dias tornaram-se meses, anos, um tempo cada vez mais distante, uma memória cada vez mais ténue.
Em cada Natal relembramos tudo isso, em cada final de ano, suspiramos.
Em cada Natal de espera, de quimera, que passou ou ficou(nos). Quem sabe trouxe o que desejamos, quem sabe ouvimos a palavra certa, aquela que preencheu cada alma deserta. Entretanto o ano já termina, ou melhor, um novo ano começa, só depende de nós se os prendemos às despedidas ou se estamos plenamente abertos às chegadas. 
Seja como for, independentemente da nossa vontade, do que acaba ou do que começa, 2017 já espreita, levanta o pano, ansioso por entrar. Vem tímido como uma criança em começo de vida, espera as boas vindas, espera os abraços, deseja ser acarinhado todos os dias, cuidado todas as noites em que adormece e nos permite sonhar com um ano repleto de momentos felizes.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Post.it: Um Natal diferente

Este Natal podia ter sido diferente, desculpa, não o consegui fazer assim. Estava cansada, cansada de ver as lojas cheias e os olhares vazios. Cansada de ver pessoas a sucumbir na pobreza enquanto outros exibiam a sua riqueza. O dinheiro passando de mão em mão enquanto aquela mão estendida continuava vazia.
Mas tentei, acredita que tentei, caminhei pelas ruas e procurei nelas o sentido para um Natal que me fosse sentido dentro do peito. Abri-lhe a porta, até as janelas, arregacei as mangas, amassei as filhoses, fritei as rabanadas, virei os sonhos na frigideira, pus o bolo rei no centro da mesa e esperei por Ti. Uns dizem que Vens pela chaminé, outros que Chegas sem bater à porta, cada um tem a sua fé, respeito e rezo, como dizia uma amiga, “para o santo que estiver disponível no momento”.
Peço um Natal, limpo, puro, menos consumista mais consumido em sentimentos. A festa que seja para Ele, por Ele. E que Ele se sinta bem vindo e resida em nós por todo o ano.
Tentei que fosse realmente Natal, não consegui, confesso o meu fracasso quando olho em redor e apenas vejo amontoados de papéis e caixas de cartão, de sacos com restos, garrafas vazias espalhadas pelo chão. Vestígios de festa, sim, é verdade, mas não da Tua festa. Encontraram-se as famílias, trocaram-se prendas, rimos, cantámos melodias de Natal, comemos, bebemos, festejámos. Desejámos tudo de bom para os amigos, colegas, conhecidos.
Lembrámos a dor dos que estão distantes, dos que vivem em clima de guerra, dos que têm fome, dos que sentem dor, dos que estão doentes, mas como a mera lembrança nada resolve, optámos por esquecê-los.
Encontrei esta acusação em diversos artigos que li em jornais e revistas e jurei que este ano faria um Natal diferente, que não iria esquecer, apesar de saber que este “esquecimento”  não é por egoísmo, mas por mágoa da nossa incapacidade para fazer mais e melhor.
Acendi a televisão, quis estar lá com eles e que Ele também lá estivesse, que a Sua festa acontecesse por entre as ruínas de uma guerra perdida. O mundo que por vezes nos parece tão pequeno foi afinal grande demais para mim, que estendi os braços e não os consegui abraçar. Então tentei abraçar os que me estavam próximos, fui para a festa dos sem abrigo da Comunidade Vida e Paz, chorei ao descascar sacas de cebolas, mas ri-me pelo banho que apanhei ao lavar 90 quilos de couves e depois de várias horas de partilha voluntária, saí sentindo que, de alguma forma, dei um pouco de mim para que alguns tivessem um melhor Natal e que de uma forma ou de outra, cada um à sua maneira festejou genuinamente o renascimento do Natal em si. 
Esta é a minha história, o meu Natal, quanto à vossa, se cada um ajudou o próximo, quem sabe, tenhamos chegado mais longe, ultrapassado fronteiras, quebrado barreiras, e levado o espírito de Natal até onde ele era mais preciso.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Parabéns hoje...

Pode não haver bolo nem prendas.
Pode não haver festa nem velas.
Desde que exista a família
Desde que exista alegria
Que se tenha um lar com calor
Que more no coração o amor.

Pode não haver canção de aniversário.
Pode não haver um dia solidário.
Desde que exista sol na alma,
Desde que a saúde esteja calma.
Desde que o sorriso consiga sorrir.
E que os amigos não deixem de vir.

Pode ser apenas a celebração de um dia,
Pode partir no seguinte como maresia.
Desde que seja eterno o agora,
Desde que de ti nunca se vá embora.
Parabéns por hoje e por toda a vida,
Que ela te seja leve, feliz e divertida.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Post.it: Um lugar chamado Natal

Algures entre o céu e a terra, algures entre os pólos, na linha central, um Equador que há em nós, em todos nós. Uns libertam-no, outros aprisionam-no com receio de o revelar de tão sensível ou quem sabe, pensam que libertando-o o perdem por entre os labirintos e fronteiras humanas.
Algures nesse espaço imenso ou minúsculo existe um lugar chamado Natal. Um lugar com muitas histórias, a de cada um. Um lugar de sorrisos, de sonhos partilhados e alguns até concretizados. Histórias de lágrimas por alegria, histórias de lágrimas por tristeza.
Um lugar que cada um enfeita com as suas mais belas emoções, sensações, recordações. Um lugar tão cheio do que somos, que nos revela, que nos torna melhores, mais verdadeiros, mais inteiros no nosso querer. Não, não é um lugar de mentiras, de falsidades, de hipocrisias, quando muito, se lhe queremos apontar defeitos,  diria que é um lugar que por vezes esquecemos que nos existe no peito, que está dormindo o sono de quem espera  e acredita. Não é por isso que é menos belo, não é por isso que  nos é menos puro.
 É verdade que nem sempre sabemos como o partilhar, oferecer, então tentamos tudo, compramos sonhos embrulhados em papel colorido. Oferecemos esperança, que escolhemos criteriosamente numa loja cheia de gente. Damos amor e amizade e colocamo-los em caixinhas junto da árvore de Natal.
Coisas, apenas coisas, podem dizer, mas são muito mais do que isso, são “coisas” que desejamos dar de nós, desse lugar secreto onde cabem tantos, todos os que nos tocam no afecto, na comoção, um irmão, um amigo, um desconhecido. 
Esse lugar chamado Natal que reencontramos todos os anos no nosso caminho interior quando decidimos que afinal queremos caminhar sempre com os outros. Independentemente da data, do momento, o que importa é o lugar e esse lugar está-nos no coração.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Post.it: Uma viagem de sonho

As coisas que se podem fazer com o olhar, um simples olhar que nada tem de simples. E um universo desconhecido torna-se conhecido, entra-nos na pele e todas as células de vida se agitam. Querem dar-se, querem receber, querem estar, ficar para a eternidade daquele momento. Quanto durou? Um tempo que nos pareceu infinito e curto, o tempo de uma viagem de Lisboa ao Porto. Porque foi nessa viagem que nos conhecemos. Conhecer, palavra tão concreta nesta nossa história que nem história chegou a ser.
Olhei para ti, olhas-te para mim e ficamos parados nesse olhar. Tu estavas acompanhado, eu sozinha, como sempre nos meus “cem anos de solidão” como lhe costumo chamar. Um olhar bastou-nos, bastou-me para ser feliz. Mergulhei nele, afoguei-me, morri, renasci, sorri, quantas? Tantas vezes e abraçámo-nos, beijámo-nos, amámo-nos, tu aí sentado, 4 bancos a seguir na fila contrária, eu aqui no meu lugar perto da janela. Não sei o teu nome nem tu sabes o meu, mas o que é um nome? Define-nos? Não! Nem somos nós que o escolhemos, alguém nos coloca essa etiqueta   sem sequer saber se tinham cara de Maria ou de Ana, de José ou João. Não sei quem és, não sabes quem sou e no entanto sabemos um do outro o que importa, o nosso olhar revelou tudo, ficámos nus perante ele, sem pudores, sem medos, sem promessas que não poderemos cumprir, sem compromissos que não poderemos assumir.
Ficámos assim, nesse espécie de transe amoroso até que um estremecimento de uma travagem algo brusca nos fez afastar o olhar, lá fora o mundo, o real, concreto de vivência, chamou por nós. Tínhamos chegado ao nosso apeadeiro. Um último olhar tocou o teu e deixou-se tocar, era um adeus?
Quem sabe, até uma próxima viagem...
Tocaram-me no ombro, sobressaltei-me, era o revisor. “Chegamos à última paragem”. 
Sorri, levantei-me e agradeci, ‘desta vez a viagem foi rápida’, pensei, quando acordei do meu sonho. Sonho? Ou talvez não, porque à minha frente estavam realmente uns olhos à procura dos meus, “um, nãa, não deve ser para mim ou então ainda estou a sonhar”. Sacudi a cabeça, baixei o olhar, saí do comboio e perdi-me na multidão.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A vida já não me chega

A vida já não me chega,
Preciso de toda a eternidade.
Já a noite não me aconchega,
Se no peito cresce a saudade.

Os anos não passam, voam,
Para longe do meu caminho.
São flores que desperdiçam,
O cantar de cada passarinho.

A primavera já partiu,
Sem me criar um jardim.
O inverno alongou o frio,
Semeando neve em mim.

Resta-me a negrura da terra,
Solo em que planto a esperança.
Agora que aplaco cada guerra,
E me aconchego na lembrança.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Post.it: Cartas de amor, são ridículas

Escrevo-te, parece tão fora de moda, mas que fazer quando todos os outros meios por modernos que sejam não são tão claros, íntimos, sensíveis ao que te quero dizer.
Porque não falar contigo directamente, olhar-te nos olhos e revelar-te o que me vai no coração? Não! Que susto, só de pensar apetece-me fugir, esconder-me num recanto escuro e profundo, onde não me possas encontrar. E no entanto quero tanto estar perto de ti, ser clara, luminosa, sem pieguices, como tu costumas dizer “chega de pieguices”, tento mas de repente todas as palavras mesmo aquelas que penso, repenso, analiso ao pormenor e que não me parecem lamechas, quando as ouço a saírem-me da boca, têm esse tom que não queres ouvir, calo-me, e escrevo, no desespero de conseguir acompanhar o pensamento, o sentimento que me fazes sentir. Tão feliz, tão miseravelmente infeliz…
Porque para mim é tudo, és a minha vida, os meus dias, horas, sonhos, pensamentos, ausências, momentos, és tudo, tudo em mim.
Morro de ciúmes, não, ciúmes não, é demasiado forte, dramático, vais rir-te, vais quem sabe, fugir de mim, dos meus medos, das minhas inseguranças.
Tenho inveja, sim, é isso, tenho inveja do ar que respiras e que te preenche os pulmões, que te afaga os alvéolos, que te faz ruborizar o rosto. Tenho inveja desse frio que te entra pelas narinas e se distribui por caminhos traçados da tua anatomia. Tenho inveja, sim, confesso envergonhada, mas sim confesso. Porque na minha fantasia, patética, dirás, queria ser o sabonete que todas as manhãs te navega o corpo, que conhece cada recanto da tua pele, que inala o teu odor, que conhece o teu calor.
Escrevo-te, disparates, bem sei, que queres sou ainda menina, aprendiz nas artes do amor, anda faço esboços mal traçados enquanto tu já tens na tua vida obras de arte que exibes com orgulho de macho conquistador, não sabes, ou melhor, não queres saber da dor que me causas, quando me olhas como me dissesses, “pobre criança, vê lá se cresces” e eu tento “crescer” aliás tenho crescido, deito-me no sofá empanturro-me de bolachas e chocolates que me alimentam o ego magoado.
Resta-me esta carta, que escrevo com medo de escrever. Com receio de me revelar. Com medo de que ainda não tenha “crescido” o suficiente para ti, que não chegue a ser  amada como já amaste outras. Vou dar-te a carta e pedir em silêncio, “lê-me, lê-me de imediato, agora, não esperes, não me faças esperar! Não, não leias! Rasga a carta, rasga-me o peito, os sonhos. Esquece que te escrevi, esquece que gostei de ti, esquece que existo. Ou melhor que não existo para ti, que me vês sem ver, que me ouves sem perceberes as palavras que te digo por entre aquelas que escutas sem entender nelas uma só silaba da minha vontade”. 
Escrevo, continuo a escrever, hoje e talvez para sempre, agora, com uma estranha alegria. Agora com uma doce felicidade, decidi que não te vou amar nunca mais! Não  vou pelo menos dizer-te. Decidi, aliás, que não te vou dar esta carta, porque é demasiado ridícula, não é? Não, não respondas. Prefiro saber que sim mas, acreditar que não.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Tive

Tive asas,
Mas não me deixaram voar.
Tive casas,
Onde não me deixaram morar.

Tive sonhos,
Que não se tornaram realidade.
Tive olhos,
Que se encheram de saudade.

Tive amigos,
Quase todos já partiram.
Tive inimigos,
Esses, por mais tempo ficaram.

Tive tudo,
Pensei que não tinha nada.
Porque queria o mundo,
E apenas tive a estrada.

Mas nela estava o caminho,
Que me trouxe a este lugar.
Aqui, onde o terno carinho, 
Parecia estar a me esperar.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Post.it: Olhando para trás

Há sempre os que nos esquecem. Há sempre os que como nós, esperam e de tanto esperar, já fizeram da sua vida, ausência e esquecimento. Doloroso no início, suavizando-se com o passar do tempo. Houve até momentos de lamento, de revolta, de culpa inocente. Exigimos o direito a ser feliz. Uma felicidade que julgamos estar no outro. Com ele a felicidade chegou, sem ele, a felicidade partiu.
Já dizia a sua avó, “depois do encanto fica o pranto”, e ela ria-se garantindo, “comigo nunca será assim, nunca hei-de ficar à espera”. Nunca hei-de perder “esse alguém”, em boa verdade, esse coração intrépido e rebelde como se quer nos verdes anos, não achava possível vir a conhecer tão maravilhoso, doloroso, grandioso, fantasioso, (preferia assim supor), sentimento.
Os pais riam-se da “santa” ingenuidade, os avós passavam-lhe a mão pelo rosto “ai criança, era bom que assim continuasses, mas há-de chegar o dia… Chega sempre, para quem o procura e para quem dele foge”.
Tinham razão, como não havia de não se  apaixonar se por tudo era uma apaixonada, nas descobertas da vida. Coisas da juventude, talvez, mas o tempo passou e continua a fazer tudo com paixão. A entregar o corpo, a alma, o coração. Continua a correr, a cair e a esfolar os joelhos. O sorriso continua a dançar-lhe nos lábios, a mesma gargalhada de menina, mas os olhos tornaram-se escuros, cada vez mais escuros.
De repente. Fecha-os envergonhada da sua transparência, sentindo-se invadida, revelada no seu mais intimo segredo. Tenta gracejar, “é a noite a chegar, já vivi o amanhecer, agora vou entardecendo”.
Há sempre os que nos esquecem, que fizeram parte do nosso projecto de futuro mas que nos passaram a ver apenas como o seu passado. “Faz parte da vida”. Tenta convencer-se acreditando que nos convence e que assim a deixamos entregue à sua nostalgia. “Temos que caminhar em frente”, reforça a ideia, numa tentativa gorada de curar as feridas do esquecimento.
Acabo por confirmar, só para não ser a voz discordante, mas uma frase me vai dançando no pensamento, “Sim, temos de caminhar em frente mesmo que com os olhos olhando para trás”.