sexta-feira, 28 de abril de 2017

Post.it: As companhias

As pessoas surpreendem-nos, chocam-nos, magoam-nos. Foi assim que reagi, com um destes sentimentos, talvez o menor, porque as notícias foram-me dadas a conta-gotas, como um medicamento que começamos com uma dosagem baixa, por não sabermos quais os seus efeitos secundários, só sabemos os sintomas da doença enquanto que os do tratamento, podem por vezes ser piores antes de começar a melhorar, antes de, com sorte, curar. 
Não soube como reagir, afinal já passaram 2 anos desde o acontecimento, mas soube-o agora,  magoou-me neste exacto momento, não como se tivesse passado tanto tempo, mas como se as palavras carregadas de hediondas expressões fossem neste preciso instante proferidas. 
 Não sei como reagir, zangar-me? Não parece ter sentido, nem sequer merece apena, pelo acontecimento e pela pessoa em causa. 
Acho que vou deixar passar outros tantos anos, talvez 20 e no entretanto, esquecer. Afinal já não faz sentido, aliás nunca fez, coisas que se dizem simplesmente porque as pessoas são pouco confiáveis, tanto as que por alguma razão que não compreendo, resolvem inventar coisas sobre nós, com até as outras que 2 anos depois resolvem contar essas “verdades”. 
O tempo e a erosão pessoal de cada um acaba por conferir a tudo outra dimensão, acrescentando-lhe um ponto, que se torna um conto, mistura inflamável de fantasia e rancor. 
As pessoas, são com que rios com águas, umas mais pacíficas, outras mais turbulentas, nem sempre chegam a formar tempestades, apenas insignificantes ondas de baixa auto estima que vão expandindo em círculos de má energia. 
Magoa-me porque deixo que me atinja no peito aberto e sem defesas, no sentimento crédulo de que as pessoas são necessariamente boas. Esqueço-me, demasiadas vezes, que as pessoas são o que são e que reagem por instinto básico às suas necessidades de sobrevivência. 
Magoa-me não perceber a sua dimensão, o seu mundo de interesses, a sua cadeia de conveniências. 
Mas também há surpresas, porque se me deixo magoar pelo inesperado, às vezes acontece o imprevisto, a humildade, a solidariedade, a credibilidade, por isso e apenas por isso, aceito as mágoas e faço delas um passo em frente. Tudo é caminho, as flores e os espinhos, o sol e a chuva, o cair e o levantar, o rir e o chorar, as chegadas e as partidas. Tudo é caminho acompanhados ou sozinhos, o importante é que nós sejamos a nossa mais agradável companhia.



segunda-feira, 24 de abril de 2017

Post.it: Liberdade sim...

Houve um tempo, demasiado tempo em que as vozes da liberdade combatiam  por entre sons de murmúrios. Havia medo, não das forças da autoridade enquanto forças de lei, que lhes dava mais incentivo, mais coragem,  mas da sua incompreensão e intolerância activa.     Lutava-se por causas justas, defendiam-se direitos de integridade, de legitimidade, de verdade, de liberdade. Queria-se ter o direito de dizer não e que cada sim fosse fruto de uma opção não condicionada.
Houve um tempo, lembro-me dele, mais pelo que me contaram do que por o ter vivido, ainda não tinha idade para compreender o que significava ter o espirito enclausurado, as ideias agrilhoadas, os sonhos acorrentados, os desejos presos condenados sem julgamento e sobretudo, sem culpa.
Houve um tempo que até era quase proibido rir, e com medo, riamos e chorávamos da nossa desgraça apenas nas quatro paredes do nosso lar.
Quarenta e alguns anos depois de acontecer o 25 de Abril, muito mudou, quase tudo mudou, ou talvez não.
Hoje tornou-se proibido proibir, e diz-se tudo, o importante e o que não interessa, porque há quem tem necessidade de falar gritando com palavras vãs, só para, talvez, ouvir mais alto que a voz dos outros, a sua.  Numa  “revolta” de tudo, ou apenas de não saber crescer com respeito pela sociedade onde vivem. Uma sociedade que talvez não os saiba abraçar, que  não os aconchega num leito de carinho, que  não lhes dá tudo o que desejam.
Mas, sempre assim foi,  a vida é feita de conquistas e não de direitos por nascimento.  Devemos-lhe respeito por todos os que a compõem  e sobretudo, respeito por nós que a pisamos, julgamos, condenamos esquecendo que ela é unicamente o  retrato de cada pessoa que a destrói em vez de a construir.
Hoje que há aparentemente liberdade para tudo, erguem-se bandeiras de alforria e aqui e ali rouba-se a liberdade dos outros, entram nas suas vidas, obrigam-nos a ouvir a sua “música” poluente dos nossos sentidos, aceleram nas estradas e atropelam-nos a vontade. Já não são as autoridades, são pessoas como nós, pessoas ávidas de si, indiferentes a todos os outros.
Precisamos,  não de outro 25 de Abril, mas de recordar os seus valores, de que liberdade ele nos trouxe. 
De homenagear os que pereceram ao lutar por ela, com respeito pela sua conquista, pela sua integridade e lealdade patriótica. Ainda há muitos direitos por conquistar, ainda há muita injustiça social, mas hoje, grita-se tão alto que já ninguém escuta. É preciso fazer silêncio para falar e para ouvir. É preciso fazer silêncio para que a liberdade fale em cada um de nós e nos una num todo de solidariedade, de humildade, de respeito, de maturidade e de plena humanidade.


sexta-feira, 21 de abril de 2017

Post.it: Pequeno mundo

Sinto o papel a escrever-me nos dedos histórias que nem eu consigo inventar. E elas surgem detalhadas, precisas, cheias de vida, de vidas, da minha também. E nessa escrita apressada, há uma urgência de voz.
Por todos os silêncios que me ficaram calados ao longo do crescimento, da infância que de infância apenas teve o nome, a idade, porque sempre me senti adulta, na responsabilidade, nas tarefas, na exigência do parco existir.
Talvez por isso me tenha alimentado de fantasia. Até que um dia, as sensações, as emoções ganharam clamor e começaram a jorrar-me em cascatas oceânicas manchando de tormentoso azul o imaculado papel.
De repente, arrependo-me e num gesto aflito tento apagar tudo o que escrevi com a manga da camisola, mas a tinta derramada, insiste em permanecer e continua a estender-se em linhas que querem desenhar o infinito e ir para além dele.
Então, atrevo-me a sonhar, atrevo-me a voar e sou livre. Pela primeira vez sou criança sem idade, rio-me, sou inconsequente, nada temo, esqueço por um breve instante que sou uma vida sem sentido mas com uma direção, a de seguir, cumprir, obedecer, em silêncio de palavras, de olhares, de lágrimas. 
Mas isso é depois, agora permito-me ir além de tudo, do meu pequeno mundo, do quarto escuro, da sala de estar onde não tenho permissão para entrar sozinha, da cozinha que é o meu minúsculo pátio de recreio, contudo grande, imenso, para alguém que nunca aprendeu a brincar. Felizmente, aprendi a escrever e  com isso o direito e a liberdade de ser quem sou…

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Post.it: Onde vão dar os caminhos?

Andei por tantos caminhos na vida. Não sei se os escolhi se fui escolhida por ele. Não acredito no destino escrito com tinta de sangue e de lágrimas, idealizo que é desenhado com gargalhadas que fazem eco e chamam para si outras ainda mais felizes.
Claro que a felicidade não é eterna, mas o que é a eternidade para nós simples mortais?
Um minuto, em que olhamos o mundo e o conseguimos sentir com ternura dentro do peito?
Uma hora, em que o olhar é um veleiro de velas estendidas até à linha do horizonte oceânico?
Um dia, em que sentimos a plenitude a invadir-nos os sentidos como se fossem primaveras a desabrochar em cada molécula com flores de esperança?
Um mês, de coisas pequenas que crescem em nós como brisas que trazem cada amanhã repleto de sonhos que vamos concretizando?
Um ano, em que o paraíso dos impossíveis nos é possibilitado nos seus momentos únicos, nossos, tão nossos que quase, mesmo que por vezes apenas quase nos acontecem e parecem em tudo, perfeitos.
Mas tudo isto é apenas falar do tempo porque, a felicidade é uma delimitação imensurável, acontece, simplesmente, sem como, sem quando e, sobretudo, sem quanto. Faz parte do caminho, nem sempre daquele onde estamos, talvez, quem sabe do seguinte.
E depois de tantos passos dados, há tantos ainda que quero dar, não pela busca, mas por cada encontro, com flores, com pedras, com poças de água, pontes, montanhas, vales. 
Uma conclusão nos surge cada vez mais clara e reconfortante, apenas desejamos que todos os caminhos vão dar a uma familiar abraço…

segunda-feira, 10 de abril de 2017

À noite na praia

Na quase escuridão,
Só a brisa se sente.
O luar por iluminação,
A água em breve quente.

Na noite de quase verão,
As ondas vêm sombrias.
Murmurando a canção,
De esperanças vazias.

Com o areal despovoado,
Barcos a ranger de solidão.
O amor caminha abandonado,
Sem ter destino, apenas paixão.

Qual barco em terra encalhado,
E areal de mar quase despido.
Olha as estrelas esperançado, 
Que passam sem o ter percebido.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Post.it: Males necessários

Há dores que precisamos de sofrer não por masoquismo mas para perceber a felicidade que elas nos trouxeram. Controversa a ideia, afinal ninguém gosta de sofrer, pelo menos voluntariamente. Mas a verdade é que quando olhamos para trás contemplamos para essas dores com carinho, companheiras silenciosas dos nossos passos, avanços e recuos. 
Não nos deixam saudades, também é outra verdade, mas deixam lições que aprendemos com dificuldade, por vezes com recusa em encara-las, mas acabamos derrotados para um dia vencermos, dizem-nos vozes amigas com palavras que nos acariciam a auto-estima. 
Cada final por mais doloroso que seja, pode significar uma nova oportunidade, mas quantas oportunidades temos? Costuma-se dizer, que podemos ter uma segunda oportunidade, prefiro acreditar que temos todas, todas as que nos surgirem, todas as que construirmos, todas as que estejamos despertos e recetivos para elas. A vida está cheia de oportunidades, estão algures à nossa espera, desencontramo-nos de umas, mas há sempre outras para serem encontradas.
Claro que por vezes nada faz sentido e sentimos o destino perdido. Então paramos, tentamos encontrar o rumo da nossa história. F. Pessoa dizia que “somos autores da nossa história” e cada vida pode, talvez acrescentar; estamos de mão suspensa no tempo à espera de escrever o nosso futuro.
O sol brilha, é bonito, enche-nos de luz e de energia, de sorrisos, de planos para o convite do dia em ser plenamente vivido, sim; mas o sol também queima, magoa-nos a pele, encandeia o olhar. A noite é escura, mesmo nos dias de luar, a escuridão é má conselheira com ela tudo nos parece maior e mais doloroso nada, mas só na escuridão conseguimos ver as estrelas. Porque nada mas mesmo nada é inócuo de bom e de mau, é preciso em cada situação, em cada ferida aberta, encontrar a medida certa, o equilíbrio, a harmonia para a receber, para a curar, para a tornar menos dor e mais, cada vez mais, amor.
E lá volto a “ouvir” as palavras de Pessoa “Pedras do caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo”, tantos castelos que vejo por aí, alguns tão majestosamente erguidos, outros ainda em construção. Quero acreditar que o meu, um dia, terá a dimensão manifesta de tudo o que sou, espero, então, sentir-me grata por cada uma dessas pedras, reconhecendo a sua, talvez dolorosa ajuda, para criar  o caminho que me trouxe até ao que sou.


segunda-feira, 3 de abril de 2017

Sala de espera

Espero, da chamada nem sinal
Muitos outros me fazem companhia
Que na sua conversa banal
Trazem-me tristeza, dão-me alegria.

A campainha do painel, impertinente
Num tilintar que mais parece furioso.
Ou é a mim que irrita o som insistente
Parece correr mas é sempre vagaroso.

Não me chama e eu em espera,
Não vislumbro o grandioso momento
Em que hinos de gloriosa quimera
Poem fim ao meu perpétuo tormento.

Algo começa a gritar-me aos sentidos
Sai daqui, porque não te vais embora?
Vou arranjando uns nãos mal fingidos
Para combater com firmeza a demora.

Tento, a tensão não me deixa ler,
Quem sabe jogar no telemóvel.
Sem o tempo conseguir vencer, 
Torno-me da sala mais um móvel.