segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Post.it: A pandemia no Natal de 2020

O vírus existe, anda por aí, não sabemos onde. Podemos cruzarmo-nos com ele, ele pode fazer de nós seu hospedeiro sem bater à porta, sem pedir permissão para entrar. Chegou não se sabe quando, veio não se sabe de onde, mas vai visitando cada um, instalando-se sem fazer cerimónia, tomando por seu o que é nosso: a vida. É notícia de aberturas dos telejornais, cada dias mais pessoas são por ele infetadas, mais vidas dizimadas. Assusta, mas ao mesmo tempo, para muitos parece algo distante. Mesmo quando alguém conhecido nos telefona  e diz-nos que está infetado. Sentimos a sua aproximação, no nosso bairro, na nossa rua, no nosso prédio, à nossa porta. No entanto continuamos todos os dias a levantamo-nos para ir trabalhar, para deixar as crianças na escola e à noite regressamos para casa e abraçamos a família com o olhar. 

Sexta-feira 18 de Dezembro de 2020, o João levou a sogra ao hospital, queixava-se de fortes dores de cabeça, fez exames e estava tudo normal, só a dor lancinante continuava. Fez teste ao Covida-19 e deram-lhes uns analgésicos. Nesse fim-de-semana ficou na casa da filha e do genro com o marido e a neta. 

No sábado 19,  a dor de cabeça mantinha-se persistente ao qual se juntou um cansaço que a fazia permanecer na cama.

 No domingo 20, um telefonema, veio desperta-la, de rosto lívido entregou o telefone à filha, já não conseguiu ouvir mar mais nada, correu para o quarto, cerrou a porta. Tarde demais pensou em lágrimas, de certo já tinha espalhado o vírus por toda a família. Aquele domingo começara animado, João e Paula faziam planos para a festa Natalícia, nesse dia iam comprar as prendas de Natal. Por minutos ficaram sem ação, logo de seguida o João começou a organizar a logística. – A tua mãe fica no quarto da nossa filha porque tem wc privativo, na segunda-feira vamos todos fazer testes de despistagem e até lá vamos agir com normalidade. Mas que normalidade? Tudo lhes parecia estranho, confuso, assustador. O vírus já não estava distante, entrara-lhes em casa, infetara-lhes a vida. Tanta coisa para fazer, avisar todas as pessoas com quem contactaram nos dias anteriores, desmarcar compromissos. Não estavam à espera, não estavam preparados, mas alguém está? 

Segunda-feira 21, sentiam-se angustiados, o tempo arrastava-se lento, a noite fora longa e o amanhecer sufocante. A Saúde 24 marcou-lhes teste para as 12 horas, como ira ser longa a espera, mas esperaram. O pequeno-almoço não sabia a nada mas tinham de se alimentar. Carlota nos seus 4 anos incompletos, mantinha-se alheia a tudo o que se passava, queria brincar a permanência dos pais em casa para ela era uma festa, ainda perguntou se não ia para a escolinha, responderam-lhe vagamente que não.

Quarta-feira 23, a vida era gerida pelo calendário e pelo relógio, uma espera que desespera. Pelo menos não temos sintomas dizia o João tentando animar a família enquanto pegava na Carlota ao colo. O telefone tocou, o coração saltou-lhes no peito, - É a minha mãe, não ainda não sabemos nada… O telefone  voltou a tocar, novo sobressalto. – É o meu irmão, não, ainda não nos telefonaram. Ouviu-se novamente o telefone, nº desconhecido – Sim diga… do lado de lá da linha a enfermeira foi dizendo o nome de todos, toda a família estava infetada! 

E agora? Perguntou? Agora devem ficar em casa, durante um período de 2 semanas, telefonem se tiverem sintomas mais evidentes e se necessitarem de auxílio. Até lá todo o cuidado, muita higienização e muita calma. Mas e como vamos sobreviver? Os pais do João estão em casa doentes, os vizinhos mal os conhecemos, o irmão está longe e a irmã da Paula ainda mais longe, em França. Temos comida mas não deve chegar  até ao final da quarentena. Paula, olhava para a filha e chorava, este ano não há Natal, deixei para os últimos dias as compras, nem comprei  um brinquedo para a Carlota, que lhe vamos dizer? Não te preocupes, havemos de conseguir remediar a situação, faremos o nosso Natal mais tarde, depois de testarmos negativo. A Carlota nem vai perceber.

Quinta-feira 24, 22h, tocaram a campainha, a Paula foi atender – Sim, quem é? – O Pai Natal disse uma voz masculina e uma voz de criança acrescentou e o Menino Jesus! – Como? O quê? Quem é?  - Somos nós os teus amigos, vimos trazer-te o Natal. Abre a porta do prédio que deixamos tudo à tua porta para depois recolheres. João e Paula abriram a porta timidamente e a seus pés viram um imenso cabaz, bolo rei, filhoses, fruta, 3 pratos com bacalhau, peru e cabrito. Carlota saltava eufórica e cantarolava, - O Pai Natal chegou e trouxe-me uma prenda. Porque, sim, nem as prendas faltavam. Uma boneca e livros para pintar para a Carlota, um jogo de tabuleiro para o João, um cd para a Paula, uma écharpe para a mãe da Paula e um cachecol para o pai. 

O Pai Natal chegou continuava a cantarolar a Carlota. – E o Menino Jesus também, acrescentaram em uníssono Paula e João,  porque só ambos unidos podiam ter encontrado amigos tão generosos como os nossos. Mas a festa estava longe do fim, o silêncio foi interrompido por melodias de Natal que  vinham da rua, correram para a janela do seu 1º andar e  por detrás dos vidros embaciados viam e ouviam o seu grupo de amigos, vozes de adultos e de crianças que se entrelaçavam e delas ouviam-se canções que simbolizavam a esperança e a ternura que queriam oferecer.

 E porque o Natal continua no coração das pessoas de boa vontade e de amor ao próximo, o grupo de amigos organizou-se para que nada faltasse a esta família nos próximos dias. E o seu/nosso desejo é que este gesto seja repetido em todo o pais, em todo o mundo, onde existam pessoas a necessitar de ajuda, de amizade e de amor. 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Post.it: O meu Pai Natal


Quando  era  criança   tinha  festas  de  Natal muito  felizes, costumava  ir para a quinta dos meus  primos, todos  juntos  eramos  mais  de 30, a maior parte crianças. Lembro-me que na véspera  os  homens  juntavam-se  no salão a jogar   às   cartas,  as  mulheres  em  animada conversa   ficavam   na   cozinha   a  fazer   as tradicionais   filhoses,   enquanto  as  crianças reuniam-se no quarto dos brinquedos. 
Perto da meia-noite toda a família reunia-se no salão à volta da lareira. De repente irrompia pela  porta  uma  figura  típica,  o Pai Natal, era alto, forte, com  barbas brancas e vestia de vermelho, falava alto, chamava as crianças e nós corríamos para ele sem receio. “Pai Natal, Pai  Natal e  ele sentava-se  num cadeirão,  um  de  cada  vez  sentávamo-nos  no seu colo. 
Ficávamos surpreendidos por ele saber o nome de cada um de nós. Dava-nos prendas que nem  abríamos  de  tão  entusiasmados  com  a  presença  do Pai Natal e ele, ria-se, comia bolachas e bebia o leite morno. 
Perguntava se nos tínhamos portado bem e depois de deixar um beijo na bochecha de cada um de nós, despedia-se porque ainda tinha muitos presentes para entregar. 
Antes de sair, num ultimo olhar, num último momento de magia, dizia-nos, “crianças, não se esqueçam de ser bondosos uns com os outros”. 
Já  tinha 10 anos  quando descobri  que o   Pai Natal era o meu avô. Era uma figura peculiar, envolta em algum mistério, nunca casou, teve as suas namoradas, claro. Teve filhos, netos e bisnetos.  Viveu sempre  sozinho, sempre deambulante, mas na noite de Natal nunca faltava, desaparecia  na  manhã  seguinte  antes  mesmo  de nós  acordarmos. Perdia-se no meio do nevoeiro, imaginava eu,  nunca se despedia,  mas deixava mais uma recordação, uma quase tradição,  para  além  de se vestir  de Pai Natal, organizava um jogo de cartas que era jogado com dinheiro, no final ele ganhava sempre e antes de partir deixava o dinheiro ganho, repartido por todas as crianças da família. 
O  meu  avô  nunca  soube  ler,  escrever  nem  conhecia  os números, era jardineiro porque gostava de flores. Falava pouco mas era muito observador. Se soubesse que alguém estava doente era  o primeiro a aparecer.  Chegava  de  manhã à porta do hospital com o seu farnel e esperava  até  serem  horas  da  visita. Quando  achou que  já  não  conseguia cuidar de si próprio, escolheu um lar e deixou-se lá ficar até chegar a sua hora. 
O  meu  avô  já  partiu  há  alguns  anos, mas  recordo-o, particularmente no Natal, não pelas prendas,  um  pouco  pelo  carinhoso  Pai  Natal,  mas  sobretudo  pela  sua  despedida  que continuo a repetir aos mais pequenos “sejam bondosos uns com os outros”.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Post.it: Desconfinar o coração

Damos tudo como certo, o nascer do dia, o crescer das plantas, o adormecer das noites, as nuvens, as estrelas, a chuva no inverno, o calor no verão, o regresso das andorinhas no começo da primavera. A roupa lavada, a comida na mesa, o nosso lar, a família, os amigos e pouco ou nada fizemos para conquistar isso, só temos que apreciar e deixar que aconteça… Por isso quando nos mudaram o rumo, ficámos sem reação, reagimos com medo, obedecemos atarantados, desobedecemos cansados. 
Pensávamos que tínhamos tudo, que conhecíamos todas as respostas e afinal, não sabemos nada. Algo aparece na vida e baralha tudo, andamos como que a montar um puzzle com milhares de peças, pior que isso faltam-nos muitas. 
Tínhamos respostas agora só temos perguntas. Quase que podíamos explicar como aqui chegámos, quase que sabíamos para onde íamos. Tínhamos ambições, desejos, planos, queixas, demasiadas talvez. 
Agora damos por nós a suplicar “queremos a nossa vida de volta”. Porque já não a sentimos  nossa, as decisões estão nas mãos de outros, nas reuniões do Conselho de Ministros, da Assembleia da República, do Primeiro Ministro e do Presidente da República etc. etc.,  e apetece-nos gritar, chega de ordens, de restrições, de confinações, de separações, a vida não se resume a um decreto!
Ficamos em casa espreitando pela janela, a vida passa lá fora, as árvores crescem, os pássaros empoleiram-se nos seus ramos, o vento ensaia uma dança e as folhas libertas rodopiam até ao chão. Há liberdade lá fora, nem parece que há um vírus espreitando por algum incauto que tire a máscara, que abrace um amigo, que saia à rua depois do recolher obrigatório. Pensávamos que passaria rapidamente, mas Março passou e já estamos em Dezembro, é quase Natal, nem que seja quase e unicamente no calendário. 
Confinaram-nos os pensamentos, confinaram-nos os hábitos, confinaram-nos os sonhos, os planos, confinaram-nos os passos, as horas de lazer, confinaram-nos o próprio ar que respiramos.
Mas é Natal e gritamos em silêncio, não!
Não nos conseguirão confinar o coração!


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Post.it: Sombras

Escondo-me nas sombras, quem sabe não me vejam, quem sabe me esqueçam. Quem sabe me deixem viver e ser na vida quem sou. 
E o que sou é esta sombra, crepúsculo dormente do dia que parte, que acorda e cresce na mesma penumbra indefinida das horas entorpecidas da vida. 
Basta-me ser isso, pouco ou nada mais que uma claridade atenuada pela interposição de um corpo entre algo e coisa nenhuma. 
Similar a uma silhueta, a um corpo desenhado na vaguidade da superfície entreposta entre ela e o sol que é a sua fonte de luz. 
De tanto me esconder na sombra torno-me ela, segredo, mistério, leve noção na linha do horizonte sob a proteção da penumbra de eclipse. Esta sombra conforta-me, antes era uma espécie de mágoa deambulante. 
Que bom é este conciliador amadurecer, não gosto da expressão envelhecer, parece indicar que é um perder, é em certas situações mas noutras é um ganho. 
Lembro-me que quando desejava a luz e a dor que me causava quando o tanto sol existente apenas me cedia um pouco da sua claridade confinando-me a um certo e profundo anonimato Tive uma outra fase em que ambicionava ser farol salvador das marés que embatem contra os cais. Com palavras de esperança, queria afastar as nuvens que geravam intensos nevoeiros. 
Hoje o nevoeiro aconchega-me, sinto o silêncio do seu abraço e deixo-me guiar por ele e encontro um novo e suave caminho. 
E apesar de apreciar com alegria a suavidade envolvente de viver na sombra, sei que tive coragem para nunca deixar de lutar por um lugar ao sol, porque me neguei a ser uma sombra de infelicidade com medo de ser efemeramente feliz.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Post.it: Dezembro pandémico

Dezembro, mês do Natal, época em que o coração nos sorri ao antevermos a alegria de quem recebe o presente que ofertamos. Ao darmos e recebermos calorosos abraços. Revemos rostos que ao longo do ano vamos adiando o encontro, não por falta de vontade em rever amigos ou familiares. Não por falta de tempo, mas porque nos instalamos na rotina dos dias, que rapidamente se transformam em meses e saltamos das férias para o final do ano num ápice. 
Em janeiro prometemos que nesse ano será diferente, que vamos dar mais atenção aos afetos, mas rapidamente outros assuntos se sobrepõem e quando damos conta já estamos na azáfama das compras tentando compensar as nossas humanas falhas.
 Lá vamos pedindo desculpa e esperando receber um sorriso que nos compreende e aceita, que continua a gostar de nós apesar das nossas imperfeições, das nossas ausências. É isso a amizade, é isso o amor. Que tudo perdoa, que tudo esquece, que nos recebe ano após ano de braços abertos e ternura no rosto.
 Claro que é um carinho reciproco, que é um perdão retribuído, afinal, somos todos iguais nas nossas pequenas e grandes diferenças. Mais uma vez aqui estamos, em Dezembro, época em que o coração se finge forte, que tenta sem esquecer, a silenciosa sombra da doença, a possibilidade da morte. 
Lá vamos em (missão) invadimos, ordenadamente as lojas quase vazias, de pessoas e de fantasias, estranhamos que estejam mais pessoas nas filas do que lá dentro. Esperamos, desesperamos, tentamos arranjar uma réstia de confiança, aceitamos o desafio e refreando a ansiedade, deixamos passar à nossa frente alguém que num pedido encarecido solicita a nossa vez, é Natal, pensamos, porque não?
Cedemos. Mas não é fácil viver esta época, sem os prazeres habituais de circular nas ruas sentindo o fresco no rosto, sem recolher obrigatório. Sem termos de estar longe de quem gostamos.
 E as prendas? Será que as conseguimos dar? E já agora que prendas? Haverá algo que se dê ou que se receba que suplante a separação, a solidão? 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Post.it: Cascata temporal

Talvez a o crescente da idade nos faça ganhar consciência de como tudo é efémero. Temos o hoje, o agora, o depois, sabe-se lá…
Sabemos apenas que se vai embora, não chega a ser uma partida, tão pouco uma despedida, é um processo quase linear. Não me lembro de me aperceber desta mudança, mas de um momento para o outro, dei-me conta de que é imparável, irrepetível, o passar do tempo com toda a panóplia de cores, de sons, de acontecimentos, de movimentos.
O tempo, sinto-o como água que me escorre por entre os dedos por muito que os una e aperte, quando os abro já nada resta da água que escoou. 
Há quem fique a apreciar essa cascata, eu não tenho tempo para apreciações, divagações, quero viver o hoje, desde o seu despertar até ao adormecer. Quero senti-lo, abraça-lo, guarda-lo na memória, torna-lo eterno dentro de cada neurónio. 
Uma eternidade limitada ao meu horizonte vivencial, à conjugação harmoniosa dos cinco sentidos. 
O tempo, esse traiçoeiro amigo que tudo nos oferece, que tudo nos sonega no momento seguinte. E nós gratos de tudo o que nos deu para conhecer, para viver e nele crescer, perdoamo-lo por essa falsa esperança de que todo o tempo é apenas criança e temos muito, muito mais para ser. 
Não nos podemos zangar com quem nos ensinou a caminhar, com quem nos amparou as quedas, quem nos foi companhia e caminho, quem nos foi companheiro e solidão, quem nos foi inimigo e irmão. 
Se o tempo nos for curto a culpa não é dele mas nossa que não lhe apreciámos cada instante, que não o vivemos de alma e coração. Que corremos quando devíamos ter parado para o ver e sentir no seu abraço longo e terno, denso e eterno.


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Encontro o caminho

Nos passos encontro o caminho, escolhas de uma vida, escolhas que me escolheram. Talvez vá porque outros foram, talvez vá só por ir. E quem sabe fique, e sem saber, fiquei. 
Foram passos, apenas passos, tantas e tantas vezes cansaços, sonhos fracassos, mas foram passos do meu caminho. Era dia e fiz-me à estrada, depois noite até quase de madrugada. 
O sol encheu-me o peito, guiou-me, deu-me norte. 
A noite, ai a noite que tudo encobre e sem ver nada tropeçamos na sorte, trôpega de frio, trôpega de fome, entrego-me por fim no estranho abraço do sonho esperando que me seja sono, descanso.
O chão é duro, mas o corpo dormente, adormece a dor e já nada sente. De repente uma gota de água no rosto me desliza, pergunto-me se vem do coração, se me espreita pelos olhos, mas percebo de seguida que o céu tem mais lamentações do que eu e é ele quem chora ou será que me chora? 
Ofereço-lhe as minhas lágrimas para as juntar às suas e como irmãs elas descem a rua, dir-se-ia que vão felizes. Livres por terem sido finalmente choradas.
Também eu me sinto mais leve, e ninguém percebeu essa troca de águas que tantos rostos molhou, quais eram as minhas, quais eram as vossas, sabe-se lá... e isso que importa é apenas riacho, rio que mergulha no mar.
Pela primeira vez em tantos anos, uma doce e nova emoção dança-me no peito, e sem saber o que chamar, chamei-lhe felicidade. Quando se tem pouco, basta apenas o que se tem para se ser feliz…

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Post.it: Cansaço pandémico

Sentimo-nos cada vez mais cansados, frustrados, já não podemos ouvir falar no Covid-19. Começamos a pôr todas as medidas em causa,  a utilidade da máscara ou do distanciamento social. Será que evitam realmente o risco de contágio?
Questionamo-nos sobre se se deve ou não manter os sacrifícios exigidos pelos decisores públicos, que limitam a nossa liberdade, em particular porque não vimos resultados promissores nas medidas implementadas para conter a pandemia. Somos um grupo crescente que trava uma dura batalha que não é apenas contra o vírus, mas igualmente contra o desespero, a exaustão e o ressentimentos que se começa a instalar face a restrições cada vez mais apertadas.
Quando o novo coronavírus se começou a disseminar por todo o mundo na passada Primavera, foram muitas as pessoas da generalidade dos países afetados que cancelaram casamentos e férias, deixaram de visitar os seus familiares idosos e fecharam-se em casa com a ideia de que este período de isolamento, apesar de necessário, seria breve. Havia aplausos nas varandas onde se cantava ou tocava algum instrumento, mãos costuraram máscaras, gerou-se um sentimento de solidariedade global.
Durante o Verão, com o calor, a população revelou uma tendência crescente para relaxar perante os perigos do vírus, e fosse por desejo ou necessidade, muitas pessoas optaram por gozar as suas férias e regressaram ao convívio com familiares e amigos, preparando-se para o regresso ao trabalho e às escolas numa aparente tentativa de resgatar, além  a sua rotina normal e as economias.
Mas eis-nos chegados ao Outono, a esperança e união que ajudaram as pessoas a suportar um dos mais atípicos momentos das suas vidas, começam a dar lugar a sentimentos de exaustão e frustração.
Instalou-se a discórdia, os líderes nacionais e locais não se entendem, os grupos empresariais emitem avisos sobre a possibilidade de indústrias inteiras poderem entrar em colapso se as restrições forem prolongadas, multiplicam-se os protestos nas ruas, sendo que muito deste ceticismo público está a ser alimentado por promessas de “vitória” que vemos não concretizada. Talvez a indicação mais reveladora de as pessoas estarem confusas, frustradas, desesperadas e no ponto limite de obedecerem a orientações ou “ordens” resida no facto de o número de casos estar a aumentar muito rapidamente.
Na Europa, como sabemos, as infeções estão a aumentar de uma forma descontrolada, bem como o número de hospitalizações e óbitos.
Colapso, começou a ser a palavra generalizada, os hospitais estão sobrecarregados, as empresas colapsam, as pessoas entram pouco a pouco num colapso social, financeiro e psicológico. A este sentimento juntou-se a “revolta” este fenómeno de está a ser de tão rápido contágio que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS), chamou a atenção para este fenómeno de “Fadiga da Pandemia. Caracterizada pela desmotivação para obedecer a comportamentos de proteção recomendados e, igualmente pelo descrédito na informação sobre o vírus, menor preocupação com os riscos e menos disponibilidade para atentar aos comportamentos aconselhados.
Mas o que nos torna diferentes dos países que tiveram melhores resultados para combater pandemia?. A adaptabilidade cultural, parece ser a resposta, o fato de os países com um sentimento mais comunitário terem uma resposta mais rápida e eficaz, uma vez que os seus cidadãos têm maior probabilidade de cumprir as práticas de distanciamento social e de higiene que ajudam a reduzir a propagação. Por seu turno, nos países com uma cultura mais individualista demonstram ter mais resistência ao cumprimentos destas práticas.
A verdade é que estamos perante um novo e crucial desafio: convencer as pessoas de que, e mais uma vez, a responsabilidade de abrandar a propagação do vírus não é apenas das autoridades competentes, mas reside sobretudo nos comportamentos de cada um e de todos, sob pena de esta segunda vaga ser incontrolável.
O cansaço, a revolta, o medo, é generalizado. A luta prolonga-se sem uma previsão de final. Para minimizar e suplantar, talvez tenhamos de trocar as liberdades civis por melhores condições de saúde pública. Além disso, pensemos um pouco.
De que nos serve a liberdade sem vida?



sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Há palavras difíceis de dizer

Há palavras difíceis de dizer,

Há frases impossíveis de escrever.

Que fazem nascer silêncios,

Que fazem crescer vazios.

 

Há palavras que esperam por nós,

Há palavras que nos deixam sós.

Já nos foram companhia,

Aconchego na noite fria.

 

Há palavras presas por nós,

Há palavras que nos calam a voz.

Palavras que ficaram no esquecimento,

Palavra que se tornaram  lamento.

 

Palavras que falaram de tudo,

Palavras que continham o mundo.

Palavras de primavera e foram flor

Palavras de arco-íris que perdeu a cor.

 

Palavras de um tempo que passou,

Palavras do que no peito murchou.

Palavras de Inverno frio e chuvoso,

Palavras pedem um verão luminoso.



sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Post.it: Os nossos finados

Pessoas que fazem parte da nossa história, que definem o ADN da nossa vida. Que a dado momento fizeram connosco um caminho comum, que riram e choraram as mesmas lágrimas. Que se sentaram ao nosso lado, que escutaram as nossas  e partilharam as suas dores. Olhamo-las nos olhos, vimos e sentimos amizade e amor. Confiamos-lhes os nossos segredos, repartimos os nossos medos., histórias, abraços e por vezes, até silêncios. 

De repente, uma ausência, um vazio, uma ferida invisível que nos dói por dentro,  e a sensação que nos arrancaram algo do corpo e que nos faz tanta falta. A razão sabe que partiu, mas o coração continua a senti-la viva, vibrante de emoções. Os olhos ainda a veem em outros rostos, a sua voz continua a ressoar em outras vozes. Mesmo que lhe tenhamos dito adeus, a verdade é que não nos conseguimos despedir. Há sempre algo que fica por dizer, por agradecer. Há sempre tanto que ainda querias em conjunto viver.

Morreu, dizem-nos, mas recusamo-nos a escutar as vozes que te querem levar de nós Não, está viva! Estará sempre viva, guardada em nós,  enquanto a nossa memória te lembrar, enquanto o nosso coração te amar.



sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Esculpir o tempo

Com que paixão.

Pode o coração esculpir.

Com que ilusão.

Pode a alma te definir.

 

Eis que vens.

Brincas comigo.

Aprisiono-te, não te conténs,

Foges, já não me és amigo.

 

Com que mãos, com que arte,

Se ao menos fosses perene,

Seria eterno o meu amar-te.

 

Mas tudo é vento,

Tudo se perde e esquece,

No sopro de um lamento.




sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Post.it: Sem respostas

Gostava de transformar este (sem) respostas em (cem) respostas, porque as perguntas crescem, o medo tornou-se uma nuvem cinzenta que nem a luminosidade do verão afasta e as
 dúvidas confinam as nossas vidas.
Continuamos a perguntar a quem sabe mais do que nós: médicos, virologistas, cientistas, estadistas, ministra da saúde, ao SNS, à OMS…, de onde veio este vírus, quando se lhe porá termo, quando terminará esta Pandemia?  Quando poderemos andar na rua sem medo, sem olhar para os outros como se fossem nossos inimigos. Quantos irão ficar infectados, seremos nós os seguintes. Iremos resistir?  E a nossa família, as pessoas com quem partilhamos o nosso dia a dia também poderão apanhar, ou melhor ser apanhados Covid19? Quando poderemos voltar a abraçar os amigos, a beijar os mais próximos. Quando voltaremos a respirar sem máscara, quando voltaremos a ver sorrisos em cada rosto? Quando poderemos sentar-nos ao lado de alguém nos transportes sem receio de que nos excluam desse espaço. Quando deixaremos de questionar com o olhar cada pessoa que se cruza connosco sobre se será ser ou não portador do vírus? Quando deixaremos de ter limites para entrar nas lojas, nas farmácias, nos eventos desportivos ou culturais?
Quando, quando, quando?
Quantos doentes há neste momento em todo o mundo, quantos ficarão mesmo depois do vírus desaparecer devido a desconhecidas sequelas? Quantas vidas já perdemos, quantas ainda vamos perder?
Quantos e quem serão, avós, pais, filhos, irmãos, tios, primos, sobrinhos, amigos, colegas, conhecidos, novos, menos novos, até quem sabe, nós…
Quantos, quantos, quantos?
Somos pessoas de fé, isto vai passar!
Somos pessoas de esperança, e vamos dizendo aos outros e a nós que vai ficar tudo bem.
Somos pessoas de resiliência, levantamo-nos todos os dias para trabalhar no local de trabalho ou em teletrabalho, vamos continuar a lutar para sobreviver.
Somos pessoas solidárias, que se entreajudam, que concebem medidas de apoio.
Somos pessoas criativas, criamos mil formas de chegar e de nos unirmos aos outros.
Somos pessoas imaginativas, reinventamos formas de ocupar o tempo de forma lúdica e saudável.
Neste momento, enfrentamos a 2ª vaga, aumentam o número de infetados e nós, continuamos sem respostas, mas já vislumbramos algumas certezas, os efeitos negativos deixados como marcas em cada um de nós. Pelos entes queridos que perdemos, pelos despedimentos, pela forma de vida social e económica que modificou vidas.
Um dia, não sabemos ainda quando, teremos  todas as respostas, encontraremos soluções.
Um dia, não sabemos ainda quando, tudo isto será apenas uma ténue recordação.
Um dia, que esperamos, que desejamos seja em breve, tudo isto será uma lição, de como nos adaptamos, de como nos unimos, de como somos capazes de nos tornarmos melhores quando os desafios assim os exigem.
Um dia, acreditamos, Ficaremos bem.


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Post.it: LAR

Já fiz tantas viagens, já escolhi tantos caminhos, destinos desconhecidos, percorri ruas sombrias, caminhei por avenidas de luz, atravessei pontes, atalhos de pedra, veredas de terra, trilhos de pó, tudo isto andei, só para regressar a casa.

Uma casa de sol mesmo que de vez em quando lunar. Uma casa de paz mesmo com momentos de contenda.

Mas uma casa onde me sentisse inteira, aconchegada, protegida. Um espaço para lágrimas e sorrisos, mas sobretudo um lugar onde pudesse descansar o coração, onde conseguisse contemplar os sonhos e inspirar ares de esperança.

De onde partisse com vontade de regressar. Onde chegasse e me apetecesse ficar. Uma casa onde me sentisse todos os dias bem-vinda.

Ainda que fosse pequena que nela me sentisse grandiosa. Uma casa com paredes da cor de abraços, com um telhado quente como uma manta de afetos. Com janelas revelando o céu e que à noite as estrelas entrassem por elas para me aconchegar o sono. E nessa casa a que chamaria carinhosamente (LAR), Lugar de amor e reencontro.




sexta-feira, 2 de outubro de 2020

O caminho


Tudo se esfuma na poeira do tempo, já não somos cada vez mais transformamo-nos num fomos. Neste chão onde andamos vamos pisando as pegadas de quem veio antes de nós, e aplanando o terreno para os que nos seguem, todos
fazemos o mesmo caminho, unicamente porque não há outro.
É o mesmo planeta, debaixo do mesmo sol, vizinho da mesma lua. Bem podem construir prédios, rasgar avenidas, arrancar as árvores velhas e plantar novas, tenho  a certeza de que a cada primavera, nascem as mesmas flores.
Já quantas vezes me cruzei com aquela papoila. Quantas e quantas vezes cheirei aquela mesma rosa. Há quantos anos ando a despetalar aquele malmequer na esperança de que um dia a última pétala me diga, bem-me-quer.
 Mas todos os anos ele renasce resplandecente de cor, espreguiça cada pétala  e desafia-me com ar trocista a tentar de novo, sabendo antecipadamente que vou perder.
A cada passo há pedras, também elas já velhas conhecidas, feitas de terra amassada com chuva, mar e lágrimas, cristalizadas pelo frio e o calor, moldadas pelo vento.
Cá estão elas no percurso, sendo o caminho que abraçamos ou rejeitamos  e as lançamos em outra direcção. Mas, passados poucos ou muitos anos dá-se o reencontro, tenho quase a certeza que já me cruzei com aquela pedra.
Está diferente, contudo reconheço-a, mais pesada, rugosa, áspera mas, tem algo daquele tempo, a forma como se aconchega na minha mão. Desta vez não a lanço para longe, vou levá-la comigo, não sei se tenho tempo para um novo reencontro, vamos ficar por aqui, cruzando memórias de um mesmo caminho.


 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Post.it: O mundo da pandemia


O mundo tal como o conhecíamos já não existe, nem voltará a existir. Contínua redondo, contínua azul, dizem os astronautas, lá do espaço lunar, quando o conseguem ver por entre a névoa de poluição. O mundo aparentemente igual, na verdade, está diferente.
Vê-se no olhar das pessoas, na ausência de sorrisos que até podem lá estar mas não os vemos, escondidos por detrás de uma máscara de pano. Bem tentamos iludir ou iludir-nos arranjando as máscaras mais coloridas, se não espantarem o vírus quem sabe espantam a tristeza, a melancolia destes inóspitos dias.
Inventamos uma coragem que desconhecíamos e murmuramos aos nossos sentidos que não temos medo. Os mais receosos  ou cuidadosos, assumem o seu medo cumprindo escrupulosamente todas as indicações da DGS e de todos os sites cibernéticos. Atentos aos noticiários, vão acumulando angustias, sofrendo todas as dores suas e as dos outros. Este é um mundo de solidão, de medo, de revolta. Vidas que estavam organizadas ficaram completamente desmoronadas, pelo desemprego, pela crise financeira, pelas mortes, pela doença e as suas sequelas, pela separação das famílias, pelo temor do desconhecido.
 Todos os olhos perscrutam uma luz no fundo túnel ou pelo menos um farol que nos guie.
Já se fala de uma geração covid, crianças que ficam sem festa de aniversário, que não podem brincar com os amiguinhos, a escola polo de encontro e de aprendizagem, para muitos é feita através d
a televisão ou do computador, têm de ficar em casa, confinados a 4 paredes. Foi-lhes roubado um ano ou quem sabe 2 ou 3 anos da sua infância, da sua juventude, da sua velhice, de cada vida em geral.
Neste mundo diferente, tão próximo, tão nosso, sentimo-lo distante e temos receio de o perder, aqui e ali vão proliferando mensagens cuidados a ter  “Fica em casa#, “Fica em casa pela sua e nossa saúde”. “Stay home, stay safe, stay healthy”
De esperança, “Está tudo bem”. “Vamos ficar bem”.
De encorajamento “Precisamos de ti”, Ninguém fica para trás”.
De solidariedade, “A solidariedade deve ser contagiosa que o vírus”, “Vamos cuidar uns dos outros”.
Frases de aviso,  “Farto do vírus? Cuidado ele ainda não se fartou de ti”
Frases de humor, “Xô bichão aqui em casa você não entra não!”
Quando o vírus já não constituir um perigo para a saúde, quando voltarmos à normalidade, quando todas as portas se abrirem, quando todos os rosto sorrirem sem máscara, quando acontecer o reencontro, o verdadeiro reencontro, sem distanciamento,  com beijos e abraços, estaremos diferentes, estaremos todos, mais pobres de afetos.


 
 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Post.it: A beleza das coisas

As coisas que não existem são as mais bonitas, disseram-me um dia. 
Duvidei, retorqui que a beleza estava no valor que damos ao apreciar o que existe.
Parecia-me lógico, concreto, tudo o resto era absurdo, inusitado, inconcebível. 


Era demasiado nova para entender o poder da fantasia, dos ideais, dos sonhos, da esperança. 

O caminho que eles fazem em nós, dando-nos fé, força e coragem ou apenas enchendo de uma nova luz os nossos dias mais escuros. Pintando de cores mais vivas a palidez do nosso olhar.

Por vezes é preciso sair de nós, bater asas e voar rasgando o horizonte da lógica que nos prende pesadamente à dureza do chão, para ver, para sentir algo mais do que a realidade concreta em que vivemos e de são feitos os nossos dias.

Quando somos jovens só vemos o corpóreo, o palpável, também voamos, mas os nossos voos vão apenas até onde a nossa visão alcança, ainda não sabemos ver com os olhos do coração.

Se não acreditássemos na beleza do que não existe, não poderíamos pintar novos quadros, esculpir novas esculturas, escrever novos livros, compor novas músicas, conceber novas formas de arte, inventar novas tecnologias, descobrir novas formas de curar, porque, sim, é verdade até a medicina é das coisas mais belas porque está ligada à vida e nada é mais belo que a vida nas suas diversas manifestações.

O que existe é tão pouco perante um universo de possibilidades, do que pudemos fazer, do que pode milagrosamente nascer do nada e ter a beleza mais pura que o nosso modo de ser e de sentir pode conceber.



sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Post.it: Todos nascemos pássaros


Quando nascemos temos asas, com leves plumagens e corpos pequenos. Aconchegados no ninho damos os primeiros passos, espreitamos timidamente esse mundo que nos enche de vertiginoso receio. De vez em quando esticamos as asas, ensaiamos pequenos voos sem sair do lugar, sem nos conseguirmos elevar. Mas com tempo, com coragem, com o incentivo dos pais, continuamos a tentar e um dia, um grande dia, voamos. 

Saímos do ninho, viajamos pelo desconhecido e se tudo correr bem, amanhã vamos mais longe. Mas hoje voltamos para o ninho, cansados de tão empolgados. Ansiosos que o sol renasça, que o dia amanheça, que o vento sopre e nos leve à descoberta de novos horizontes.

O tempo passa e os voos tornaram-se cansativos, as asas ficaram pequenas para o nosso peso, já não nos elevam, já não nos permitem tocar as nuvens. Mas há quem continue a voar, a voar alto. Rio-me deles, crédulos Ícaros que querem tocar o sol com asas de cera. Também eles um dia vão descer à terra e permanecer nela com passos pesados. 


Entretanto, digo-lhes que voem, que abram as asas e sigam o seu caminho. Voem antes que lhes cortem as asas que os expulsem do ninho e os coloquem numa gaiola aprisionando-lhes o pensamento.

Quando crescemos continuamos a ter asas, invisíveis é verdade, mas se tentarmos, se arriscarmos, se acreditarmos, ainda conseguimos voar, nos nossos sonhos.

Porque quem sonha é livre e quem tem esperança de chegar mais além há de sempre voar para lá de todas as fronteiras.



sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Oração Covid

 Pai Nosso que estais no Céu


Santificado seja o vosso Nome.

Venha a nós uma Vacina.

Venha ela da Inglaterra ou da China.

Perdoai-nos por nos esquecermos da máscara,

E por revelarmos um sorriso triste na cara.

Atendei o nosso pedido de não sermos infetados,

Quando aos entes queridos ficarmos abraçados.

E não nos deixeis cair em tentação,

De ir para festas de grande multidão.

Mas livrai-nos do Covid-19, do 20 e do 21

Que este acabe e não volte mais nenhum.

 

Avé Maria, cheia de Graça,

Não nos deixeis cair em desgraça,

Se esta Pandemia por aqui demorar,

E deixar devastação ao passar.

Bendita seja a esperança que nos conduz,

Por um ficar bem que nos enche de luz.

 

Santa Maria, Mãe de Deus,

Rogai para que nós

No confinamento não fiquemos sós.

Que agora e para sempre

O vírus se vá embora de toda a gente.

Amém.



sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Post.It: Urbanidades interiores


É curioso este olhar que olha para fora e  tão pouco  para dentro, não de si,  porque esse é um olhar que tem de ser feito por vontade própria, mas para quem está próximo, à distância apenas de um olhar.
Uma distância que por vezes se perde no horizonte das rotinas, das coisas práticas, da organização, da gestão, do capitalismo, da visão de um todo onde se perde a de cada um.
E bastava uma palavra que diz, sei que estás aqui!. Um sorriso mesmo que só transpareça na expressão dos olhos. Um parar mesmo que não seja para ficar.
Quase invejo essa rua, esse alguém que entra e tem um lugar reservado à sua liberdade de ser, de sentir, de se expressar. Todos são importantes, quero acreditar que sim, mas na verdade, eles são mais. Porquê? Porque motivam, porque desencadeiam ideias, porque provocam, estimulam, entusiasmam, são o estranho que querem conhecer. A mim? A mim já me conhecem, já não lhes trago novidade, e, no entanto, pergunto-me, silenciosamente, pergunto-lhes na mesma ausência verbal, que sabem de mim? Quem sou, de onde vim, que caminhos percorri, que vitórias, que fracassos? Que ideais vislumbrei, que esperanças criei, o que falei, o que calei?
Há um diálogo a muitas vozes, que quero escutar, quero falar com elas, sobre elas, sobre nós,  mas apenas escuto o silêncio misturado com o som gritante dos meus solitários pensamentos.
Abro as asas lúdicas que querem escrever nos altos céus com ânsia de comunicar, de partilhar vontades, projectos, sonhos de um amanhã que envolva todos, sem uma hierarquia limitadora, sem empatias elitistas, sem diferenciação etária, sem exclusão, sem solidão. Mas falta-me um pouco mais de sol, um pouco mais de azul, talvez um golpe de asa para eu ser alguém.
Há um convite a quem passa, entrem, vamos conversar…
Estou cá dentro mas sinto que estou lá fora, sem passar da porta, sem vislumbrar janelas abertas, um sem abrigo sem (o vosso abrigo). Tenho urbanidades interiores caladas no peito, querem falar, querem ser ouvidas, querem ver, querem ser vistas. Quem sabe um dia, se olharem não só para a rua mas também para a soleira da porta.



sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Post.it: Assim vão-se os dias


Quando era jovem adolescente sentia que ganhava dias, ganhava em aprendizagem, em crescimento, em desejos, sonhos, esperanças. Com o passar do tempo a nossa noção de tempo muda, passamos a sentir que perdemos dias, não porque sejam mal gastos, mas porque temos a sensação de que cada um deles já não volta para o tornarmos melhor, para o vivermos com maior intensidade, para o guardarmos como quem guarda uma bolacha para um momento posterior em que tenha fome e não tenha nada mais à mão para forrar o estômago, para aconchegar a alma. De repente é-nos imposto um exílio, ficar em casa, com medo do vírus que invade as ruas e ameaça invadir-nos a nós. De repente separam-nos dos outros, condenam-nos à solidão. Para os jovens é apenas um breve momento, um de tantos… Como se fosse apenas uma estrela de tantas que há no céu.
Para os mais velhos a sensação é diferente, pode ser apenas uma estrela mas escurece o seu céu, o dia torna-se curto e a noite longa. Uma avó que perde o primeiro sorriso do neto, os primeiros passos, as primeiras palavras, perde algo irrecuperável. As novas tecnologias podem gravar para recordar, mas não substitui aquele abraço, o calor dos afetos, o cheiro da familiaridade.
Há um vazio crescente no peito, há uma noite de angústias no leito, faz-nos falta o estar, o sentir, o partilhar o corpo, a vida, a esperança, a lembrança, a receita de todos os ingredientes que fazem parte de nós.
O tempo, este tempo doente, vai longo. Há quem se pergunte e nos pergunte, teremos tempo para voltar àquele tempo ou ficaremos demasiado tempo neste?
A finitude tem momentos de infinito, estamos nesse impasse à espera que esta crise passe.
Será que irá passar? Que sabemos nós do futuro, quando ainda estamos a aprender a vivê-lo…



quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Post.it: Beirute

Às vezes, atamos a esperança com fios de cabelo. Colamos os cacos e cada dia com cola de cuspo. Adormecemos e sonhamos sonhos de algodão. Levantamos-nos e damos meio passo porque um passo inteiro nos parece a longa distância de uma auto-estrada. O sol tem um tom de inverno, as nuvens são cinzentas sem água. E tudo nos parece um véu de nevoeiro que cobre o horizonte não de neblina, mas de fumo. Como se fossem resquícios de algo que existiu e já não existe mais, o quê questionamos e o vento responde sem voz: Nós, aqui, cada vez mais sós. Porque mesmo que sejamos, vários, às vezes até, muitos, na nossa existência, no nosso sentir, somos sempre e somente, únicos. Ruiu, explodiu tudo, vidas, casas, passado, presente e futuro. Cada pedra que colocámos, cada tábua que carregamos, os degraus que nos levavam mais longe, as pontes que nos uniam. Não eram apenas edifícios, eram história, a nossa memória, o nosso teto, abrigo, leito. Um barulho ensurdecedor, de queda, de dor, de pavor. Depois parou, parou tudo, até o tempo ficou suspenso, como quem espera a medo a ordem de que pode continuar a avançar. Escuta-se um silêncio que continua a gritar-nos no peito como se fosse um pedido de socorro. Cada um pergunta-se se está vivo, sai lentamente do torpor e começa a procurar os seus familiares, amigos, colegas, vizinhos. Vemos uma mão estendida, corremos para lá tropeçando no chão, tiramos os destroços tentamos dizer-lhe que está tudo bem, mas ao lado há outra mão inanimada que nunca mais voltará a acenar. É o primeiro dia, quem sabe, o último, da nossa vida, tal como a vivíamos, ou de como a voltaremos a viver. Beirute voltará a reerguer-se, claro que sim, mas as cicatrizes, essas, ficam para sempre.



sexta-feira, 31 de julho de 2020

Post.it: Biografia de um traço


Era para nascer ponto mas começou a crescer, chamaram-lhe traço mas ele riu-se de quem o diminuía e em crescendo, desenhou-se linha reta. 
Ainda não se lhe conhecia forma definitiva,  mas com passar dos anos começou a ganhar sinuosas curvas. Inspirado talvez por afetos, por uma felicidade que agarrava como se fosse unicamente sua,  tornou-se esboço de um caminho repleto de histórias, saudosas memórias.
Entrou em declive, murmuravam  alguns, mas ele que conhecia como ninguém a fórmula mágica do sentir, ganhava coragem e ascendia contornando as dificuldades, vencendo as intempéries dos dias cinzentos, curando as feridas, evitando outras e sorrindo, sorrindo sempre porque era preciso enganar  as emoções mais fortes evitando assim a descrença nos verdadeiros sentimentos.
Nem sempre foi fácil, mas o tempo revelou-lhe que não era impossível. Houve momentos… Preferiu esquece-los e guardar apenas os que valia a pena guardar. Se não fosse assim tinha-se tornado cúbico, árido, cheio de recantos sombrios.
Com o tempo ganhou forma, descobriu a fórmula de existir sem desistir, sem parar, sem sucumbir. No principio era um ponto, uma linha reta que encontrou a maneira de arredondar cada aresta, cresceu, cresceu e encontrou o contorno perfeito de ser e de partilhar a sua essência.


sexta-feira, 24 de julho de 2020

Post.it: O que diz o olhar


De repente os olhos deixam de ser um simples olhar, começam a falar, a ter conversas inteiras. Os olhos que choravam agora também oferecem sorrisos, aconchego. Os olhos revelam consentimento, discordância. Os olhos dão abraços sem estender os braços. Os olhos aquecem os sentidos, acarinham alma. Os olhos escutam quando nos olham com a atenção de um amigo que tem todo o tempo disponível para nós. Agora que uma situação peculiar nos tapou a boca, que nos roubou o sorriso do rosto, felizmente que temos os olhos para nos dar cor, calor e expressão às palavras. Este vírus quer extorquir-nos o ar, calar-nos, separar-nos, isolar-nos. Este vírus usurpador quer-nos unicamente para si, exila-nos, condena-nos à solidão, remete-nos ao medo, à desconfiança, subtrair-nos a esperança. Faz-nos sair do caminho que tínhamos como certo, leva-nos para dias cheios de deserto. Prende-nos os pensamentos, tapa-nos a boca. Mas mesmo que nos ponham óculos, viseiras, os olhos nunca vão deixar de falar, gritar, sorrir, de dizer que estamos aqui, que vamos resistir e olhar de frente cada desafio, sem virar a cara, sem fechar os olhos!
Ainda há muita beleza para ver, ainda há muito amor para dar, muito afeto para repartir, muitos sorrisos por sorrir e muitas palavras de esperança, de encorajamento que só os olhos conseguem revelar.


sexta-feira, 17 de julho de 2020

Post.it: Tudo me foge


Tudo me foge: O tempo, a vida, as sensações. Os raios de sol no olhar, o sorriso como espasmo do coração, a vontade de tudo e em tudo. Fica este nada, este vazio, esta sensação de partida. 
Há quem diga que se tem muitos nascimentos, será este mais um deles? É difícil nascer, falta-me uma mãe a expulsar-me do útero, falta-me um pai de braços abertos para me receber, falta-me os avós num olhar reconfortante, falta-me a direcção sem medo de me perder.
Nascer depois de tantas mortes é estranhamente dolorosa como se nos arrancassem do antes sem sabermos se será melhor o depois. É absurdo, mas habituamos-nos ao nosso dia a dia, mesmo que não nos faça feliz, é como um sapato velho  e feio que até nos magoa ao caminhar mas já está moldado ao nosso pé, já lhe conhecemos os defeitos e ele conhece os nossos. 
Conhecemos o hoje, o amanhã torna-se um abismo de incógnitas, será fundo, haverá luz, iremos perder-nos, quem nos responde? O silêncio! Velho companheiro, ele está sempre certo porque não se atreve a errar. 
Nós ao contrário, falamos, gritamos, achamos que temos sempre razão, lutamos vencemos mas perdemos sempre algo em cada vitória, um pouco da nossa paz por todas as guerras que travámos, porque há sempre sangue mesmo que não nos saia das veias, na dor,  no sofrimento, o nosso e o que causamos. 
Tudo me foge, olho em frente, será apenas um novo encontro?



sexta-feira, 10 de julho de 2020

Post.it: Vai ficar tudo bem


10  de Julho 2020, 23:00h, China.
Xin Qian olha para o relógio do telemóvel, está quase na hora de embarcar, já se despediu da família, sem abraços, se havia sorrisos não os viu, estavam escondidos por detrás da máscara. Recorda a última partida, sente a falta dos familiares ausentes, a avó, o tio, as duas primas, sem esquecer alguns amigos de infância, todos partiram levados pela devastadora pandemia do Covid-19. Regressa a Portugal para continuar os estudos, é um regresso de coração magoado, de sonhos roubados. Queria ficar na China  ajudar os pais, os irmãos, o seu país a sair da escuridão, da solidão, mas tem de continuar a construir a sua vida, deve isso a quem partiu, deve isso a quem permanece e a incentiva a seguir em frente.
10 de Julho 2020, 12:00, Brasil
Janice olha para os filhos, tenta sorrir-lhes mas lembra-se que eles não lhe vêem o sorriso, agora é preciso que as palavras tenham mais expressão que os gestos. É preciso abraçar sem unir os corpos, beijar sem tocar a pele. O reencontro com o  seu Brasil desta vez foi diferente, sentiu a falta daquele ambiente alegre e festivo, agora notou-lhe uma apatia, o medo em cada rosto escondido por detrás da máscara. No bairro onde cresceu ouvia-se todo o dia música, agora, ecoa um pesado silêncio por todas as vidas que foram levadas por uma pandemia que não entendem. Chegou como uma onda gigantesca, entrou nos bairros, arrombou as portas, roubou pais aos filhos, roubou filhos aos pais, irmãos, tios, primos, amigos, vizinhos. Também Janice sentiu os efeitos do vírus no seu corpo, sufocando-a. Teve medo, muito medo de nunca mais ver os filhos, os pais, o marido, chorou, rezou, demorou mas passou, sobreviveu. Está de volta a Portugal, um regresso tão diferente da partida. Tem saudade dessa alegria, desse mundo.
10 de Julho 2020, 16:00, Portugal.
Manuel caminha devagar, cansa-se muito, o seu corpo ainda se recente da doença, foram 20 dias nos cuidados intensivos, quando recuperou, teve que reaprender a respirar sozinho, teve que aprender a erguer-se, a mover-se quando o cansaço lhe pesava no corpo e na alma. Por fim chegaram as visitas, precisava tanto dos seus abraços, dos seus sorrisos mas não lhe foi permitido. Vinham com máscaras, viseiras, luvas, batas, pareciam que vinham de outro mundo. Chegou a pensar se era ele que estava noutro mundo. Teria morrido? Questionou-se. Garantiram-lhe que estava vivo. Contaram-lhe que várias pessoas suas conhecidas tinham falecido devido ao Covid-19, sentiu-se quase morrer com a dor de cada partida, amigos, empregados. Teria sido culpa sua, infectou todas essas pessoas? Chorou, pediu perdão. Meses depois continuava a sentir o peso da culpa. Mas ele não sabia que tinha apanhado aquele vírus, não sabia que se transmitia tão facilmente, desconhecia que era tão letal. Nas noites de insónia que eram muitas, continuava a rezar pelos que partiram, continuava a pedir-lhes perdão.
Xin Qian chegou a Portugal, nos placards viu a frase Vai Ficar Tudo Bem, o seu fraco domínio da língua portuguesa fez com que demorasse a entender o que lia. Por fim, sentiu o coração sorrir, uma luz de esperança invadiu-a, pegou na mala e saiu do aeroporto, tinha que acreditar, por ela e por todos o que acreditavam no seu futuro.
Janice saiu do aeroporto devagar, as crianças festejavam a chegada a casa, nas janelas folhas com arco-íris desenhados e a palavra Vai Ficar Tudo Bem, fê-la sorrir, enquanto uma lágrima lhe deslizava silenciosa, o marido abraçou-a e repetiu a frase como quem acredita, Janice acreditou nele, - Sim, Vai Ficar Tudo Bem…
Manuel sentou-se junto do filho de 6 anos, afagou-lhe os ombros e desenhou com ele um arco-íris no papel e uma frase que lhe custou a escrever pela incerteza que lhe toldava o sentir. O filho sorrio-lhe, era um sorriso franco, confiante, - Vai ficar tudo bem, pai. – Sim, vai, filho…