segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Post.it: Da Lapa para o Bairro Alto

Os nossos caminhos são linhas que nos fazem subir, descer, virar à esquerda ou à direita, queremos, mas não somos, senhores do nosso destino. E o meu destino encaminhou-me para novos caminhos. Deixei os lugares amplos e serenos da Lapa e mergulhei, a medo confesso, porque sempre as multidões me causaram algum receio, no Bairro Alto. O primeiro dia foi um baptizado de gente que subia e descia a rua, que vinha de todas as direções para outras tantas, com passos apressados, olhares esfomeados, queriam ver tudo, ouvir, fotografar, fotografar-se, e eu, pobre peão errante, desviava-me de um lado para o outro sentindo-me sempre inoportuna em qualquer sitio onde estivesse, em boa verdade, só queria uma sombra para me abrigar do sol e um banco onde descansar os passos. Claro que estava tudo ocupado, invadido de sons que me chegavam aos ouvidos misturados e sem nexo. Tentei acelerar o passo, fugir dali, encontrar um espaço mais amplo, mais verde e sossegado. Só pensava, “Lapa, minha Lapa, que saudades do Tejo que te banha…”
Quando uma voz me fez levantar o olhar da estreita calçada, “Aqui nós é que tenemos prioridad”. Apeteceu-me sorrir, alguém queria pôr ordem naquele caos  e estabelecer quem devia ir por fora ou por dentro do passeio. De repente percebi que independentemente do lugar onde se está, das pessoas que estão à nossa volta, somos nós tal como estamos e somos que marcamos a diferença, não nos outros, mas na forma como olhamos e sentimos o que nos rodeia. Aqui é preciso estabelecer a “prioridad”, e essa prioridade somos nós enquanto pessoas, pela forma como tocamos e nos deixamos tocar, com um olhar, com uma palavra, com um silêncio… 
Não vale a pena olhar para trás, a Lapa continua lá, no seu sossego, mas o meu lugar agora é aqui neste desassossego onde vou ter de encontrar, nem que seja unicamente em mim, um recanto de paz.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Post.it: O poente dos dias

Gosto das manhãs quando ainda tudo é novo, ainda tudo cheira a começo, a único, quando os sons ainda são de ténues silêncios, quando o tempo ainda não se mede em horas mas em vagas de azul. E mesmo no mês mais quente, no dia mais escaldante, a manhã tem sempre gotas de água humedecendo os extensos prados onde dentro em breve os rebanhos vão pastar. Apetece caminhar descalça e refrescar os pés naquela contrastante humidade, apetece abraçar cada árvore e retirar desse abraço a ternura de natureza tão generosa de cores e de perfumes.
Depois há uma parte do dia em que tudo parece parar, convida-nos a embalar os sentidos, a procurar refúgios para que os sonhos possam abrir as asas e voar. Nem os pássaros se atrevem a sair do ninho, nem os coelhos da toca, está calor, demasiado calor nas terras alentejanas, nem viva alma se vê, nem um silvo se ouve.
Quando a orla da tarde desenha uma sombra na alvura da paredes caiadas. O corpo oferece à dolência um instante de abandono. Porque o caminho de tão quente faz transpirar o alcatrão. Respira-se devagar, um ar que abafa os pulmões. Só os olhos ainda se agitam, ávidos de paisagem, como quem quer beber toda a beleza daquele extenso oásis.
Por fim a  noite já se avizinha, vem sem pressa de chegar, não quis ser trazida pelo vento, preferiu a leve brisa que desliza no tempo  devagar, para apreciar a viagem. Para chegar, naquela hora “dos mágicos cansaços” quando o sol já desfalece em admiração na orla do horizonte, quando quase esmorecendo encontra um último fôlego para deixar na linha do espaço um leve beijo com que recebe a serenidade da noite enquanto o dia já parte no ocaso da vida.


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Post.it: Cedo demais para saudosismos

Não te prendas de tal forma ao passado que te impeça de voar
Não dês asas ao futuro de tal forma que não consigas ter os pés assentes na terra.
É preciso acreditar que a semente que deitamos hoje na terra germina e será uma árvore sólida num amanhã.
É preciso acreditar que mesmo que existam dificuldades, haverá dias mais fáceis em que o sol nos revelará o seu sorriso.
Precisamos acreditar, precisamos ter esperança, precisamos de encontrar seja onde for a força anímica dos nossos passos.
Sei disso, sei-o cada vez mais, quando os problemas me toldam o raciocínio e me roubam as energias necessárias a cada gesto, a cada função do meu dia a dia. Sei-o, quando  a saúde escasseia, quando quase me derrota.
Agarro-me ao passado, como eu era, a alegria, a juventude, a dança primaveril que desconhecia as agruras de cada estação. Estendo os braços para o futuro, esse laço fugidio que qual criança irreverente parece teimar em não se deixar aprisionar.
Ainda é cedo para saudosismos, dizem-me.
Já é tarde para grandes devaneios. 
Mas a verdade é que nunca é cedo para o que é tarde nem tarde para o que é cedo, temos que ser como somos, deixar-nos ir por essa maré em que somos marinheiros de primeira viagem. Aportarmos nos cais do nosso querer, e  por lá fixamos as ancoras de uma felicidade que quem sabe, se a corrente nos for de feição, haverá dias em que nos navegue.