quarta-feira, 30 de novembro de 2011

De esperança naufragada


Nessa margem não há cais,
Nem um porto de abrigo.
Para descansar dos vendavais,
No calor dum abraço amigo.

Voar parece ser o seu fado,
Asas de vento, solidão.
Procurar em todo o lado,
O caminho do coração.

Gaivota que voa perdida.
Pelos céus da madrugada.
Que nos mares desta vida,
Deixou a esperança naufragada.

Mas se alguém a encontrar
Num voar para parte incerta.
Indique-lhe a felicidade dum lar
Deixando-lhe uma janela aberta.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Post.it: Oferece-me um presente

“Oferece-me um presente”, disse-lhe ela num fio de ar que parecia ter dificuldade em sair dos pulmões. Numa breve interrupção do silêncio que não o chegou a perturbar. Assim, tão perto da quadra natalícia, poderíamos ser levados a pensar que era uma prenda, que pedia timidamente a sua voz quase imperceptível. Mas ao observá-la, ao descortinar a penumbra do seu olhar, duvidamos. Ao escutar aquele pedido efectuado sem quase  alento, confirmaríamos. Ninguém  pede uma prenda sem um ímpeto de expectativa antecipando a chegada, sem sentir por ela a presença de sininhos de esperança ressoando na fantasia.
“Oferece-me um presente”. Compreendemos este pedido, este quase apelo de uma  alma que se desnuda. Ela pede-lhe um presente, apenas um presente, sem coragem de pedir igualmente um futuro. Basta-lhe um presente, vivido, sentido, com verdade e esplendor. Um esplendor que se afastou da juventude, mas que ainda lhe corre apaixonado e vibrante nas veias.
“Oferece-me um presente”, insistiu num último resquício de coragem.
Fiquei presa daquela cena, dos seus silêncios constrangedores e anelante por uma resposta que lhe faria sorrir o coração.
Mas preferi afastar-me, deixar no ar a validade de qualquer resposta. Preferi guardar a lembrança como se fosse a última folha amarelecida de Outono. Afastei-me para permitir-me sonhar, que alguém lhe ofereceu realmente um “presente”.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Post.it: Há sempre um olá...

Quantos adeus temos que fazer na vida? Passar pelos momentos, vivê-los, senti-los, darmos o nosso melhor, recebermos, partilharmos e partimos ou partirem de nós. Pode ser triste, devastar-nos ou tornar-nos mais fortes, mais completos, mais ricos na aprendizagem.
Uma amiga minha que tem uns maravilhosos 85 anos, e que é em pessoa, a ternura, a complacência, a tranquilidade, a certeza, a aceitação, a bondade de uma vida aprendida, aproveitada, concretizada. Feliz? Sim, em muitos momentos, diz-me com olhos brilhantes. Olhos de quem viu o mundo, não só o mundo geográfico mas o mundo humano. Invejo-lhe a grandiosidade desse olhar, enquanto o meu ainda se entreabre surpreendido e receoso de encarar a luz que julga ser do sol, mas que é afinal a luminosidade da vida à espera de ser vivida.
“Nunca saberemos onde a vida nos leva e onde estará cada final. Por isso, enquanto aqui estivermos, vamos rir e sonhar que tudo o que possuímos é eterno, que nunca haverá um adeus definitivo para que cada um seja apenas o prelúdio de um novo olá.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Post.it: Dá um passo em frente

Dá um passo em frente. Não te garanto o sucesso do caminho, mas a certeza, a consciência de que não se desistiu da luta, da conquista por um  ideal.
Dá um passo em frente, mesmo que seja um passo hesitante, já é um avanço, quem sabe um começo. O princípio do sonho ou a concretização da realidade.
Dá um passo em frente, mesmo que mais tarde tenhas necessidade de recuar para recuperar o fôlego perdido nessa aventura. Mesmo que tenhas que te afastar para perceber em que direcção deve ser dado o próximo passo.
Dá um passo em frente, porque só quem dá passos é que chega ao futuro. Muitos dirão que parado também se chega lá. Mas a verdade é que o futuro não é uma questão de tempo, do relógio que marca as horas, minutos, segundos de uma forma contínua e alheia à nossa vontade, ou à nossa inércia. O nosso futuro não se define pela mudança das estações. Pelas primaveras que trazem a seu tempo sucessivos invernos. O futuro não se realiza unicamente nas transformações biológicas do nosso corpo. Mas na realização do que somos e do que seremos se dermos um passo em frente.
Dá um passo em frente. Mesmo que seja um passo de cada vez, um passo trémulo e inseguro. Não fiques unicamente à espera que sejam outros passos a ser dados na tua direcção, por mais que seja cómodo ou que aparentemente menos arriscado. Talvez não te apercebas de todos os passos que já fizeram nesse caminho, que já chegaram ao meio da ponte enquanto esperam que tenhas a coragem de completares o restante percurso.
Dá um passo em frente se queres seguir por essa via ou segue noutra direcção que te pareça melhor para chegares à tua meta.
Porque, vás por onde fores, só podes ir, se deres, um passo em frente…

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Post.it: Think different

Todos temos um pouco de génios e de loucos. Mas há quem tenha  muito mais que os outros e da sua loucura surge a genialidade. São loucos porque não aceitam a verdade estabelecida, nem se encaixam na sociedade existente, querem mudá-la. São inadaptados, porque não conseguem acatar as normas que lhes são impostas, que  vêem as coisas de uma forma diferente do comum olhar. São rebeldes porque defendem a mudança e, não se deixam aprisionar pelo status quo.
Podemos contestar, acusar a sua loucura, a sua rebeldia. Até que um dia reconhecemos que são afinal, grandes génios. Porque são eles que empurram para a frente a humanidade. “Porque pessoas que são suficientemente loucas para pensar que podem mudar o mundo são aquelas que o fazem”. Poderemos discordar, recear a sua coragem como se ela fosse o despoletar de uma revolução. E em muitos casos foi mesmo uma revolução: científica, histórica, literária, etc. Não podemos contudo ignorá-los, pelo seu contributo para o desenvolvimento e conhecimento do mundo, para um futuro que foi desenhado num passado distante, mas que continua muito para além de nós. Génios como Copérnico, G. Galileu, F. Bacon, I. Newton, A. Einstein, Pasteur, N. A. Otto, T. Edison, M. Curie ou mais recentemente, S. Jobs. Que ao partir nos deixou um grande desafio “Mantenham-se insatisfeitos, mantenham-se loucos”. Porque ele teve a audácia que poucos têm de, pensar diferente.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Chegada

Dei-te o nome de Chegada
Minha doce alvorada.
Minha esperança de viver,
Um amor sem sofrer.

Mas foste Despedida,
A mais triste partida.
Que o coração chorou,
Quando o sonho naufragou.

Quis-te meu leito, meu cais,
Onde terminam os meus ais.
Mas sem âncora e sem mar,
Onde o sentir se possa agarrar.

Permaneço vida sem norte,
Sem amor e sem sorte.
Mas se surgires um dia,
Quando a manhã se anuncia.

E o horizonte te recordar,
A saudade de regressar.
Para esta canoa  perdida,
Pelos temporais da vida.

Que sonhou com essa margem
Como se fosse final de viagem.
Dei-te o nome de Chegada,
Para que fosses minha enseada.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Post.it: Vestida de noite

É uma mulher normal, todas as manhãs acorda os filhos, dá-lhes o pequeno-almoço e acompanha-os à escola. Depois dorme num horário desencontrado da cidade onde vive. Dorme e sonha, sonhos de liberdade, sonhos de felicidade. E neles vive tudo aquilo que não encontra ao abrir os olhos. Os dias decorrem devagar, sempre coma mesma rotina. A sua alegria é aqueles filhos, fruto de amores e desamores, mas que permanecem filhos muito amados, acima de todas essas tristes lembranças, desaires da sua história.
Um último olhar para o relógio, um último suspiro enviado na direcção da janela que revela o dia a desvanecer-se no horizonte. Despe o sorriso maternal, pinta outro de vermelho no rosto marcado pelo cansaço, veste a noite e para a noite sai, perdendo-se numa qualquer esquina da cidade. Quem se cruza com ela apenas vê um corpo catalogado pelo preconceito e um preço. Mas no seu lar, não muito distante, dormem os filhos que abraça todas as madrugadas quando regressa. Quando despe a noite e se veste de mãe.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Post.it: No fim do túnel

Quando a escuridão nos invade a vida e esta parece uma via sem saída. Quando a estrada nos parece um caminho sem final e sentimos as forças a esvaírem-se. Quando os nossos sonhos nos parecem uma meta inalcançável que quase derrota a nossa vontade. Talvez devamos espreitar o que existe mais além, arriscar e seguir em frente, assumindo o nosso medo. Porque ter coragem não é a ausência do medo mas a capacidade agir apesar dele. Há sempre uma luz, mesmo que seja fraca, mesmo que não seja aquela que procuramos, é um começo. É um passo na direcção que nos conduz a novos horizontes. Se fecharmos os olhos, se baixarmos os braços, se desistirmos de caminhar, nunca saberemos as possibilidades que um dia poderíamos conhecer, os sonhos que teríamos a hipótese de viver, a felicidade que poderíamos alcançar. Não é uma promessa, é um convite para descobrirmos a força que existe em cada um de nós quando julgamos que já não temos nenhuma.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Post.it: Ponto final

Um ponto, uma pequena marca no branco do papel, ou perdido no espaço do ecrã. Quase imperceptível, aparentemente sem significado. Os mais distraídos chamam-lhe de mero borrão, que o incauto escritor ali deixara, sem pretender atribuir-lhe conteúdo algum.
Permanece mudo, mas quer dizer tanto. Permanece estático na sua certeza tão repleta de incertezas. Não adivinha ninguém o quanto foi doloroso a sua colocação nesse final de frase. O quanto foi difícil arrastar a mão tentando obedecer à ordem que o cérebro lhe dá para prosseguir a acção. Enquanto isso, numa força contrária, o coração pede trémulo a suspensão do movimento, o adiar da decisão. Mas depois de tantos encontros e desencontros, nas palavras, nas atitudes, nas razões que cada um evoca e que nela se escuda, incapaz de compreender o sentir do outro, pouco mais resta, do que colocar um ponto final. Porque, para navegar no barco da vida, são necessários dois remos, para que em conjunto rumem no mesmo sentido. Já basta de navegar em círculos, por remar sozinho. Já chega de esperançosas reticências, de vírgulas que apenas acrescentam mais dissonâncias. Parece que nunca, encontraremos um parágrafo escrito ou sentido com o mesmo ideal de coração. Estamos talvez a contar a mesma história com palavras diferentes. Quando a formos ler afirmando que querem dizer o mesmo, verificamos que não a entendemos da mesma forma, que a interpretamos à nossa maneira, sentida e vivida de forma distinta. Porque carregamos connosco, o nosso crescer, as nossas mágoas. Criamos defesas, barreiras quase intransponíveis. Agora que se fala tanto em iliteracia literária, económica, etc.. Estamos, quem sabe, a debatermo-nos com algum tipo de iliteracia sentimental. Por isso tomo a decisão de afirmar, que de hoje em diante, só vou gostar de quem me souber, “ler”.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Post.it: A linha reta

Sempre ouvi dizer que a reta é a distância mais curta entre dois pontos, no entanto, andamos sempre às voltas em busca de algo que  pode estar tão perto. Escolhemos o caminho mais longo, aquele que tem maior número de curvas e declives. Porquê? Questionamos um dia quando tomamos consciência de que tornámos tudo muito mais difícil. Mas o que fazer se temos este espírito inquieto, insatisfeito, se vivemos nesta busca incessante de novos desafios? O impossível atrai-nos, o fácil deixa-nos na monotonia. “O pecado me atrai, o que é proibido me fascina”. Somos conquistadores, caçadores. Quando a sorte nos bate à porta, desconfiamos e não abrimos. Se ela espreita pela janela, criamos muros à nossa volta. Se o amor nos chama, tapamos os ouvidos, não acreditamos na sua lealdade ou receamos a sua finitude. Será que se esqueceram de nos ensinar a regra básica de que a reta ainda é a distância mais curta entre dois pontos? Afinal o que desejamos pode estar perto enquanto nos perdemos a buscá-lo mais além, no quase infinito.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Post.it: Se tivesse tempo

Gostava de ter tempo para brincar com o tempo. Porque ele é apenas uma criança irrequieta sempre desejosa de brincar connosco. Se não tivesse um limite de tempo, deixava que partisses, porque sabia que um dia voltarias, nas asas do tempo. Porque o tempo tem asas. Mas sinto que na maior parte das vezes que as usa para se afastar de mim, para me roubar o pouco tempo que tenho. Sim, porque o tempo é sempre pouco para quem tem muito para viver. Quem quer chegar mais alto, ao lugar onde habitam os sonhos, esses que sonhamos de olhos bem abertos para os ver e depois correr atrás deles para os concretizar, para os tornar a nossa realidade. Quem me dera ter tempo, um tempo que talvez não fosse eternidade, apenas um pouco de tempo para me encontrar no teu tempo. Para ter o teu tempo, para ser por um momento, um pouco do teu tempo. Se isso acontecesse poderia acabar o tempo, porque já não precisava de mais tempo. Já tinha vivido nesse instante todo o tempo do mundo, tudo o resto seria o início de um tempo em que tudo cairia no esquecimento, como não quero esquecer, escolho permanecer para sempre neste tempo, como se ele fosse o nosso tempo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Post.it: Gerundina

Chamavam-lhe assim, não chegava a ser ofensa, mas uma característica que de imediato a identificava. Quem ouvia esta alcunha pela primeira vez, questionava, seria o seu nome? Algo estranho, mas há tantos nomes peculiares. Gerundina sorria e sem embaraços esclarecia o equivoco. O nome de Gerundina vinha de gerúndio, um tempo verbal que indica uma acção em andamento que nunca se sabe quando chega ao final. Gerundina nunca estava bem nem mal, “ia andando”. Sempre cheia de problemas que se iam “resolvendo”, sem pressa, de dar lugar a outros. Gerundina trabalhava num pequeno escritório, as resmas de papeis iam acumulando-se na sua secretária com tarefas para “ir fazendo”. Gerundina namorava, sonhava com o casamento, mas enquanto o noivo não se resolvia, dizia com um sorriso maroto, “vamos casando” e quanto a filhos? Perguntavam-lhe. Encolhia os ombros, “estamos tentando”. – Não há pressa comprámos agora casa que ainda estamos “pagando”. Passaram-se anos, muitos anos, voltei a encontrar a Gerundina, perguntei-lhe como estava, “envelhecendo” respondeu-me. Trabalha no mesmo escritório de papeis amontoados, continua “casando”, os filhos vão “crescendo”, as dividas “aumentando”, os cabelos “branqueando” mas os olhos continuam “brilhando” porque o seu coração continua “sonhando”. Gerundina vestiu a alcunha que lhe deram, vive a vida devagar, como ela diz ainda com o mesmo sorriso maroto, para a ir “saboreando”.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Sol da minha noite

Vou amar-te,
Por toda a vida que viver.
Por todo o dia que amanhecer.
Por cada vez que sem ti adormecer.

Vou amar-te,
Porque és o sol da minha noite.
Porque és a paz do meu horizonte.
És da minha inspiração a fonte.

Vou amar-te,
Como se fosses a minha eternidade,
Como se fosses a minha felicidade
Ou no final apenas a minha saudade.

Vou amar-te,
Porque és o meu último alento.
A doçura do meu sentimento.
A esperança dum único momento.

Vou amar-te,
Na ilusão de um amor eleito.
Que permanece sem ser desfeito.
Porque no coração é um amor-perfeito.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Post.it: Que vais fazer no sábado?

Foi a pergunta que me fizeste, num quase silêncio, que não sei o que significava. Um convite, um impasse adiado, uma vontade de chegar e desenhar o caminho? Ficou no ar, sem resposta igualmente concreta. Uma resposta que se tornou adivinhação. Porque sábado nada vou fazer de especial, talvez desenhar os passos sem rumo, seguir em frente, porque só o futuro se constrói, depois do que já está feito e desfeito. Caminhar como quem desiste de si, dos seus sonhos, projectos, desejos. Desistir do tempo em que esperava transformar o eu num plural, mas que se quedou uma vez mais singular. Quem espera, espera porque sonha, idealiza e de tanto fantasiar, um dia acredita que será a sua realidade. No entretanto, engolia as lágrimas, disfarçava o timbre da voz magoada, contraia um sorriso, inventava uma gargalhada. E tu acreditavas no que te dizia sem escutares o que o silêncio calava. Que vou fazer no sábado? Talvez dormir, talvez sonhar, que um dia, o  sábado seja como o domingo e  como todos os outros dias, igualmente, especiais…

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Post.it: A oferta de um verbo

Outro dia alguém disse-me, “não sei quem és, pouco sei sobre ti”. Contive uma exclamação de surpresa, que queria gritar, como é possível? Derramo-me em cada gesto, em cada olhar, em cada abraço, em cada palavra. Que mais posso fazer se sou um livro aberto à espera de ser lido? Se sou um olhar atento à espera de outro olhar que me queria ver. Se sou um abraço estendido à espera de ser abraçado. Se sou as palavras que formaram o lago,  que crescem formando um rio,  transformando-se num mar em busca de cada oceano. Então entendi, por mais que sejamos claros como as águas, que desvendemos a limpidez  do  céu azul, nunca chegaremos às profundezas marinhas nem às estrelas do universo, sozinhos. Cabe a cada um trazer de si mais uma gota, contribuir para  a onda que nos leva até um porto seguro. Cabe a cada um trazer uma estrela para ser mais uma luz na nossa vida. Cabe a cada um conjugar cada palavra, entender cada frase e oferecer de volta, um verbo. Seja ele qual for, desde que venha do coração.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Post.it: Do ocaso ao Homem

De que somos feitos? De pó, de sol, de vento, de chuva, de semente lançada no espaço que encontrou no ocaso o seu início. Somos filhos das estrelas, da explosão de vida que em outra vida se transforma num ciclo interminável de confluências e dissonâncias.
Somos filhos do sol e da sombra. Temos nos genes o medo e a coragem. O ímpeto que nos faz chegar mais além do aquém que já fomos. Somos esse grão que nos fez crescer rocha e dessa gota que nos fez dilatar em mar, dessa brisa que nos elevou a vento, que se perpetuou em eco na caverna do conhecimento de onde saímos. Engrandecemos, multiplicamo-nos, propagamo-nos na tentativa de vencer as nossas limitações e conquistar a eternidade. Porque sabemos que é longo o caminho a percorrer para nos tornarmos merecedores da vida que nos fez nascer. Erguemo-nos, transportamos as lições dos antepassados e construímos as que irão ser aprendidas pelos vindouros. Cada passo é uma vitória, uma conquista do universo que nos deu a missão de cuidar dele, que foi o nosso berço e permanece o nosso lar.
Um dia iniciaremos a viagem de regresso a esse berço e reencontraremos no ocaso a essência do que somos, esse pó, esse sol, esse vento, essa chuva, esse pequeno nada de universo.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Post.it: Quando estou "deprê"

Hoje estou mesmo deprê,  digo enquanto espreguiço o olhar para a montra de doces. Não sou gulosa mas sinto o coração amargo, preciso de o adoçar, de o compensar. A minha amiga segue a direcção dos meus olhos e rende-se ao fascínio do açúcar.
– Eu já sou deprê, que me aconselhas, um de cada?  Aponta para o balcão e afirma:
 – Não sei se é suficiente para me alegrar a alma.
– Deixa-te de exageros. Replico meio distraída, enquanto faço a minha opção. Não sou uma cliente  fácil de pastelaria, acho tudo demasiado doce.
– Exagero?  Volta a retorquir. - Mas tu não sabes que vejo tudo pela negativa? Bem nem podia ser de outra forma porque tudo me acontece!
– Ok, ok”. Começo a exasperar, será que não há nada com bom aspecto e que não me encha de colesterol? Estou mesmo deprê, não costumo ser assim tão indecisa. – Mas dizia, não acho que sejas uma pessoa assim tão negativa. Bom tirando o facto de seres acérrima devota das tempestades e de tudo o que lhe diz respeito, chuva, vento, trovoada  e afins.
– Vês? Começas a reconhecer, vou mudar o nome para Deprê! Até soa a francês!
Pronto, decidi, fico-me pelo café, afinal não é com doses de doce que vou dulcificar o coração. – Sabes o que te digo? Só precisas que o sol entre na tua vida. Talvez procures a escuridão dos dias cinzentos porque assim não tens que ver quem quer iluminar a tua vida. Talvez gostes das sombras porque não tens coragem para sair delas e esperas que seja alguém a tirar-te de lá. Lança-me um olhar fulminante.
– Estás enganada, tenho coragem para lutar pelo que quero, mas não consigo é encontrar por quem lutar!.
– Será? Já beberico o café. – Será que não te estás a enganar a ti própria? Procuras um amor-perfeito. Isso existe? Tu por acaso és perfeita? Então porque exiges a perfeição dos outros? Enquanto deixas passar por ti lindos amores que mesmo imperfeitos podiam fazer-te feliz e afastar a nuvem cinzenta do teu viver.
Nunca ouviste a frase “Posso não ser o melhor, mas sou o melhor para ti”
Ignorando o meu comentário prosseguiu.
- Já escolhi, quero um pastel de nata, e uma garrafa de leite com chocolate e já agora dás-me o teu pacote de açúcar que não usas? Preciso mesmo de muito doce para adoçar o coração e começar a olhar para o que está perto e deixar de sonhar com o que está longe, para lá das estrelas.
Por vezes, somos nós que não sabemos escrever nas linhas do destino...

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Post.it: Desencontrada do luar

Um dia vou esquecer essa vaga de mar que por momentos se estendeu sobre o areal rendilhada de esperança. Um dia vou esquecer o luar e as estrelas que desenharam o seu rosto como se fosse eterno. Um dia vou apagar todas as palavras que lhe escrevi e que senti, talhadas nas células do meu ser. Um dia vou caminhar mais leve sem a sua lembrança. Mas até lá vou continuar a sonhar sonhos impossíveis. Bem sei que dizem que nada é impossível, mas é, quando os desejos andam desencontrados  nas fases da lua. Em algum lugar, cruzámos o olhar para logo de seguida continuarmos a viagem. No entanto, sem razão aparente, ficámos prisioneiros daquela miragem que nos deixa ávidos de uma história que começamos a escrever. Preparo o lar do meu peito para nele te alojar. Preparo o carinho para de ti cuidar. Preparo a saudade para  te oferecer em felicidade. Preparo a vida para contigo a viver, quando um dia o teu luar me iluminar.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Post.it: Castelos de areia

No percurso da vida construímos modelos, sonhos, ideais. Por vezes quase vislumbramos algo que se aproxima, que toca a orla da nossa utópica esperança. Ficamos sem ar de tão expectantes. O coração agita-se dentro do peito, como se fosse um órfão perante a possibilidade de encontrar um lar feliz. Estendemos os braços, abraçamos a hipótese com toda a força dos sentidos. Acreditamos e entregamos as nossas sensações, sonhos sonhados em tantas noites de solidão. Porém o tempo irá encarregar-se de derrubar os nossos castelos de areia, aqueles que em algum momento tentámos habitar. O modelo não se ajusta por completo, as peças da vida não se encaixam adequadamente. E a chama que quase nos incendiou o peito e toldou a razão, abranda e dissipa-se qual nevoeiro repentino que dança por momentos sobre a praia.
A realidade torna-se o choque do confronto, começa a doer como se fosse um fracassado intento, enquanto as palavras esvaziam-se de sentido e o silêncio conquista cada vez maior espaço. As emoções esvoaçam como andorinhas encandeadas com os reflexos do sol no mar. Batem as asas, confundem as direcções, quase chocam entre si. O coração fervilha numa turbilhão de decisões, grita não, à distância que aumenta, lança braços a bóias sem ar. Até que por fim deixa de lutar, deixa-se naufragar. Já nada faz sentido e é preciso arrumar o sentir, recolher os cacos de vida para os colar com a cola da esperança.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Post.it: A resposta...

Ela veio em silêncio e no mesmo silêncio entregou-me uma carta aberta, lida. Disse-me a expressão desiludida do seu rosto. Li-a e dei voz ao silêncio, transcrevendo o seu sentir. Era a resposta à sua “ridícula” carta de amor… “Li a tua carta, tinha-me prometido que não o faria. Preferia imaginar o seu conteúdo, como se fossem sonhos possíveis. Como se fosse o outro lado do arco-íris, onde diz o mito, encontra-se o pote dos desejos. Mas faltou-me a coragem de ser corajosa. Travei uma luta desigual entre a esperança e a razão, deixei-me vencer. Li a tua carta, não tinha nada do que queria ler ou, talvez tivesse tudo o que esse nada disse. Não tinha o queria ler, talvez porque não tivesses nada para me dizer. Com muita pena minha, sem nenhuma pena tua”. 
Que dizer a esta amiga,  que me entregava aberta uma carta, que me entregava aberto um coração desiludido. Dobrei-a, entreguei-lha, com um abraço de conforto. Continuarão a escrever cartas, até que um dia deixem de ser cartas paralelas e passem a ser a continuação uma da outra. Que ambas as cartas escrevam a mesma história num tempo verbal que não fale de passado mas que se conjugue no presente e tenha coragem de esboçar um futuro. Porque certamente o querem muito, mas mesmo muito…

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Post.it: Alzheimer: um contínuo adeus

Minha querida amiga, há quanto tempo não nos reencontrávamos? Não há mais de um ano. E durante esse tão curto período em que para mim pouco ou nada mudou, alterou-se por completo a sua vida.
Olhou-me e não me reconheceu, reapresentei-me, mas o meu nome, o meu rosto caiu no seu interior sem encontrar eco na lembrança. Entristeceu-me aquele momento, aquele impasse em que buscava memórias que tinham desaparecido.
 Lembro-me que a minha chegada era para si uma quase festa, celebrada por largos instantes, por um olhar curioso que me questionava: como estava, o que andava a fazer, queria saber as notícias e contar-me as novidades. Hoje o seu olhar é vago ao encontrar o meu rosto, agora desconhecido. No entanto mantêm a mesma ternura, a mesma afabilidade para com uma estranha que sente, em algum momento teve um espaço na sua vida.
 Alzheimer, essa doença que a invade e lhe rouba o maior tesouro que vamos construindo e guardando ao longo da nossa existência. Lembranças de momentos que fazem a nossa história composta de amores, filhos, netos e amigos que partem sem partir.
Consola-me ver a sua doçura sem mágoa e a certeza de que mesmo sem saber nem questionar o porquê,  continua a amar-nos.