terça-feira, 15 de novembro de 2011

Post.it: Gerundina

Chamavam-lhe assim, não chegava a ser ofensa, mas uma característica que de imediato a identificava. Quem ouvia esta alcunha pela primeira vez, questionava, seria o seu nome? Algo estranho, mas há tantos nomes peculiares. Gerundina sorria e sem embaraços esclarecia o equivoco. O nome de Gerundina vinha de gerúndio, um tempo verbal que indica uma acção em andamento que nunca se sabe quando chega ao final. Gerundina nunca estava bem nem mal, “ia andando”. Sempre cheia de problemas que se iam “resolvendo”, sem pressa, de dar lugar a outros. Gerundina trabalhava num pequeno escritório, as resmas de papeis iam acumulando-se na sua secretária com tarefas para “ir fazendo”. Gerundina namorava, sonhava com o casamento, mas enquanto o noivo não se resolvia, dizia com um sorriso maroto, “vamos casando” e quanto a filhos? Perguntavam-lhe. Encolhia os ombros, “estamos tentando”. – Não há pressa comprámos agora casa que ainda estamos “pagando”. Passaram-se anos, muitos anos, voltei a encontrar a Gerundina, perguntei-lhe como estava, “envelhecendo” respondeu-me. Trabalha no mesmo escritório de papeis amontoados, continua “casando”, os filhos vão “crescendo”, as dividas “aumentando”, os cabelos “branqueando” mas os olhos continuam “brilhando” porque o seu coração continua “sonhando”. Gerundina vestiu a alcunha que lhe deram, vive a vida devagar, como ela diz ainda com o mesmo sorriso maroto, para a ir “saboreando”.

8 comentários:

  1. Anónimo15.11.11

    Será que alguém leu e não se sentiu identificada em algum detalhe? Faz parte de nós, não sermos concretos, usarmos e abusarmos do gerúndio, com receio de espantar a felicidade. Não estamos felizes, estamos “tentando” Bjs, A.

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  2. Anónimo15.11.11

    Gerundina, que apelido engraçado, quase que podia ser nacionalizado, porque nós portugueses, pessimistas por natureza somos também Gerundinas. Beijocas C.

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  3. Anónimo15.11.11

    Minha querida, gostei da Gerundina, em certas respostas revi-me nela e soltei uma gargalhada. Nem me tinha apercebido da quantidade de vezes que uso o gerúndio. Quase que também podia ter a alcunha de Gerundina. Um grande beijo. Adelaide

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  4. Anónimo15.11.11

    Este post está um mimo, esta Gerundina um encanto, gostava de a conhecer. Imagino-a rosada e sempre sorridente. Mas ela é que tem razão, a vida deve viver-se sem pressa, deve-se ir saboreando.

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  5. Anónimo15.11.11

    Adorei conhecer esta Gerundina, há muitas assim, eu confesso que também lhe copio alguns gerúndios. Nunca tenho a certeza de que está tudo bem ou tudo mal, é um misto indefinido de estados, “olha vamos andando” Bj, Amália

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  6. Anónimo15.11.11

    Mais um daqueles post, que ficamos divertidos e simultaneamente arrebatados.

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  7. Anónimo15.11.11

    O gerúndio é uma forma muito portuguesa de falar. Uma harmoniosa mistura de pessimismo e esperança inconfessada. Nunca estamos bem, vamos indo. Nunca estamos realizados, vamos tentando. Este pequeno trecho é uma perfeita elucidação desta atitude nacional. Um abraço, Antero

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  8. Anónimo15.11.11

    Adorei a Gerundina, quase a visualizei, bem portuguesa, no estilo de ser e de falar.

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