quarta-feira, 28 de março de 2018

Post.it: Momentos

Por vezes agarramos o momento, mas o momento não era o nosso. Por vezes deixamos passar o momento quando o devíamos ter detido porque ele era, o nosso momento. É difícil gerir os momentos ou saber em que momento estamos.
E nesse decidir ou hesitar, eis que por nós passa a vida, como se fosse uma passadeira rolante com tantos momentos à nossa escolha e,  nós sem saber qual escolher.
Será pontaria?
Será do dia?
Será sorte ou azar?
Algo que anda no ar?
Rapidez, lentidão?
Escolher com a cabeça ou o coração?
Tão pouco sabemos, mas lá vamos vivendo, entre o certo e o errado, tentamos, sem conseguirmos passar nos intervalos da chuva sem nos molharmos, sem sofrermos a consequência das nossas escolhas. Claro que por vezes, muitas vezes, essas escolhas trazem-nos por consequência a alegria impar de nos abraçar e fazer-nos sentir afortunadas. 
Mas outras tantas vezes o cansaço de tantas escolhas, de tantos momentos,  diz-nos para nada fazermos, deixarmos a sorte navegar, quem sabe em vez de escolhermos, sejamos escolhidos, em vez de decidirmos, decidam por nós. Mas até isso é uma decisão, até isso é um momento, aquele em que resolvemos não agir quando, era mesmo ali que devíamos ter agido, escolhido, para vivermos o melhor possível, o momento.


sexta-feira, 23 de março de 2018

Port.it: Filas de trânsito

O trânsito está péssimo! Os combustíveis baixaram, o preço dos carros baixou, as cartas de condução baixaram, a crise “passou”. De repente tudo aumentou, a estatística dos acidentes, o número de carros em circulação, todos os membros da família na mesma casa passaram a ter carro, e que juntando ao seu carro ainda trás para casa o carro do serviço, os estacionamento diminuiu, as filas de trânsito aumentaram. “Levanto-me cada vez mais cedo, saio de casa muito antes do que antes saia e chego ao emprego cada vez mais tarde!”
 “Antigamente a fila de carros parecia apenas uma minhoca, agora são enormes serpentes”, comenta uma amiga.
Bem, do mal o menos, dá para ir apreciando a paisagem e de vez em quando para bisbilhotar os hábitos dos vizinhos de viagem, no carro vermelho ao lado (não se pode falar de marcas) 2 crianças dormem nas suas cadeirinhas, vão para o infantário, ou para a casa da avó? O veículo que está na faixa da esquerda fala sozinho e esbraceja, deve estar a falar para o telemóvel, hoje em dia já ninguém fala sozinho, há sempre um outro alguém do outro lado da linha.
À minha frente uma nuvem de fumo invade o habitáculo do veículo, por instantes assusto-me, mas depois percebo que é uma nuvem tabágica. O vizinho de trás vai bebendo um iogurte enquanto a mulher aproveita para fazer a maquilhagem que não teve tempo em casa. A fila anda um pouco e mudo de vizinhança, os da direita parecem estar a dormir de olhos abertos de tão estáticos que estão, o da esquerda debate-se com as andanças do seu cachorro dentro do veículo tentando a todo o custo passar para o volante fazendo as vezes do motorista, deve estar a pensar que quem sabe ele conduza mais depressa que o seu dono.
O sol brilha, uma quase raridade por estes dias de um inverno que nos tem chegado em versão condensada. Lá mais a diante no horizonte, um arco-íris com a beleza de todas as suas cores. Mas eis que de repente uma escuridão se aproxima, “vem lá chuva” dizem os olhares inquietos dos meus vizinhos. Quando atónica vejo uma nuvem pesada e grande que se vem aproximando devagar, desfilando graciosa, passa por mim no seu céu límpido e sem filas de trânsito para a minha frente. Alguém comenta, “Bolas até fui ultrapassada por uma nuvem”!

segunda-feira, 19 de março de 2018

Post.it: o último dia de Inverno

Hoje o calendário diz que é o último dia de Inverno,  apesar de ter sido uma estação cheia de “personalidade”, deixa-nos certamente alguma incerteza, será que para o ano regressa?
Porque, admitamos,  nunca um inverno foi tão desejado, tão esperado, tão ansiado,  segundo sei, chegaram a fazer missas, procissões, e longas e fervorosas orações.
Queríamos que viesse, mesmo que isso implicasse trazer a “família” e os “ amigos” em forma de ventos, tempestades,  trovoadas. E assim ela trouxe a Ana que nos abanou logo no início do ano, depois o Bruno, mais suave mas bem presente, o David não faltou à festa e deixou breves memórias, quanto à Ema a ilha da Madeira não se esquece dela nos tempos mais próximos, já o Continente sentiu bem a estadia do Félix, a última visita deste Inverno foi a Gisele que não se fez rogada em gargalhadas de vento e longos abraços marítimos. As consequências foram variadas e mal nos deixava um, ainda mal recuperados, já outro nos entrava pela casa a dentro, abanando portas e janelas, criando inundações, partindo vidros, arrancando telhados, dando asas às árvores e ondas aos rios mais serenos.
Foi realmente um inverno inusitado, dizem os estudiosos destes fenómenos meteorológicos que o futuro estará repleto deles.
Mas apesar de todos os problemas que causou, precisávamos deste Inverno, talvez não tão acentuado, mas precisávamos dele para evitar a seca, para nos apagar os fogos da lembrança, da dor que o verão deixou neste país escuro de queimada e de mágoa. Mas precisávamos dele também para nos trazer a Primavera, para que as flores voltem a desabrochar, para que as andorinhas nos voltem a visitar, para que os ninhos voltem a ter ovos, para que as abelhas voltem a produzir mel que nos faça esquecer de todo o fel.
Hoje também é dia Do Pai, fez-me lembrar uma história que me contaram em  criança,  “O Inverno era um pai, por vezes com voz forte e autoritária, mas também oferecendo caricias de chuva. Que a Primavera era a sua esposa e a mãe da natureza, quanto aos filhos: Verão, sempre rebelde, rasgando as ondas com o seu sorriso e uma quente e eterna jovialidade; o Outono, mais atinado, calmo, obediente, dando ares do pai nos tons cinzentos do céu, mas também parecendo-se com a mãe na forma como acalenta as folhas caídas sobre o chão”.
Uma família como a nossa, em que cada um com as suas características, cumpre o seu papel. Agradecemos ao Inverno a tarefa árdua de “regar” este jardim que é a terra e desejamos que as outras estações venham também elas na sua faceta de dar continuidade à subsistência da vida neste Planeta, quanto a nós, também temos um importante papel, o de respeitar e conservar o  meio ambiente, que é o nosso lar.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Post.it: Faz de conta...

Apõe-se no meu braço D. Joana. E ela apoia-se, mas nenhum apoio lhe é suficiente, os pés sem quererem caminhar, não lhe obedecem, o corpo não se move e a voz outrora sempre tão faladora faz um silêncio sepulcral.
 Páro, olho-a, as lágrimas deslizam-lhe pelo rosto e, no entanto, nem uma palavra, nem uma queixa.
A Dona Joana vai para um lar de idosos, hoje em dia têm nomes tão pomposos que  quase imaginamos uma estância de férias, mas não são; como a D. Joana diz, “são armazéns de velhos”.
Quer sair de casa, ou melhor não quer, precisa. Os filhos não podem cuidar dela, o marido partiu e ela hoje mais do que nunca, deseja ir para junto dele. Só conheceu duas casas, a da sua infância que era a casa dos pais e depois a sua, para onde foi depois de se casar, ali cresceram os filhos e os netos. Aquelas paredes contam histórias, no corredor ainda ouve os passos em corridas das crianças. Nos soalhos da sala ainda é visível a nódoa gasta de tão esfregada, quando o filho mais velho entornou a travessa do cabrito assado, foi um susto, se ele se queimasse, mas não, acabou tudo em risota, enquanto ele chorava, não de dor mas por pena de ter ficado sem refeição, foi um almoço de Páscoa diferente, feito de pizzas descongeladas à última hora.
Este ano também a Páscoa será diferente, sem filhos, sem netos, à volta da mesa, só rostos estranhos, com ar de condenados por um crime que desconhecem ter cometido. E à noite o quarto será partilhado com alguém a quem o destino sempre diferente, de repente, tornou-se comum. Talvez rezem juntas, talvez chorem juntas, talvez sonhem o mesmo sonho. Estão nas suas casas, com as suas famílias…
- Vamos D. Joana, a sua filha está lá, em baixo no carro, à espera.
Porque nem ela conseguiu arranjar coragem para ver a mãe sair daquela casa onde sempre a viu abrindo-lhe a porta, recebendo-a com um sorriso, beijos e abraços. – Ó mãe só fui passar o fim-de-semana fora. – Eu sei, mas no coração de mãe, as saudades não se medem em tempo mas em distância, e tu estavas muito longe, não te conseguia abraçar.
- Vamos D. Joana, deixe-me só fechar a porta. 
- Não, não feches a porta. Deixa-me fazer de conta que vou só ali e já volto…

segunda-feira, 12 de março de 2018

Post.it: Perder o medo

Um dia, deixamos de ter 20 anos e, de repente, os 30 anos já passaram. Os 40, foram um saltinho, apenas um saltinho para os 50. Assim nos foi a vida, um carrossel giratório, uma montanha russa de altos e baixos, de curvas apertadas. Quantas vezes pensamos que ia ser o colapso, mas não. Foi apenas o começo de novos momentos.
Contaram-me em miúda uma história… Havia um menino a quem o Medo chateava e humilhava com brincadeiras que o deixavam triste e só. Um dia ele decidiu combater o Medo à sua maneira e dai em diante ignorou-o, desprezou-o como se ele não existisse. O Medo remetido à solidão, ficou fraco e triste, primeiro, encolheu-se num canto, depois, foi-se embora e segundo dizem, nunca mais ninguém o viu. Moral da história, porque estas histórias tinham sempre uma, o miúdo tinha medo de quase tudo, mas cansou-se de ser gozado pela sua “fraqueza”, por isso, escondeu o medo no recanto mais profundo do seu ser e dessa forma, revelou uma força de vontade capaz de superar o seu medo e, daí em diante, todos os o invejaram e o João-com-medo passou a ser chamado João- coragem.
Histórias infantis, pequenas lições de crescimento. Porque um dia, seja ele qual for, todos nós “esconderemos” os nossos medos para que eles não nos dominem e, nessa altura, vinda não se sabe de onde, surgirá a nossa coragem.
É quando vamos perceber que, na vida, o importante não é ter ou querer ter muito, mas que o suficiente nos basta. Desde que tenhamos tentado tudo para vencer.
Que somos felizes com tudo o que temos, que amamos o que devíamos e, se perdemos, perdemos apenas o que, no fundo, nunca foi nosso.
Perdemos o medo, mas em troca ganhámos a coragem.


terça-feira, 6 de março de 2018

Quase segredo

Não chega a ser segredo,
Esse trépido e doce medo,
Em que a alma quase nua,
Dança suave na luz da lua.

Por entre a sombra do amor
Debruça-se em haste de flor.
Tão simples, quase desajeitado
Mas serenamente, encantado.

Lábios sedentos de mil fontes,
Gestos ávidos de horizontes,
Só o luar não ilumina os corações,
De olhos que são constelações.

Depois alegres em sonhos cansados,
Adormecem o amor ainda abraçados.
Se a vida fosse flor, seria malmequer,
Despetalada ganharia o bem-me-quer.




sexta-feira, 2 de março de 2018

Post.it: Dramas de uma mulher do século XXI

Sou uma mulher ciumenta, assumo! Mas que fazer sinto-me demasiadas vezes sozinha, traída, abandonada, esquecida…
O meu marido fica horas a ver televisão, sobretudo os jogos de futebol, o meu filho leva o dia inteiro a jogar na consola de jogos, a miúda está sempre a teclar no smartphone conversando com as amigas, até o mais pequeno prefere brincar com o tablet do que ir correr no parque, porque está sol, está frio, sei lá que mais...
Outro dia fui ao médico, que diga-se em boa verdade também não me ligou a mínima, entrei e mal me olhou, baixou os óculos “tirou-me as medidas” e  voltou a fixar o olhar no computador, - Ora diga lá o que a traz cá.
-  Cansaço, tristeza, solidão, uma dorzita aqui, outra acolá… Respondi-lhe.
Não me deu resposta, escreveu, escreveu e depois tentou imprimir uma receita para me  despachar, a consulta só pode demorar no máximo 15 minutos,  mas a impressora não quis colaborar, teve um bloqueio “existencial” e lá ficámos ambos a olhar com curiosidade para ver se a dita  cuja, maquineta ia ou não “cuspir” a folha com o nome do remédio milagroso para as minhas maleitas. Coisas “próprias da idade” dizem-me para me consolar, mas tenho para mim que a causa principal, está nas novas tecnologias que me vão fazendo sentir cada vez mais “dispensável”. Confesso já lhes tenho raiva, fico furiosa de ciúmes!
Uma noite destas quando estava com uma das minhas insónias, o meu marido deixou escapar num suspiro o nome de uma Sofia enquanto sonhava, surpreendida, abaneio até o acordar.
- Estavas a sonhar com uma Sofia? Quem é essa?
Estremunhado de sono e surpresa, disse que no seu sonho estava na web summit a falar com a robot Sophia, aquela criatura de inteligência artificial que disse com ar arrogante que nos vinha roubar os empregos, mas será que também vem “roubar” maridos?
Desabafei com uma amiga os dissabores da minha vida, mas ela estava demasiado ocupada em encontrar no GPS uma forma mais rápida de ir até ao centro comercial fazer compras.
Cheguei a casa a atirei-me para cima do sofá, quase de imediato recebi o meu cachorro aos pulos sobre mim.
– Só tu é que me ligas não é meu cãozinho?
Como se me quisesse dizer algo, lambeu-me a cara e correu para a máquina lançadora de bolas automático, num apelo saltitante.
– Ok, já percebi, queres que ligue a maquineta para jogares à bola, não é? Nem tu precisas de mim para  brincar, basta que ligue o botão e ficas horas a apanhar bolas que a dita máquina te lança. 
Bom, do mal, o menos, pelo menos não preciso de cozinhar, a Bimby encarrega-se disso. Ponho a roupa na máquina e ela lava-a, tiro dessa e coloco na outra que a seca. A loiça também vai para a máquina e pronto fico com mais tempo para conversar com… alguém, no facebook.