terça-feira, 23 de novembro de 2021

Post.it: Esquecidos

Esquecidos não são os que se esquecem das coisas, mas os que não são lembrados. A memória tem dessas coisas, lembra quem quer lembrar sem razões para isso evocar. 
Chamar-lhe-ia um acto de egoísmo se não fosse saber que é apenas um acto do cérebro que, de forma voluntária ou involuntária resolveu simplesmente, esquecer! 
Esquece o passado, que apaga o presente e que nos rouba os planos para o futuro. E no entanto cruzamo-nos uns com os outros, até sabemos cada nome sem conhecer o conteúdo desse nome. 
Talvez algo nos leve a pensar que  são apenas letras roubadas ao alfabeto, mas  não, são muito mais que isso, são um  caminho que fizemos juntos, e depois ainda dizem que não tenho sentido de orientação, os outros têm esse gps interior que os leva a todo o lado, a grande questão é querer, é lembrar do que nos foi comum. 
Talvez seja culpa de quem foi esquecido por nunca se fazer lembrado, por já não oferecer risos, por não partilhar emoções, eramos tão somente a voz calada, obediente e boa ouvinte e o quase silêncio só de vez em quando interrompido – Olhe, tem um comprimido para a gripe? E eu tinha ou ia rapidamente comprá-lo.
Alguma vez me perguntou se eu estava bem? Não me recordo, não por me ter esquecido, mas apenas por ter sido mais uma vez esquecida. 
Tanto esquecimento assim junto, faz-me duvidar de tudo e já me pergunto se o que aconteceu terá mesmo acontecido. 
Será que fui eu que lhe pedi um comprimido para a gripe, será que foi ele quem foi rapidamente à farmácia comprá-lo? 
Não claro que não, aconteceu tal como me lembro. Tal como me ficou na memória, com amizade, algo que se vai diluindo, porque também o cérebro, esse guardião das lembranças boas e más, precisa de espaço para guardar novas e apagar as antigas, as sem valor.
Cresce-me alguma tristeza, que só não me entristece mais, porque sei que algures pelo caminho, também essa tristeza vou esquecer.



segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Post.it: Renovação dos votos

As flores, os caminhos as noites, os dias, os olhares, as mãos entrelaçadas, as chuva copiosa a descer a calçada. A tua pele despida, a tua voz murmurando o meu nome.
Resta-nos o silêncio só interrompido por banalidades. E de repente o romance passa a ser preenchido por esse pequenos nadas, que nos alimenta a saudade de nós, como eramos dantes. 
Aprendemos que deve ser assim em nome da paz e da amizade que começa a substituir o amor. Começo a questionar-me, quando, como, sem encontrar respostas.
Onde nos perdemos? Talvez no reencontro desse novo nós. Curiosamente, não me magoa, esta nova situação. Acabo por a sentir tão doce, tão calma, é como se caminhasse no escuro sem receio, porque já conheço o caminho, cada sinuosidade, cada tonalidade. Os amigos dizem que nos acomodámos, mas dizem-nos como se isso fosse negativo. 
Acento vagarosamente com a cabeça, sim acomodámo-nos, um ao outro como a mão à luva, cabendo cordialmente uma na outra.
Sim é verdade, o mundo perdeu as nuances vibrantes de cor, de calor, agora,  vemos as coisas mais em tom pastel. O meu amigo Ferreira, homem das tiradas filosóficas repete em tom de sabedoria, “dantes perdíamos a calma, agora ganhamos a alma”.
Adormeço na mesma cama, há quantos anos? 50 anos, dizes resmungando, zangada por eu o ter esquecido. Não lembro as datas mas lembro os momentos, quando te vi pela primeira vez, de vestido amarelo dançando ao vento, lembro-me que sorriste e, a partir desse momento já não te ouvi, perdido que estava na tua visão. 
Depois, fizemos um caminho juntos, nasceram os filhos, cresceram, saíram do ninho. Fomos ficando cada vez mais sós, eu sem ti, tu sem mim. 
No entanto, ainda me surpreendo a oferecer-te a minha mão quando caminhamos na rua, já não é amor, penso. Ou melhor é uma nova forma de amar, um carinho, uma compreensão mútua. Saber o que sentes sem que o precises de dizer. 
E isso, conforta-me, saber que estás ali, mais do comigo, para mim e eu para ti. Sei que ainda temos muito para partilhar, para dar, para à nossa “velha” maneira, amar. Aceito-te por mais 50 anos, digo a sorrir, quando renovamos na igreja perante familiares e amigos, os nossos votos de casamento.


segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Post.it: Ver novas todas as coisas

Para ver melhor é preciso usar os 5 sentidos. É preciso ver com o coração, sentir, cheirar, tocar. E realidade do que vemos é uma representação do que somos. 
Quantas vezes olhámos para algo de uma maneira, mas que num outro momento nos pareceu diferente, nos transmitiu sensações distintas. 
Quantas vezes lemos um livro que nos marcou, mas que quando o voltamos ler, anos depois, já nos deixa uma marca diferente. 
Talvez, porque não foi o livro que mudou, mas nós, que crescemos, que amadurecemos, que nos deixamos moldar pelas experiências da vida. Quando nos pedem que vejamos coisas novas, na que para nós já não trazem novidade. 
Pedem-nos que não tenhamos o mesmo olhar, que não sejamos a mesma pessoa de antes, mas a pessoa de agora. Uma pessoa nova, capaz de ter um novo olhar e dessa forma permitir que haja uma nova descoberta. Uma descoberta que signifique, encontro, surpresa, renovamento. 
“Ver novas todas as coisas em Cristo” (Papa Francisco), pede-nos uma nova abertura, um novo sentir, uma nova visão liberta de quem fomos. 
Seja-mos novos nessa conversão, deixemo-nos tocar, renovar. Olhar o outro com todas as categorias do novo eu. 
O outro já lá estava ontem, nos dias anteriores, mas o eu só agora o viu, só agora foi tocado por ele e o recebemos em nós. 
O novo será sempre a minha conversão no outro que me torna um novo eu.