quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Post.it: Deste teu amigo…

Não desistas de mim, mesmo que na vida nada te corra bem. Encontra-me nas pequenas coisas, no sol de inverno, na flor que nasceu por entre o betão, nas folhas de outono, nas crianças a brincar, nas aves a voar, nas ondas a embalar a praia...
Abre-me a porta do teu lar para que o encha de mim. Abre uma janela no teu peito para que do frio da noite me possa aconchegar.
Olha em teu redor, vê-me nos olhos tristes que tu podes alegrar. Reconhece-me em cada vida solitária e faz-lhe companhia. Escuta-me em cada sopro do vento que geme um lamento que tu poderás atenuar com o teu carinho.
Não me abandones, nem às memórias de uma infância cheia das nossas histórias natalícias. Não penses em mim perdido por entre presentes e laços, encontra-me entre muitos sorrisos e outros tantos abraços.
Não te esqueças de mim, seja em que data for, não precisas de me celebrar somente em Dezembro, celebra-me quando tiveres vontade de ser solidária com um amigo, gentil com um desconhecido, cortês com um inimigo.
E se as luzes das ruas te encandearem o sentir, se os objectos nas montras te baralharem o querer, se a multidão com que te cruzas só te oferecer solidão, não lhe vires as costas, estende-lhes a mão, oferece-lhe a tua atenção, dá-lhes os teus votos de um belo e Feliz Natal.
Não me julgues hipócrita, consumista, egoísta, falso, porque na verdade eu sou o que tu quiseres: serei a lealdade, o carinho, se  cuidares de mim como se fosse uma flor que apenas te pede a bênção do teu calor; mas também poderei ser fugaz, a prenda que nem vejo desembrulhar, o compromisso sem sentimento, a breve história de um vulgar momento.
Acredita em mim, porque isso significa que acreditas em ti, que regressas de vez em quando à criança que acalentava a esperança de tornar o mundo melhor.
Recebe de mim, um abraço natalício com muito carinho e vontade de contribuir, para tornar a tua vida um pouco mais feliz. Tal como tu tornas feliz a minha, sempre que me sentes, e que me ofereces aos outros, em bens materiais, em emoção, em amizade. Porque todas as formas, todos os gestos, são sempre belos quando brotam do mais terno coração.
                                                                                     
Um abraço deste teu amigo, 
             Natal
                                                                                                                                                                           

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Post.it: A poética vivencial da palavras

Costumam dizer que falar muito com poucas palavras é próprio da poesia. Mas há que enquadra-las, harmoniza-las, humaniza-las. E também dar-lhes asas, solta-las ao vento e ter a certeza que o seu voo nunca será uma partida mas sempre um regresso. Uma chegada que recebemos, recolhemos, para lermos, saborearmos e sentirmos em momentos que delas precisamos para nos preencher o vazio de outras palavras que já tardam.
Serão talvez, estas apenas substitutas dessas outras, dizendo algo que pode ser sentido, porque tem real sentido. Palavras que  condensam uma verdade que nos guia e nos define enquanto ser emocional.
Mas no fundo não é  preciso dizer muito, nunca foi, basta dizer o essencial, deixar no horizonte das palavras a porta aberta para que outras  a elas se venham juntar numa relação feliz e quem sabe até geradora de novas palavras na construção de  um caminho comum, feito por lugares de paz, lugares de harmonia. Há quem considere as palavras ambíguas, passiveis de múltiplas leituras, há quem as acuse de se esconderem com receio da frontalidade, da verdade. É possível, tudo é possível, porque são lidas com diversos feixes de emoção. As palavras podem revestir-se de alguma opacidade abrindo a porta a múltiplas vias de interpretação, até porque elas serão sempre a conjugação do que somos, desse passado que nos fez crescer com personalidade e valores educacionais concretos. De um presente trilhado por cada dia, por cada hora, em cruzamentos, encontros e desencontros de horas solares, de nuvens que nos fazem companhia em ondas de diferentes (a)mares. 
Não desvalorizem as palavras, ela são  um composto de letras dispostas segundo uma objectiva intenção. Elas têm sempre algo para dizer, são um depósito de sensações, são braços que se estendem quando as lemos e encontramos nelas um elo de cumplicidade, recebemos então esse abraço  que há tanto tempo espera por ser dado, lido, compreendido e quem sabe, igualmente abraçado...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Post.it: O nosso tempo

 “Eu venho dum tempo que por vezes me parece perdido no tempo, de uma geração que se deixou influenciar pela anterior e esta pela que a precedeu. Hoje as gerações influenciam, contagiam na ordem inversa já não do passado para o presente mas do presente para o passado, para que não se sintam, humano-excluídas num fosso de diálogo e de conhecimento.
Não sou saudosista do tempo mas das coisas boas, verdadeiras, de saber que se pode caminhar por ali e se nos perdermos alguém nos trará de volta, alguém que se interessa, que se importa com o seu semelhante.
Lembro-me de me dizerem que simpatia gera simpatia; que o bem gera o bem, mostrando que a boa vontade é contagiosa. Mas quem se deixa contagiar? O bem passou a ser aquele que recebemos, não o que fazemos. A simpatia é a que exigimos mas não a que partilhamos.
E todos os dias mergulhamos nas nossas preocupações, nos caminhos da cibernética e sentimos que temos uma multidão à nossa volta, no entanto quando desligamos o botão, só ouvimos o silêncio e o eco que escutamos é unicamente o som solitário dos nossos passos. O mundo cresceu e no entanto conseguimos tocar-lhe com a ponta dos dedos. Sabemos tanto de tudo e no entanto sabemos tão pouco de nós e cada vez menos dos outros. Que posso deixar de testemunho às gerações vindouras? Nada! Elas querem aprender com o futuro e não com as lições do passado. E as pontes são cada vez mais elos de afastamento e os mares cada vez mais ondas de lonjura. Não sei se os barcos voltarão ao nosso cais, não sei os passos pisaram as finas areias da nossa praia. Não sei se partilharemos o mesmo olhar delineando as fronteiras do horizonte. Não sei se teremos algo em comum que não seja apenas o que somos na individualidade, na indiferença, na ausência que nos torna ilhas de estéril sentir. Que me o diga o tempo, já não aquele de onde venho mas o tempo  que vai partindo de nós.”
Eu, sou desse tempo, não na sua cronologia, mas em valores e sentimentos, em entrega, não sei o quanto há de verdade na sua verdade, que sem querer sinto-a um pouco minha. No entanto,  recuso-me a aceitar como definitiva essa possibilidade. Recuso-me a pensar que são causas perdidas. Que as gerações são fronteiras intransponíveis. Que os valores se perderam em definitivo. como deixar de acreditar quando uns olhos pequeninos mergulham nos meus, quando uma mão minúscula segura com firmeza o meu dedo. Sim ele acredita em mim e eu preciso de acreditar nele. Quem sabe o tempo seja um dia, finalmente nosso.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Post.it: Espera...

Este verbo “esperar” que nos é por vezes tão doloroso, de ansioso,  de querido. Um querer que ultrapassa a vontade e se torna  desejo. “Felizes aqueles que esperam” li outro dia num livro peculiar, que fala de espera, uma espera que nunca se desalenta. Que revela  um tempo infinito mas que na sua real finitude diz-nos que se chega lá, devagar…, depressa…, num tempo que sendo nosso, na realidade,  não nos pertence, não o  podemos manipular segundo as nossas opções de vida, a nossa vontade de obter aquele momento, aquele instante que nos surge mágico na beleza que tem ou na que lhe imaginamos depois de tão demorada espera.
Mas chegar lá nem sempre significa obter o fruto do nosso querer, essa tal magia nem sempre acontece. Então que fazer, desistir? Não! Continuamos à espera,  mesmo quando só a sabedoria popular nos anima “quem espera sempre alcança”. Ainda que demore, demore muito, por vezes tanto, demasiado mesmo que o pensamento esquece, que o coração arrefece, que o sonhar adormece em cada dia que amanhece e nada, mas mesmo nada acontece. Então começamos a acreditar noutra expressão popular que cada vez mais ganha sentido “quem espera desespera”.
Claro que não é essa espera que o livro descreve, ele fala de uma espera da qual nunca se desiste, porque a esperança nos diz que vale a pena esperar, porque até a espera é consoladora, faz-nos companhia nas horas passadas e nas que chegarão em breve.
E assim se vive, por vezes uma vida inteira, numa espera que não é acomodação, que não é de desistência, falta de objectivos, fraqueza de carácter, até para esperar, é preciso ter coragem, é necessário lutar e lutar muito, contra a descrença, a nossa e a dos outros que nos aconselham a deixar essa espera e a seguir, talvez para outra espera. No entanto já nos habituámos a esta, já a acomodámos no peito, já dorme aconchegada no nosso abraço, já sonha connosco os mesmos sonhos…
Com abandoná-la, como edificar outra e esquecer esta, quando ela sempre nos foi a expectativa de uma estrada, de um reencontro, o vislumbre de um sorriso por entre a penumbra da noite, que sempre nos foi a eterna espera de uma chegada.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Nunca parte...

Pereceram-me células do ser,
Doeu-me forte na emoção.
Por cada amigo a desaparecer,
Aumentando a minha solidão.

Mas nunca parte quem nos fica,
Guardado na nossa lembrança.
Quem sem acreditar, acredita,
Que no futuro a vida o alcança.

Mas eis o Natal já a chegar,
E a festa quase a acontecer.
Que fazer se o peito a chorar,
Não consegue o Natal receber.

Mas os braços vão-se abrindo,
E até o olhar se vai iluminando.
Como receber o Natal senão sorrindo,
Como viver o Natal senão amando.

E afinal a morte é uma ilusão,
Um erro da vista, chegam a dizer.
Porque quem nos vive no coração
Existe sem o conseguirmos ver.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Post.it: Apenas "poesia"

O que somos? Um mundo, um universo de estrelas, de sois, de luas. Uma galáxia de sensações, de vivências que nos moldam, que nos definem.  
Somos uma mão estendida, que quer dar, que quer receber. Amparar, erguer ou ser erguida.  
E essa dádiva de existir, de prosseguir, deixando no caminho as pegadas ligeiras do coração,  revela-nos  o quanto está cheio e simultaneamente leve. Tão leve que ganha asas, tão ténue que flutua na mais delicada brisa. 
No que somos, estamos inteiros, partilhando-nos, dando-nos. Afinal temos tanto para dar quando a vida que nos preenche já nos deu muito, em experiência, em amor… 
Bem sei que há dias em que o mar nos inunda os olhos, que a dor nos supera. Mas o que aprendemos a ser, reinventa-nos um sorriso e sem sabermos bem como, esse dia passa como uma nuvem cinzenta num céu que se torna límpido de esperança. E não há nada que nos roube a essência do que nos fizeram ser, crescer, transformar. Mesmo quando desejamos ser ilhas, há sempre uma ponte que se estende para nós, um barco que se dirige para o nosso cais, ele vem, vem sempre, vem a remos, vem a nado, não desiste de nós. Vem amparar-nos, engrandecer-nos, preencher-nos. Como podemos então desistir? Como não reconhecer o que nos dão e multiplica-lo por mil, para retribuir quando chegar a nossa vez de sermos a ponte, o remo, o abraço. 
Essa deve ser a nossa natureza, só temos que encontrar a fonte, que quanto mais se dá mais tem para dar. Já não precisa de receber, quem tem tanto no peito… 
E mesmo que seja apenas “poesia”. Mesmo que para alguns não passe de “verbo encher”, era tudo, apenas tudo para fazer alguém feliz. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A chuva

A chuva não molha,
Apenas te quer abraçar.
São gotas com que sonha, 
Transportar o seu doce amar.

Mais do que simples flor,
Como se fosses primavera.
O seu tão distante amor,
A sua tão grande quimera.

Por isso a chuva cai,
Num copioso adorar.
De quem sem soltar um ai
Cai sem medo de se magoar.

Não há distância para o sentir,
Não há dor que tanto doa.
Que impeça o destino de fluir,
Que o contenha de voar à toa.

A chuva, não é somente água fria,
Nem só pequenas gotas cristalinas.
É uma felicidade que ela queria,
Grande nas coisas mais pequeninas.



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A lua me magoa

Como a lua me magoa,
Com a sua solidão.
Gaivota que tanto voa,
Sem pousar o coração.

Nem o sol seu companheiro,
Entende os suspiros do luar.
Que deixam o céu inteiro,
Sem o reflexo de estrelas no mar.

Nem o vento que a embala,
Entende o meu murmuro.
A estranha dor que cala,
No lado que tem mais escuro.

Nem a flor que exala perfume,
Nem a nuvem com o seu abraço,
Conseguem afastar o queixume,
Que vem do mais alto espaço,

Como eu consigo entender,
O que a lua só a mim revela.
A vontade de um dia ser,
O mais ágil barco à vela.

Para cruzar o extenso mar,
Para atravessar o universo.
E então mergulhar no olhar,
Que descreve em cada verso.


terça-feira, 21 de outubro de 2014

Post.it: Recordações

Recordações, tudo são recordações, as Primaveras que chegaram, os Invernos que as levaram. As rosas que murcharam, os malmequeres desfolhados de bem-me-quer. Os arco-íris desvanecidos. Os rios de chuva descendo a calçada. Os corações desenhados no embaciamento da janela fechada.
Os passos que vão encurtando o caminho, o olhar que se estende para lá do horizonte e que sem alcançar o objecto da sua contemplação espera, quase desespera.
Recordações de histórias, de fracassos, de vitórias.  Também das quedas, das lágrimas, das feridas curadas e dos sorrisos trocados.
Quantos foram os planos, os desenganos. Os ideais e até os finais. As coisas simples que nos encheram o peito de alegria. As complicadas que conseguimos ultrapassar e vencer. Éramos felizes, sim éramos felizes e não o sabíamos…
Mas a cada recordação que parte desvanecendo-se do nosso ser, outras espreitam, ansiosas por nascer, crescer e brilhar na nossa vida.
E todas as noites as recordações que o dia escreveu no livro da  memória,  transformam-se em sonhos que as estrelas iluminam e o luar docemente embala.
E todas as manhãs as recordações despertam, são girassóis que espreguiçam as pétalas, enquanto viram o rosto  para cumprimentar o sol, são nuvens que estendem um branco manto sobre o azul celeste, são   fontes que  cantam ao desafio com os pardais que se escondem por entre os ramos das árvores.
Depois vem a tarde conciliadora, depois vem noite enternecedora. Depois vem cada momento que se vai no momento seguinte. E até o dia de ontem já se tornou para o  hoje, uma recordação…

Grata recordação dos Cats.
Memory. All alone in the moonlight. I can smile at the old days. I was beautiful then. I remember the time I knew what happiness was. Let the memory live again.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Post.it: É aqui que pertenço

“Não quero morrer sem ver a cor da liberdade” (Jorge de Sena)

“Não quero morrer sem ver a cor de um país sem crise” Acrescento…

Sempre que acordo, ouço nas notícias da rádio, novas soluções económicas, mais problemas para quem tem de as suportar. Essa curta manta que quando puxada para a cabeça destapa os pés,  (alusão a uma frase do Clube dos poetas mortos).
Pergunto-me se Jorge de Sena procurava a eternidade ou se acreditava realmente que um dia a cor da liberdade iria realmente surgir. Felizmente ela surgiu e ele pode descansar feliz.
Quanto a mim, confesso a minha cada vez menor crença e por isso, talvez, procure mesmo a imortalidade, uma desculpa para me eternizar neste recanto do mundo, que tem crises, erros numa suposta democracia, usurpações nos direitos do cidadão, nos direitos humanos, no direito de nascer e crescer feliz. Mas é este o meu pais, aquele que me foi pai  que me foi mãe, que me ensinou lições de humanidade, de cidadania, valores de moral e de ética, ainda que talvez com aquela máxima do “faz o que te digo, não faças o que eu faço”, mas não deixou de à sua maneira de faze-lo, de perpassá-lo do passado para o meu presente. Deixando-o como herança para o breve e o longínquo futuro.
Por vezes tal como um filho que lhe vê negado um pedido, revolto-me, grito, choro, amuo, faço silêncio sepulcral, ameaço partir e nunca mais voltar, mas fico. Que fazer? É aqui que pertenço, já conheço cada pedra da calçada, vou conhecendo/reconhecendo até cada buraco da estrada. Já conheço cada raio de sol, cada noite com ou sem luar, cada onda de intranquila maré que se estende suave no areal, cada grão dessa praia, cada estrela que brilha na escuridão.
Mas gostava, gostava mesmo de não morrer sem ver este país florescer, deixar de ser “lixo” para as estatísticas. Voltar a reacender o sentido e o gosto de ser português, um povo sereno, trabalhador, lutador, conquistador de mares desconhecidos, afável, bom anfitrião. Esse português latino de guerra e de pranto, lamechas, pessimista, mas todo ele uma fortaleza de excelsas vitórias. Com um fado que lhe cresce na alma, e a eterna saudade de ser um passado que deseja no futuro continuar a ser glorificado e a levar de si testemunho por todos os cantos e recantos do mundo. 
Não quero morrer sem que Portugal deixe na terra os contornos geográficos da esperança e todos nós rememos finalmente na mesma direcção, porque se for preciso navegar para conquistar a felicidade, navegaremos, com os olhos no mar e o coração em terra. Navegaremos e com cada gota de água salgada feita de lágrimas e de riso, construiremos o nosso pequeno/grande paraíso na face lunar do destino. Entretanto, vou acordando ao som das notícias, sempre pouco animadoras, mas no meu peito o coração rejubila de expectativa e espera, por vezes quase desespera, é hoje, é hoje que renascemos das cinzas como uma Fénix que vai finalmente levantar voo e voltar a ser na ponta da Europa um jardim à beira mar, com um largo e franco sorriso, porque finalmente tem motivos para sorrir. Não foi hoje, mas talvez não demore a chegar ao cais a solução. Eu acredito, sou assim, não consigo desistir de ter confiança, fé, desejo, vontade. Nunca deixarei de lutar, está-me no sangue de ser portuguesa!

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Post.it: A alegria de ser triste

Levamos uma vida inteira em busca de algo. Damos-lhe um nome: Felicidade. Procuramos em  cada dia, em cada hora, em cada estrada, em cada esquina da vida, em cada noite desperta, em cada luar apagado. Em cada criança que nasce cheia de esperança, a sua, a nossa.
Procuramos em cada sonho dormido, em cada fantasia acordada, em cada desejo, em quase tudo, em todo o nada.
Buscamo-la na fé, seja de que religião for. Buscamo-la nos outros, em nós. Buscamo-la no amor, por vezes até a buscamos na solidão.
E quando, um dia, adormecemos para a vida,  quantas vezes e quantas vezes é uma partida marcada pela angústia de nunca ter encontrado esse algo, a que demos tantos nomes, o de pessoas, de lugares, de sorte, de um querer com tantos momentos em que quase, mas apenas quase, vislumbrámos esse ideal de perfeição com que somos brindados se o nosso caminho a ele nos conduzir.
Mas será assim, mesmo assim? Já vi pessoas maravilhosas viverem num contínuo inferno, já vi pessoas pérfidas viverem no mais plácido céu.
Onde está a justiça, o reflexo das nossas acções? Questionamos, uma, mil vezes. Cometemos um erro de lógica, quando nada na vida segue uma lógica na espera de  um eco que não se propaga.
Está mais do que na hora de deixar de procurar, deixar de esperar, para que a vida, tal como existe nos aconteça, e a vivamos sem questionar, sem revolta, sem comparação com o que poderia ser e nunca é. E a felicidade que procuramos como se fosse o mais precioso diamante, nada mais é do que pequenas gotas de orvalho reflectindo o sol da madrugada. “Só a realidade existe, só a verdade nos assiste. E a felicidade é de quem não desiste,  de viver a alegria de ser triste”.


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Post.it: É longe...

É longe, é sempre tão longe antes de se dar o primeiro passo e o seguinte e o seguinte. De repente tudo fica mais perto. É claro que ainda não está suficientemente perto para lhe tocar com o olhar. Que ainda se estende para lá da linha do horizonte. Mas se cada passo continuar a seguir-se ao anterior e permanecer firme em busca do seguinte, um dia, o longe será perto.
Quase  o suficiente para lhe tocar com a ponta dos dedos, para o sentir a entrar no peito numa sensação de vitória. Porque nunca foi um sonho, mas um projecto, um início de percurso. Por uma estrada que mais tem mais do que esperança,  tem vontade, tem muito, tem quase tudo de nós.
“Já não tenho idade para reconstruir a vida, para me reinventar, para começar de novo, para voltar a acreditar”.
Mas o que tem tudo isto que ver com a idade? Tem apenas com a vontade. Tem que ver com o que somos quando nos libertamos do que fomos.
O futuro é essa porta que abrimos, é esse caminho que nos convida a segui-lo.
Sim, é longe, continuará a ser longe se não o encurtarmos.
E por mais longe que seja, certamente, lá chegaremos. 
Não perguntes “como”, pergunta antes “quando” e eu te responderei “quando tu quiseres”…

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Post.it: A paisagem

A paisagem é sempre o que quisermos, essencialmente o que somos, porque ela é vista por um olhar, apreendida por uma consciência, valorizada por uma experiência, julgada por uma estética, apreciada por uma moral, desenvolvida por uma política. Quando a paisagem nos entra pelo olhar, sobe à consciência e é analisada pela experiência, tocada pela beleza da estética e observada pelos valores individuais de cada um. E numa tentativa de harmonia a razão insurge-se em prole do naturalismo com argumentos científicos, mas o coração, num compasso descompassado entra na discussão, acelera-se-lhe o sangue cresce o fulgor – a fé. Só a fé, responde – pode conceber tal natureza dessa paisagem que se nos oferece.
Enquanto isso, o sol, alheio aos debates da ciência, do humano ou da religião, continua no seu trabalho, quase missão de florescer primaveras, de aquecer verões, de iluminar invernos, de aconchegar outonos. O vento sopra gargalhadas pela vã disputa, as árvores erguem-se em majestosa indiferença, o céu desinteressado de tal disputa, continua a estender o seu manto azul sobre o dia, o mar no seu vai e vem tenta escutar, tenta quem sabe, até algo acrescentar mas o movimento contínuo das águas fá-lo desistir. As rochas numa imponência desafiante obrigam a um renovado e atento olhar, como as explicar?
De repente um silêncio que nos mergulha no peito, calam-se as dúvidas, emudecem as científicas certezas; quanto tempo se perde na tentativa do Saber e tão pouco nos fica para o Sentir.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Era uma vez: Vida

Era uma vez…
Um grão pequenino, caído na terra.
Veio a chuva, o vento. Vieram o sol, as nuvens, a chuva e outra vez o vento.
No segredo da terra, o grão já era rebento, a  fazer-se raiz à procura do sustento e caule em busca de luz.
Nasceu, pequenino, verde, encarquilhado.
O sol sorriu-lhe e aqueceu-o
Ele espreguiçou as folhinhas enroscadas no caule e recebeu a luz e sentiu a frescura da brisa e bebeu do orvalho da manhã.
Confiou na terra, no sol, na chuva, no vento e deixou que a fizessem erva alta, a crescer em busca do céu. Frágil, bailando na brisa, depressa se fez forte, sustendo o esboço de espiga, querendo ser trigo.
E em redor, milhares, talvez milhões iguais a ela, um mar de verde a brilhar ao sol e a ondular ao vento. Verde, muito verde, à espera, confiando no sol que haveria de torná-la seara dourada.
E o verão chegou. Intenso, quente, luminoso.
A seara, dourada, bailava na brisa, à calma da tarde.
E a espiga, crescida baloiçava-se feliz, no topo do fino caule, debruçada sobre a terra que a fizera nascer.
A erva alta deixava-se embalar pelo vento e ouvia os grãos a crescerem na espiga, com ânsia de se fazerem pão. E ela, cansada, sentia uma alegria que não podia explicar.
Seria o sol? Seria o dourado da seara? Seriam os grãos a crescer?
Não!
Era simplesmente a vida, vivida, sentida, cumprida!
Deixou-se ficar serena, à luz da tarde, a saborear essa vida que recebera e agora oferecia.
E sorriu, de felicidade, simplesmente por existir.

Nota: Dedico este pequeno texto a Olhares, pelo seu aniversário. PARABÉNS, pelo que é, pelo que escreve e pelo que oferece à vida de todos nós.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Post.it: O barulho

“O bem não faz barulho e o barulho não faz bem”.

Ouvi esta frase, que quase parece um trocadilho, há muito anos, tocou-me fundo no peito, moldou-me os sentidos, fez-me crescer num repentino despertar de aprendizagem.
Quem me dera que me tivesse sido dita antes, muito antes, quando ainda mal soletrava as letras, quando o mundo se revelava meu e eu ingenuamente, egoisticamente acreditava. Segui pela estrada fora exigindo a vassalagem das pedras, subordinação das árvores, submissão dos mares, sujeição dos ventos, exigindo um céu azul, um sol brilhante. Criticava a vida, obrigava, gritava direitos de puro nascimento, fazia barulho, tanto barulho que passado um tempo, só o silêncio escutava.
O silêncio que como um pai paciente e amoroso, esperou até aos últimos resquícios de fulgor, pelo pacificar da alma, pela ternura, pela calma. Então, só então, como quem fala de banalidades, lançou discretamente aquela frase.
 Escutei-a, repeti-a uma, mil vezes, buscando-lhe o sentido e de cada vez que a murmurava no pensamento, soava-me diferente, mais intensa, mais verdadeira, mais necessária, mais urgente.
Abracei-a, senti-me abraçada por ela, não como um encontro, mas um reencontro. Como quem sabe que algo de importante, de essencial existe mas que ainda não se cruzou com ela. Quando há o encontro, acontece o reconhecimento, envolta numa espécie de saudade “esperava por ti, como demoraste…” Sim, podia dizê-lo, porque o senti, mas o que importa…, o que importa é que chegaste.
Talvez na hora certa, quando estava finalmente preparada para ti. Para te receber em mim e te transportar no peito e quem sabe um dia oferece-la como se fosse banal, até porque devia ser, se nos fosse naturalmente inata, uma célula que herdamos ao nos tornarmos vida.
 E tu estás preparado para ela? Só tu, com todos os teus sentidos, todos os teus valores e vivências, o saberás. Se esta frase te tocar, te enlaçar e tirares dela algum sentido para o caminho, então, sim, estás...
O bem não faz barulho, cada oferta que damos à vida, de ser feita sem alarde, ela sabe agradecer, sabe retribuir.
O barulho não faz bem, incomoda, magoa. É um gesto de quem não se importa com o outro. Por vezes, muitas vezes, só o silêncio entende, só no silêncio está a solução, quando o barulho que nos vai crescendo por dentro já não consegue escutar a voz do coração.



terça-feira, 9 de setembro de 2014

Post.it: Penso, logo insisto...

Insisto em prosseguir nesta viagem, descobri-la, construí-la com materiais que vamos ganhando, que vamos conquistando. Construí-la com o cerne do que somos e aí nos revelarmos corajosos prosseguidores, navegadores por entre vendavais; escultores de caminhos que adquirem o rosto do tempo.
Por vezes desenhando sorrisos que nos elevam e então, ganhamos asas e o caminho torna-se mais fácil, mais leve.
Uma viagem que nos leva longe, mesmo quando não saímos do local que nos viu nascer. Uma viagem que nos revela todos aqueles que estão próximos e todos os que se aproximam, que chegam e nos dão  testemunhos de um amor que se sobrepôs a tudo até à dor.
E nessa herança de experiências que partilham, dizem com ênfase de milenar sabedoria…
“É preciso insistir”,  para não ceder à vontade de desistir, de parar, de voltar para trás, e permanecer no velho  e conhecido conforto.
É preciso insistir porque há mares à espera de navios, há margens à espera de pontes, há desertos à espera de fontes. Nós temos tudo isso no peito, nos rios de vida que nos correm dentro das veias e nos fazem hastear velas de esperança aos ventos de nortada. Mas se o vento nos encaminhar para o abismo, para desnorte, vamos contrariar-lhe a direção e tomar firme nas mãos os remos de um novo rumo. Porque até a sorte se faz, no amassar dos dias, no levedar das noites, em fornos de alento. Pode ser duro o momento, mas dele sairá a mais prazerosa sensação de vitória.
Penso e porque penso sei…
Não tudo, apenas um pequeno nada, suficiente para que insista e tarde ou nunca desista. 
Penso, logo insisto que apenas existo para ser feliz…

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Post.it: Setembro

Que nos traz Setembro? O começo de férias para uns, a nostalgia das férias passadas para outros. O regresso ao trabalho (para quem o tem) a espera de uma nova oportunidade. O cheiro a material escolar novo, a ânsia do reencontro de colegas de escola, a expectativa de novos rostos que olham os professores numa mútua descoberta. Um ano inteiro que se abre em portas e janelas. Um ano que no calendário se aproxima no seu ritmo certo para o final. Que na realidade nunca é um final, apenas e sempre um novo começo. Novas possibilidades, novas promessas, umas cumpridas, outras talvez não, fica para o ano...
Mas ainda estamos neste e não vamos apressar o tempo, nem antecipar o futuro. Vamos caminhar lado a lado, como se faz com um amigo que nos conta histórias e que ouve as nossas sem pressa de partir nem de chegar a algum lado. Sem ter outro lugar pra onde ir, está ali para nós, por nós, nas venturas e desventuras da vida.
Mas voltemos a Setembro que já estende a mão incentivando-nos a segui-lo na marcha dos dias, por entre o sol e a chuva.
Que sei do que se avizinha? Talvez os compromissos, as celebrações, coisa de agenda, coisas do coração, mas de tudo o resto que compõe a marcha das horas, que nos preenche os dias… 
 “Apenas sei das auroras/ e das sombras do luar/ do rodar das noras/ e das ondas do mar./ Apenas sei das ruas/ e das noites quentes./ De tantas mãos  nuas/De amores ausentes.” 
De tudo o resto sei pouco, muito pouco. O que desejo? Que cada dia acorde feliz e adormeça concretizado. 
Uns dirão que Setembro é apenas um mês no ano, mas ele é muito mais do que isso, é um mês repleto de coisas por realizar. 
É um dever torna-lo um pouco nosso, um pouco de nós na vontade de que seja vivido com muitos e bons momentos. Um mês que certamente ficará no passado, mas se ficar igualmente no futuro que seja por guardar boas memórias. Por tudo o que de bom nos deu, por tudo o que de bem lhe demos, nem que seja: um sorriso, um incentivo, uma presença, uma esperança, um estar aqui de alma e coração, para um amigo, um irmão, para “ninguém” que em algum momento se tornou para nós em alguém. 
Que nos exista uma felicidade em Setembro que se estenda aos próximos meses e porque não a todos os seguintes anos…



segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Post.it: Agosto

E cá estamos, na última semana de agosto, como quem sente que é a despedida do verão. Um verão suave, sem grandes choques térmicos, sem grandes fogos, sem grandes histórias marítimas. Porque mesmo as pequenas já deixam as suas marcas, por vezes inesquecíveis. Mas o tempo passa e, dizem, tudo cura. Será?
Afinal, haverá outros agosto(s), a gosto de uns, com a tristeza de outros. E a vida segue o seu ritmo. Quem quiser, quem puder, que a acompanhe ou fique a ver passar, num qualquer cais de partida. Porque há sempre algo que nos parte, em cada dia. O sol, o luar, a onda que parece que volta, mas já não é a mesma, a que nos transporta o olhar, quem sabe, um pouco do sentir, do sonhar, do chorar. De esperanças que, no vai e vem, vão chegar, mesmo que depois tenham de partir. Pensemos positivo, uma tem de partir para que outras possam entrar na nossa vida e a levar para outras viagens.
São as viagens dos dias, dos meses, dos anos. E assim nasce a última semana de agosto, o único agosto do ano. Só sente saudade quem não o viveu em pleno ou quem pensa que nenhum mês será como ele. Mas pode ser. Afinal o que tem ele de especial?
- Nós, os amigos, o mar, o sol.
- Nós, que continuamos aqui pelo resto do ano.
- Os amigos, que também nos acompanharão.
- O mar, que está sempre à nossa espera em qualquer estação do ano.
- E o sol, que também nos brilha no peito quer faça chuva, sombra ou luz.
É apenas a última semana de um mês, prenúncio de outro. Apenas um mês, que existe para fazer a ponte com o seguinte e com a vida. A vida, que está sempre à nossa espera com mais um dia, uma semana, um mês… Só é preciso força e coragem para caminhar por ela e chegar. E lá chegaremos.


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Intervalo

Sou o intervalo que a vida fez,
Quando o dia na noite descansou,
Num abraço que nem o frio desfez,
O luar no raio solar se entrelaçou.

Nesse intervalo em que fui dia,
Nem impasse em que fui noite.
Mesmo na mais breve alegria,
O amor fez-me seu horizonte.

Longe, que de tão longe,
Só o alcança o meu olhar.
Esse ontem e esse hoje,
Por futuro tenho o sonhar.

Porque no intervalo fiquei,
Perdida no meio do nada.
Procurei, não encontrei,
Nada para além da estrada.

Feita de tantos passos por dar,
No seu contínuo e longo viajar.
Asa que foi condenada a voar,
Sem ter onde o cansaço pousar.


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Post.it: Agradeço a cada não...

Se queria algo e não o consegui, talvez não precisasse tanto daquilo como imaginava”.

E no entanto lutamos. Adormecemos e acordamos com o mesmo objectivo atingir a nossa meta. Todos os dias podem tornar-se iguais em batalhas e derrotas. Até que a um dado momento, percebemos o aviso da vida, do destino, das forças do universo, sei lá…
Algo que nos diz que se o que queríamos nunca o conseguimos, se o  que sonhámos não aconteceu, se aquilo que lutamos não conquistámos, então, não era mesmo para acontecer, não fazia parte da nossa existência e a verdade é que desistir não pode ser considerado uma fraqueza mas antes a coragem de reconhecer que está na hora de seguir em frente, de fazer outras escolhas. Afinal, tentamos, tentamos muitas vezes, demasiadas (dizem-nos), talvez, suficientes para por fim reconhecermos que já não valia a pena.
Por isso em cada hoje sinto que venci e agradeço a cada fracasso a capacidade, a coragem que me fez superar os mais difíceis obstáculos. Agradeço a cada “não” ter-me levado a procurar o “sim” com tenacidade e persistência.
Agradeço ao que não consegui, ter-me feito escolher outro caminho, que talvez tenha sido melhor que o anteriormente desejado.
Agradeço à razão ter superado o coração e evitando sucumbir à efemeridade da paixão, à futilidade do desejo.
Percebo então a verdade  desta frase, “Se queria algo e não o consegui, na realidade não o queria tanto como na verdade supunha…

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Post.it: Viagens

Quem viaja diz que quer conhecer o mundo, outros povos, outras culturas, paisagens diferentes, monumentos, etc., tudo o que nos conta uma história, tudo o que nos revela o que fomos. 
Quem viaja quer partir à descoberta do que está longe, sair do seu conforto, desbravar caminhos da memória. E sem saber que esse mundo, esse povo, essa cultura, conta histórias não só dos outros mas a sua própria história. Na forma como se olha, na forma como se sente. 
Quem viaja parte, e parte porque quer regressar ao seu porto seguro, ao seu lar, a cada abraço que ficou à sua espera. Cada viagem é um nascimento, um peito que se abre e recebe cada outro. 
Cada passo não nos leva para outros horizontes, leva-nos para dentro de nós na revelação do nosso crescimento. “E há fronteiras exteriores que nos reenviam de forma persistente para uma fronteira interna e não há ninguém que caminhe sobre o mundo que não acabe a um certo momento por dar-se conta, talvez com alegria talvez com dor, que vem caminhando sobretudo dentro de si”. 
Porque nos buscamos aqui e em todos os lugares. Porque nos achamos nos mais recônditos espaços e rimos ou choramos de emoção perante uma paisagem, um monumento, uma lenda, uma pintura. Cada viagem é mais, muito mais do que o planeamento, a marcação de hotel, o arrumar da bagagem, o cumprir horários, o caminhar, o fotografar, implica sempre uma mudança em nós, na nossa rotina, uma adaptação, um confronto com cada desafio, e o reconhecimento de que algo nos falta, essa realidade, esse tempo, essa linguagem, essa memória, o deslumbramento, o momento. 
Já não nos basta a janela aberta, nem a porta que se abre ao mundo, é preciso sair por ela, caminhar, navegar, voar em nós. 
Porque sabemos que por cada rumo certo é preciso de vez em quando andar à deriva, ao sabor do vento, da maré, ao sabor do sentir. 
E numa qualquer viagem da nossa vida talvez venhamos a ter consciência de que “nenhum país é mais estrangeiro do que o nosso coração”.


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Post.it: E assim me nascem as primaveras

Procuro a coerência, o consenso, o senso comum, a verdade, o equilíbrio, a harmonia das cores, das formas, o casar das letras, a descendência das palavras, a geração multiplicada das frases para que o futuro seja escrito com a tinta celular da vida. E que esse futuro conte uma história, aqui e ali colorida, limada nas suas pequenas mas dolorosas arestas, que se torne um testemunho de crescimento, que construa caminhos para se aproximar cada vez mais da meta de ser feliz. Que ajude nas mais difíceis subidas, que auxilie nas mais longas descidas. Que seja um par de asas para voar até ao universo dos sonhos, aqueles que nos surgem enquanto dormimos, aqueles que nos acompanham enquanto acordados.
Que nos seja um suspiro, uma lágrima sem tristeza mas porque tocada no mais sublime sentimento nos seja na finitude da existência um dos mais infinitos momentos. Então realidade e felicidade numa união de facto consolidada, nunca serão saudade mas sempre e só continuidade. 
E tudo porque as vogais deram as mãos às consoantes e num porvir que se aproxima do amanhã foram por fim ancoradas viajantes escrevendo nas calmas marés a mais suave curva do horizonte. 
Então nasceram estrelas no mar, então cintilaram astros no céu e a terra estendeu abraços e dançou com os oceanos. 
A escrita desenhava linhas de paraíso que partindo do coração, passavam pela mão e tornavam-se revelação exultante de nós, nascente fecunda de todas as primaveras.



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Post.it: Em nome do futuro

Ao longo da vida todos perdemos algo ou alguém. Também ganhamos algo, muito, mas comparativamente com o que perdemos, nunca chega a preencher esse vazio.
É uma dor que nos magoa bem dentro do peito e dói como se fosse uma ferida que não se vê, mas sente. Porém a medicina que tanto tem avançado cientificamente, ainda não encontrou cura, para a tratar, para a arrancar de dentro de nós, e se houvesse um tratamento rápido e eficaz, na verdade não o queríamos, precisamos desse luto para que cada final nos seja um renascimento, uma transformação, uma pacificação. Precisamos da dor para fazermos as pazes com o mundo, para aceitarmos as regras do universo. Não é fácil, nem com o apoio sempre disponível dos outros, esses, que são uma extensão de nós na amizade e na plena dedicação. É-nos sempre estranho este sentimento de perda, quando a vida nos rouba o que temos de melhor, de maior. Quando a doença lhe põe termo, quando um acidente coloca um limite ao seu futuro, mesmo não querendo, aceitamos. Mas quando uma guerra (uma incoerência do Homem) é a causa de tanto flagelo, de tantos pais sem filhos, de tantos filhos sem pais, então, é-nos humanamente impossível de admitir que uma violência mate indiscriminadamente vidas inocentes. Sobretudo quando por humanidade se define que são gente, benevolência, benignidade, bondade, caridade, complacência, compaixão.
Como podemos aceitar, conviver ou fazer a guerra? Uma guerra que mata em nome da paz e dos direitos humanos. Na verdade não podemos, não conseguimos entender e no íntimo de nós cresce a revolta a incompreensão.
Ao longo da vida todos perdemos algo ou alguém, felizmente, nem todos conhecemos certas formas de perda, todas elas difíceis, todas elas dolorosas, mas umas doem mais do que outras, sobretudo quando nos são causadas por pessoas que deviam construir e garantir o nosso futuro, destroem-no, aniquilam-no definitivamente.
E na nossa dor individual, e na dor dos que nos são próximos, chegam-nos outras dores, que embora distantes nos tocam de uma forma sentida e que nos fazem refletir sobre a nossa pequenez em como devemos sair dela e abraçar a magnificência dos outros, aqueles que ultrapassam o sofrimento da perda com a maior coragem, a maior capacidade de amar. 
Quando recebi a imagem que publico, tive necessidade de lhe dar palavras, de a estender, de a levar mais longe, de lhe dar a merecida visibilidade, para que a humanidade a veja, sinta e a receba e abrace. Tentei escrever, mas senti que nenhum texto por melhor construído que seja, que nenhuma intenção por muito solidária que se manifeste, conseguirá transmitir a dimensão sofredora e humanitária que nos deixa esta imagem e a sua história, por isso fica a vontade, o desejo de que ela nunca mais se repita em nenhuma guerra, em nenhuma perda. Porque toda a vida merece um futuro longínquo de pais com os seus filhos, de filhos com os seus pais.