segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Palavras de algodão

Precisamos de palavras,
Palavras de algodão,
Que nos entrem no coração.

Como se tivessem asas,
E nos tocassem sem magoar,
Para à noite nos aconchegar.

Se as tiveres contigo,
Não as escondas qual avaro.
Partilha-as com um amigo,
Num momento generoso e raro.

Se não as conseguires encontrar,
Em ti ou em longínquos lugares.
Não desistas de as procurar, 
Nem tão pouco de as semeares.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Post.it: A magia outonal

Há uma certa magia nas palavras outonais, que como as folhas caiem, mas ao caírem ganham uma outra vida, mais serena, mais amenizante, mais cicatrizante. As chuvas ainda entrando tímidas na terra, com receio que lhe cobrem o atraso, buscam uma desculpa escondida por entre os ramos das árvores. O céu enfeitado de nuvens cinzentas, parecem carregadas não sei de que mágoas que escondem do olhar atento do astro rei que as perscrutam sem as demover a revelar os seus segredos.
Outro dia, li o título de um livro, “Esse mar somos nós”, sem conhecer o sentido destas palavras, elevo-as e penso nas nuvens, (essa mágoa somos nós), talvez, quem sabe que destino levam as lágrimas depois de caírem dos olhos, de tombarem no chão, de rolarem pela rua, de mergulharem no rio e de se evaporarem pelo ar. Não chegam a ser mar, mas continuam a ser nós.
E depois há este silêncio outonal, nem as aves ecoam melodias, como se o tempo parasse, não há passos, nem vozes, não há buzinas, não há pressa. Parece uma noite em que tudo nos adormece, em que tudo se nos entorpece, a vontade, o querer, mas não, é apenas um final de tarde de outono.
Parece simplesmente que esperamos, em suspense do que acontece, do gesto seguinte, de cada início, de cada final e por fim ela cai, morre como quem nasce, com uma beleza quase divinal, a última folha daquela árvore já de todas as outras folhas despida. Há sempre uma que teima em ficar, em pedir mais tempo para encetar uma nova história, uma nova memória.
Uma criança que por ali brincava apanha a folha, oferece-a a uma amiga e ela corando um pouco, guarda-a amorosamente por entre as folhas do livro escolar, um dia ainda vai olhá-la com saudades deste outono, sentindo-a não como se fosse uma despedida, mas o começo, quem sabe, de um final feliz…



segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Post.it: A Inácia

 Outubro faz-me sempre lembrar o começo das aulas, o cheiro de livros e cadernos novos, a mala da escola (no meu tempo era de cabedal), a roupa nova para o primeiro dia. Na noite anterior nem dormia com a ansiedade desse regresso, do reencontro com as coleginhas, (naquele tempo não tínhamos telemóveis  para nos mantermos em contacto durante as férias). Mas era bom, as saudades eram maiores, as surpresas eram muitas, as histórias sobre o verão eram  maravilhosas, (cheguei a pensar se algumas dessas histórias não seriam fruto das suas fantasias, por isso acrescentava algumas às minhas histórias tão pouco interessantes). Lembro-me de um ano em que o regresso parecia igual mas que rapidamente se tornou diferente. Os passos no caminho para a escola eram lentos demais para a minha ansiedade, então, deixei os olhos voarem e chegarem lá antes de mim. 
Vi ao longe um grupo de colegas, formavam um círculo grande mas repleto de curiosidade que de imediato chegou até mim, queria chegar, queria ver, queria saber, o que se passava. Larguei a mão da minha mãe e corri, cheguei lá e rompi o círculo. “Mas afinal, o que se passava? No centro do círculo estava a Inácia, com um ar assustada. Não entendi aquela atitude, aquela surpresa, aquela distância, corri para o centro abracei a Inácia e comecei logo ali uma conversa questionando-a sobre as férias. 
Ela olhou-me triste, quis sorrir sem conseguir, como resposta à minha avalanche de perguntas encolheu os ombros, depois, deu-me a mão e saímos do círculo enquanto passeávamos à volta da escola. Íamos lado a lado, de mãos dada, com aquela ternura infantil que não se importa com nada, não falávamos, apenas caminhávamos. Inundavam-me mil perguntas, o porquê daquele silêncio quase imposto, a Inácia costumava ser tão faladora. O porquê daqueles olhares estranhos, primeiro sobre a Inácia, agora sobre nós.
A professora surgiu na porta e  chamou-nos para a entrada, sentámos-nos em silêncio, de vez em quando pelo canto do olho olhava para a Inácia, estaria zangada comigo? A alegria a ansiedade à chegada ia sendo substituída por uma tristeza que não conseguia explicar.
A professora começou a falar, como algumas de vocês sabem houve um incêndio na casa da vossa colega Inácia e ela ficou queimada no rosto e algumas outras partes do corpo ao tentar salvar a sua irmã mais nova.
“Incêndio? Queimada no rosto?” Olhei de imediato para a Inácia, sim, era verdade, tinha várias marcas de queimadura no rosto, zonas muito vermelhas, quase pareciam em ferida. Mas como era possível? Eu não tinha reparado! 
Percebi então a estranheza das outras meninas. Percebi igualmente a minha atitude, para mim a Inácia continuava a ser a minha coleguinha de escola, uma menina de 9 anos, loira, de olhos brilhantes e sorriso amplo, marcas? Sim, a partir daquele dia passei a vê-las como um reflexo da sua bondade,  que se tinha atrevido a desafiar o fogo para salvar a sua irmãzinha.
"Se os nossos olhos vissem almas em vez de corpos, quão diferentes seriam os nossos ideais de beleza"


sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Post.it: Diálogos interiores

Não sei se és um quarto, uma casa, algo, alguém… só sei que aqui estamos, arrumados, às vezes desarrumadores, outras desarrumados. Dialogamos entre nós, às vezes tentamos falar contigo, discutimos, atiramos culpas.
– Estou doente, reclama o intestino, a culpa é tua! diz ele apontado para a vesícula, que muito atarefada tenta gerir os ácidos, como um rio que transborda as margens.    
– Minha? Ora, se ao menos o estômago fizesse melhor o seu trabalho de dosear os alimentos!
 Lá vens tu, atirar-me culpas, quando eu apenas recebo coisas que me chegam pela traqueia.
Que de imediato se empertiga.
– Pois sim, só me faltava dizerem que sou culpada, eu lá controlo o que a boca come? “Não sou tida nem achada”. Continua a traqueia, “ engulo, por vezes em seco e passo a “batata quente ao vizinho, desculpa lá qualquer coisinha mas não tenho opção”.
 O quê? Responde a boca escandalizada, “será que me põem a culpa se algum de vós adoece, inflamado, mal humorados e afins?”
De repente ouve-se um enorme estrondo, todos em coro se manifestam assustados. “Que foi isto?”, “terá sido um vulcão das baixas entranhas digestivas?”
 – Não, responde a boca. “Então, terá sido um arroto das vias aéreas superiores sempre tão povoadas de “aviões” gasosos”, questionaram.
– Não, volta a rosnar a boca, foi um bocejo, acho que a criatura humana vai dormir, não façam barulho, porque se ela não dorme bem ataca-nos logo cedo com  uma dose maciça de cafeína e é o caos físico.
Quando há dor, todos os órgãos se olham por dentro, se entre-olham por fora.
Mexemos contigo, abanamos-te, chamamos-te, gritamos-te, por uma dor que nos magoa, que é tua, mas também nossa.
Não importa a culpa, queremos a solução. Trabalhamos em conjunto. Caminhamos nos mesmos passos, na mesma direcção para a vida.
Queremos ir mais longe, contigo. 
Cuida de nós, cuidaremos de ti, assim teremos um futuro longo e feliz…

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Post.it: Passeio matinal

Hoje  quando fui passear o cão senti que ainda levava a noite comigo, que os sonhos ainda me envolviam os pensamentos, pouco a pouco foram perdendo a conexão, o sentido. Os sonhos são coisas estranhas, enquanto dormimos tudo faz sentido, as imagens, as histórias que nos contam, mas depois, quando acordamos surgem-nos como uma embaralhada de coisas sem nexo. O estalo da fechadura  no fechar da porta magoou-me os ouvidos porque rasgou abruptamente o silêncio que ainda me embalava os sentidos.
Pouco a pouco fui despertando, pé ante pé, osso a osso acamando-se no corpo, músculo a músculo aconchegando-me como se fosse abraço que nos ampara, um arrepio na pele, uma gargalhada de  vento, e a chuva miudinha caindo como um manto frio que brinca com os meus cabelos enchendo-os de gotas brilhantes.
No meio do escuro, sentia-me uma sombra, os gestos suaves quase se diria, eram passos de dança, sorrio deste pensamento, “ora eu que nem tenho jeito nenhum para a dança”, talvez por isso de vez em quando um passo sai meio desequilibrado, ou então foi por causa de uma curva, um buraco no passeio, o empedrado com falta de algumas pedras. De repente a sombra quase desaparece para reaparecer mais adiante, como se me guardasse, como se me espiasse, não sei mar reconforta-me não me saber sozinha. Tudo à minha volta é silêncio, nem o cão ladra ou rosna, só perscruta o caminho na sua missão farejadora, vai para aqui, puxa-me para ali, e eu vou, com olhar atento mas o pensamento voando.
Por um curto momento olho para cima, as estrelas já  partiram, o sol ainda dorme e a lua acompanhando-me com um olhar amigo esboça quase um sorriso ou seria um quase bocejo que esta guardiã da noite me ofereceu como comprimento matinal?
E lá seguimos o caminho, eu, e a lua. Uma estranha relação, improvável até, eu  nada lhe digo, ela responde com o mesmo mutismo. Há amizades assim, companheiras de uma vida mas que nunca se falaram, nem para trocar um simples bom dia, desejar uma boa noite, fica tudo entre nós numa breve troca de olhares. Palavras, para quê? Opinar, discordar, etc.? Não, estamos bem assim, basta ela estar lá, basta eu estar aqui.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Os devaneios de uma vida

Triste de quem se acha feliz,
Na passividade da sua casa,
Sem devaneios de petiz,
Nem vento que lhe eleve a asa.

Triste de quem assim viveu,
Que dele pouco ou nada dizem,
Até ao dia em que desapareceu,
Como se fosse um trem de viagem.

Triste de quem por aqui andou,
Com os passos sempre contados,
Que só dormindo então sonhou,
Mesmo que sonhos não realizados.

Se a vida fosse só para ser vivida,
Só para por ela cada um passar,
Que teria esta vida de divertida,
Sem histórias de glória para contar?

Bem digo as minhas cicatrizes,
Até as emoções desencontradas.
Antes de tristes foram felizes, 
Antes de amargas foram encantadas.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Aprender com cada etapa da vida

Ajuda-me a reconhecer cada momento do que sou,
Que encontre complacência nas coisas boas que vivi.
Dá-me coragem para aceitar as minhas limitações.
Que eu me alegre com cada etapa da minha vida,
Glorificando cada pequeno passo dado,
Sem nunca desanimar pela lonjura da meta.
Que eu ainda me sinta útil ao mundo,
Mesmo que apenas em pequenas tarefas.
Que a pressa dê lugar à terna paciência.
Que cada dificuldade me seja um desafio,
E não a encare como uma constante derrota.
Que na solidão encontre a tua companhia,
Que na doença encontre o teu amparo.
Se a visão diminuir que eu veja com o coração,
Se a audição diminuir que eu ouça com a alma.
Que cada dia não seja uma despedida,
Mas antes o reencontro com a esperança.
Que no meu ânimo e amor volte a ser criança,
Que as minhas horas sejam de constante bondade, 
e todo o meu caminho seja feito com serenidade.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Post.it: Um dia encontrarás o que procuras...

Curioso, como a vida nos acontece, a sucessão de coisas que nos surgem, momentos que nos surpreendem. Os mistérios que se desvendam perante o nosso olhar.
Quando acordamos pela manhã,  desconhecemos o que nos reserva aquele dia. Pensamos que tudo vai ser igual, acontecendo nas mesmas horas, nos mesmos sítios,  que nos vamos cruzar com os mesmos rostos, ouvir as mesmas palavras, fazer os mesmos gestos, a rotina que nos cansa pela monotonia, o hábito que nos faz sentir bem nessa área de conforto.
Mas eis que algo muda obrigando-nos a levantar os olhos do chão.  Algo que chama a nossa atenção, que nos faz parar e, de repente, o nosso dia fica diferente do ontem tornando único o hoje. Pode até ser pouco mais que nada, mas o suficiente para nos fazer parar, pensar, sentir.
Aquela melodia, aquela frase, aquele sorriso, aquela lágrima,  aquele grito que vem da alma e chega calado aos lábios. Aquela imagem de  vida rasgada e sapatos sem estrada.
Ou, porque não aquele aroma que fica no ar que nos abraça os sentidos e nos faz regressar a um tempo que julgávamos esquecido, a memória olfativa leva-nos para verdes prados onde corríamos numa liberdade que só sente quem não sabe o que é o medo de correr e cair. A queda não nos assustava, as esfoladelas eram medalhas comemorativas da infância, o que nos assustava era que chamássemos e não viesse ninguém para curar-nos a ferida do joelho.
“Um dia encontrarás o que procuras”, acreditamos que sim, crescemos com esse objectivo, mas, nunca o encontramos, dizemos quantas vezes com desalento. Não encontramos, não porque desistimos de procurar mas porque não sabemos o que procurar. Será que é por um pote de ouro no final do arco-íris? Não, era por aquele minuto em que paramos para ouvir a melodia de uma pequena ave, de olhar para aquele ninho onde os ovos começam a quebrar e a vida a aflorar. Uma criança que pede a ternura de um colo, a flor que na sua delicadeza revela corajosa resistência ao vento e ao sol. A harmonia das 7 notas musicais criando as mais sublimes e distintas melodias. 
Tantas e tantas coisas que só cada um pode contar à noite como foi o seu dia, se mesmo sem procurar se encontrou uma razão para viver e renascer em cada amanhã.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Post.it: Através dos meus pequenos olhos

Lembro-me de mim, num tempo em que tudo era novo, tudo era descoberta. Lembro-me de ter sempre os olhos ávidos por ver, por ir mais longe, por conhecer.
Lembro-me que os meses pareciam dias e os dias horas. Que o sol despertava e adormecia antes de conseguir viver tudo o que queria viver nesse dia. Os mais velhos lançavam-me olhares de cansaço como quem vem de uma longa viagem. E eu com palmo e meio de vida, um pouco mais de curiosidade, subia-lhes para o colo, aninhava-me nos seus braços e deixava-me embalar por histórias que não ouvia mas que adivinhava. Enquanto pensava, “um dia, hei-de ser como os crescidos, abrir a porta e caminhar pelo mundo.  Hei-de sair com a madrugada na mochila e regressar com tanto que contar que nenhum sono há-de chegar nessa noite só para ouvir as minhas histórias repletas de vitórias”. Porque quando se é criança, não há derrotas apenas vitórias adiadas, desafios para nos impulsionar a tentar de novo. 
E esse dia chegou, deixaram-me sentada num banco da escola. Nunca o tempo me pareceu tão lento nos seus passos de marcha até à hora seguinte. Os dias começaram  a parecer-me meses e os meses sentia-os como se fossem anos. 
Nesse primeiro dia, quando cheguei a casa, corri para o meu quarto, saltei para a minha cama, abracei a minha almofada e senti-me imensamente feliz. Foi então que percebi que nenhuma viagem tem a história mais bela do que aquela em que regressamos ao conforto de um lar, àquele espaço onde nos sentimos seguros para fechar os olhos e sonhar.