segunda-feira, 29 de maio de 2017

Post.It: Chuva de domingo

Caía uma chuva mansa, tristíssima, num domingo à tarde. Tinha tanto planos, todos eles secos, contando para isso com o sorriso amplo do sol. Mas o astro rei, domingou, descansou de um verão que parecia querer prematuramente invadir-nos, mas isso foi durante a semana, em dias de trabalho quando as temperaturas ultrapassaram os 30º. Começámos a desenhar planos, esboços de um fim-de-semana pleno de aventura, um mergulho no mar, um passeio pela costa litoral, um picnic, encher os olhos de azul, um encontro de amigos, uma mochila às costas e caminhar,  limpar os pulmões dos ares urbanos, expurgar os pensamentos da demasiada proximidade civilizacional.
 Sair da rotina, abandonar  o relógio na cómoda do quarto e guiarmo-nos apenas pelas sombras do sol, mas ele, revelou que  tinha outros planos, nos quais eu não estava incluída.
Senti-me abandonada, traída, senti o rosto molhado, mas eram as gotas de chuva a deslizar, perguntei-me se seria solidariedade ou qualquer espécie de vil castigo, revoltei-me, não o merecia. Ergui a minha espada de argumentos e esgrimi palavras desventuradas, nem o eco me respondeu.
Voltei para casa, despi a roupa molhada, fiz um café bem negro, como os meus sentimentos, deitei-me no sofá, acendi a televisão e continuei a ver a catrefada de episódios gravados da série Guerra do tronos, mergulhei naquele tenebroso   ambiente, senti-o  semelhante ao meu, também ele triste, solitário, de lutas perdidas, adormeci, cansada deste domingo, que me roubou todos os sonhos que me levaram uma semana inteira a criar, sonhei e nesse sonho reencontrei-me alegre, caminhando num verde infinito e o azul estava límpido de nuvens claras deixando aqui e ali escapar um raio de luz solar. 
Quando acordei, a noite já tinha chegado, levantei-me leve, vesti o impermeável e fui passear o cão. Senti que nada me tinha derrotado, nem o silêncio da escuridão, nem a chuva mansa, ela sim, tristíssima.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Post.it: Quantos olhares há nos olhos?

Que olhos nos olham? Com que desejo, perspetiva, com que sentido o da razão ou do coração. Nunca seremos totalmente quem somos, na leitura dos outros, na nossa própria leitura. Poderíamos ser diferentes, melhores, dizem os pais, os amigos, os amores. Mas aí, na verdade, seriamos nós?
Nós que somos imperfeitos, cheios de manias,  hábitos, de egoísmos, de narcisismos, daquilo que fez os outros aproximarem-se e, em algum momento até, gostarem de nós. Claro que a beleza física também é causa desta atracão, mas o que os faz ficar, depois já não é esse desfile de vaidade pela conquista, é antes o sentir-se de alguma forma, conquistado.
Terá sido o olhar, o sorriso, a tonalidade da voz, a sua inteligência, a sua generosidade, tranquilidade, confiança, talvez, tudo isso, talvez nada disso, apenas o nosso olhar sobre esse alguém que lhe deu a forma da nossa vontade.
Foi o encontro que esperávamos, que aconteceu e a partir daí tudo é composição, desenho da alma, esboço do nosso querer. Culpa do amor, que nos ama, que nos faz amar e que nos/vos idealiza, o amor dos pais, dos amigos, dos namorados…
Por vezes o amor vacila, há momentos em que nem sempre o sol brilha e quando isso acontece, veem o nosso (lado lunar). Não acreditam, acusam-nos de termos mudado, acusam-se de terem mudado, querem recuperar-nos no que eramos ou desistem e partem à procura de nós em outros, chegam a encontra-los ou a acreditar que sim. No fundo nunca foi a nós que viram, não foi a nós que amaram. Porque quem nos vê, quem nos (vê) realmente, com todos os sentidos, ama-nos, nos defeitos e nas virtudes. 
Ama-nos, não por sermos perfeitos mas porque de alguma forma as nossas imperfeições conjugadas com as suas complementam-nos, tornam-nos seres melhores e de vez em quando, até, mais felizes.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Post.it: Escapa-nos

Por mais atentos que estejamos escapa-nos sempre algo, aquele instante que, quem sabe, teria sido o melhor da nossa vida.
A vida é feita de coisas boas que nos escapam e de outras más a que nos agarramos tentando dessa forma, esquecer. Porque tudo o que existe, existe no tempo, um tempo que se manifesta e prossegue na sua contínua viagem sem se deter, indiferente aos nossos desejos, indiferente ao nosso próprio tempo. Por vezes, esse tempo, parece até, rir-se de nós, quando o deixamos escapar, sem o abraçar, sem o sentir a crescer em nós, como se nos fosse semente de esperança, de energia impulsionadora para algo que poderíamos fazer e não fazemos.
Nem sempre temos noção desses momentos, passaram tão depressa que os sentimos como sopro de vento, então dizemos, poderia ter sido mas não foi, poderia ter-nos acontecido mas não aconteceu. Será que não aconteceu, ou fomos nós que deixamos passar o momento a oportunidade, por distracção, por medo de agir, por confiança de que surgirá outra. “Não era para acontecer”, como nos acomodamos nessa ideia de conforto, assim, a culpa, nunca é nossa, mas do destino. Pobre cruzado e cruxificado culpado sem culpa formada e condenado sem julgamento. 
Talvez, na realidade, independentemente da nossa vontade, da nossa força, da nossa coragem em agarrar tudo o que a vida nos oferece ou aquilo que conquistamos, mas ainda assim, escapa-nos, consegue fugir de nós e deixar-nos com a desilusão de quem quer reter a areia entre as mãos mas acaba sempre com elas vazias.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Post.it: Milagres

Foi um fim de semana de “milagres”, muitos assim lhe chamaram. E porque não? Tudo correu bem (para alguns), para muitos inclusive, não para todos, porque para haver uma vitória, quantas derrotas ficam por contar. Para haver um vencedor, há sempre um outro que perde, com mais ou menos fair play. A cada riso de quem toca o topo, quantas lágrimas ficam pisadas no chão.
Mas também há os que são mais positivos, os que nunca desistem, os que não deixam de regar a esperança impedindo que sucumba ao inverno da gélida negatividade, um dia, quem sabe também a vitória lhes sorrirá. Seja em que atividade for, em que língua aconteça, em que circunstancias ocorra, há-de suceder, porque não?
Afinal, por vezes,   os milagres acontecem. Aqui e ali, pequenos momentos que se concretizam, que nos realizam, que nos fazem voar mesmo sem asas, que nos fazem acreditar que conseguimos chegar mais além do limite delimitativo do nosso horizonte existencial.
Chamamos-lhes milagres, queremos que sejam milagres, porque acontecem inesperadamente, porque nos parece impossível e torna-se  possível, porque são aquilo que nem sequer nos permitimos sonhar, desejar, acreditar, lutar,  já quase tínhamos aceite como inexequível.
E no entanto quando acontece, há um silêncio, uma ausência de palavras, nem sequer chegámos a inventar um discurso de agradecimento. Mas até mesmo sem palavras, agradecemos com a comoção em uníssono de todos os sentidos. Rimos, choramos, pulamos, caímos de joelhos no chão, ou perante a surpresa, ficamos apáticos e, nesse instante, por milagre, por magia, por qualquer coisa em nós, escuta-se o coração não no seu batimento muscular, mas na sua explosão de emoções em devota e grata voz.


segunda-feira, 15 de maio de 2017

Post.it: A ilha que sou

Por vezes imagino-me numa ilha, náufraga de sonhos perdidos, de fantasias perdidas. E nesse isolamento reencontro-me, sou-me parceira, amiga, sem contudo sentir de tudo o resto solidão. Há uma felicidade que me inunda, há uma paz que me aconchega. Deixo os passos na areia, sem outros por perto, regresso ao mesmo caminho só para lhes fazer companhia. Mergulho o olhar no oceano, ouço o seu doce murmurar em amena cavaqueira com o sopro do vento, conversam como se ninguém os estivesse a escutar, falam de tempos já perdidos por entre dunas de esperança. Eis que então, o mar  alteia uma crista de onda enquanto se ri de tão ridícula lembrança. A areia quente adorna suavemente o solo em volta das árvores num abraço tão familiar que nem o vento tem coragem para os tentar separar. Ao fundo uma montanha, não será muito alta, mas surge como que gigante perante a minha diminuta existência. Não sei se a suba, e se a subir não sei se a desça, gosto de a ver distante, encosta protectora das maiores tormentas, intempéries da terra e tempestades do mar. Lá de cima talvez veja tudo, este meu pequeno mundo, deserto de vidas humanas, vazio de existências vivas,  prefiro imaginá-lo grande, infinito, habitado pela bondade, pela consideração, dedicação, partilha e liberdade.

E nesta ilha que imagino estar, neste paraíso onde em certas ocasiões habito, de tanto a querer, de tanto a sonhar, sinto por vezes a maravilha de nos mais belos momentos tornar-me nela…

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Post:it: Poemas com rima

Gosto de poemas com rima, dá-me  uma sensação de coisa arrumada. Gosto da cadência fonética, quando os sons parecem chuva de inverno, umas vezes mansa e suave, outras em força e brusquidão quase impositiva como que exigindo que a deixem entrar.
E nós em casa, sequinhas vamos gozando com as gotas grossas que embatem na janela e deslizam até ao chão, derrotadas na sua intenção de chegarem até nós e nos encharcarem de água.  E nós sequinhas dela, um quase luxo, um verdadeiro prazer, o nosso lar quente, aconchegante e lá fora uma inundação de mágoas do céu que vão formando  um rio sem rumo descendo a rua pisada pelos passos da indiferença.
Gosto de poemas que contam uma história mesmo quando não é feita de vitória. Porque contam a vida, por vezes a nossa, escondida numa qualquer combinação métrica.  A vida que não se inventa, por vezes recria-se dentro de nós, recomeçamos, mas  sem a fantasia romanceada de um breve folhetim.  Poemas de quem passa e mesmo passando, fica, quando lemos, quando sentimos o seu toque na pele dos sentidos.
Gosto de poemas que têm emoção, que caminham sem pressa e chegam ao coração. Poemas de começo de tarde, que nos aquecem, que nos enchem de palavras embalantes e buquês de flores campestres. Poemas com alma que nos adornam com uma tépida calma, gosto da sua voz que nos invade cada recanto silencioso dos nossos torpores, dores e medos, trocando-os por encantos, e encantados prantos, que nos adormecem e anestesiam as paixões, razões e contradições dos seres que irremediavelmente somos.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Sem utopias


De repente um deserto,
Invade toda a cidade.
Sem nada de certo,
Nem a própria idade.

De repente a escuridão,
Cega de tanta luz.
Como se ao coração,
Nem o amor o seduz.

De repente noites sem dias,
Amanhãs cheios de ontens.
Aprende-se a viver sem utopias,
Sem sonhos, sem miragens.

De repente cresce em nós,
Um tempo de arvoredo.
Foram filhos, pais, agora avós, 
E a vida é-nos magistral segredo.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Post.it: Outono

E o outono? E o outono? Gritam os fãs desta estação, sentindo-se quase que discriminados, ou totalmente esquecidos das minhas palavras. Não falei do outono, é-me difícil, porque o sinto tão profundo em mim, que tenho receio de que as minhas parcas palavras não lhe façam justiça. Uma estação, quase um apeadeiro, uma quase paragem, não para ficar de braços cansados e desistentes, mas de braços que oferecem abraços. 
Porque apetece abraçar as árvores que ofereceram sombra e no outono deixam as folhas cair, partir. Prometem voltar, mas quem não conhece as promessas vãs das partidas? Todos nós que já lhes acenámos, todos nós que sentimos uma fonte de saudade a invadir-nos o peito. Sim, há-de voltar mas se assim não for, que esteja onde estiver, feliz.
O outono seco, amarelo, dizem que murcho, triste, não! Apenas nostálgico, porque não tem a eufórica ventura do verão, mas rejubila por não ter igualmente a dureza do inverno. 
É uma estação de terna consolação. Uma cadeira no adormecer da noite, uma dolência na frescura das tardes. Aquela imagem das crianças quando vão para a escola, com roupas novas, com livros cheios de saberes, alegres por reencontrar amigos. As praias cada vez mais vazias, os parques da escola cada vez mais cheios, os risos são os mesmos, infantis, ingénuos, sonhadores, repletos de esperança. 
Os pássaros cantam suaves melodias, e com a sua música dizem aos filhos que está na hora de também eles voarem. Já apetece tapar os braços nus, já apetece apertar contra o peito o casaco de malha, já sabe bem caminhar por tapetes de folhas sem o calor nos cansar. Já apetece ficar a ver o mar sem desejo de nele mergulhar, sentindo-o embalante no seu movimento.
Mas ainda é cedo, demasiado cedo para receber o outono, para o viver, para o sentir, cada um à sua maneira, uns com vontade de voltar ao passado, outros com o anseio de chegar rapidamente ao futuro. Quanto a mim, não tenho saudades a prender-me ao ontem, nem tenho pressa do amanhã, quero simplesmente vivenciar o hoje, qualquer que seja a estação.




terça-feira, 2 de maio de 2017

Post.it: Há sempre uma outra primavera!


O inverno é mais belo quando se despede, porque fica dele a saudade, dos ventos que dançam nas árvores, das chuvas que nos encobrem as lágrimas e servem de desculpa para o riso adiado. Porque faz frio, porque me doem as mãos, a alma, o coração. Depois há a neblina, o denso nevoeiro, a solidão, a escuridão.
Mas quem esquece o calor da lareira ruborizando o rosto, o chá fumegante, a maciez de uma manta aconchegando o corpo. O livro que conta uma história diferente da nossa. A música que nos embala ternamente os sentidos.  
Mas eis o equinócio, odiamo-lo porque nos aproxima cada vez mais do verão, do seu intenso calor, da falta de brisas, do suor descendo em nós como se fossemos uma avenida de curvas e contracurvas, as roupas coladas à pele, as sombras na explanada todas ocupadas, os gelados que são frescos mas não refrescam e apenas nos oferecem dolorosas calorias, o mar convidando ao mergulho com ondas amigas ou traiçoeiras que nos abraçam mas também roubam vidas.
Ainda bem que pelo meio há uma suave pausa, um “feriado” no tempo, entre um adeus e um olá, a chegada branda e perfumada dos horizontes primaveris, a festa das andorinhas, o renascimento da natureza, os ovos despontando nos ninhos, o céu coberto de um azul brilhante, a vontade de olhar a vida com todas as cores do arco-íris, voltar a sonhar mesmo depois de acordar. 
E dentro do peito resplandece-me por instantes, a primavera de me sentir flor…