sexta-feira, 27 de abril de 2018

Post.it: Sorriso(s)

Os sorrisos, são todos diferentes, raramente reparamos nisso, mas é verdade, são diferentes. Como comparar o sorriso de uma criança, ainda tão cheia de confiança, tão cheia de futuro, tão dona do mundo, com o sorriso parco de quem já viveu todo esse futuro e lhe chama agora passado.
É diferente o sorriso de quem chega, do sorriso de quem parte. Um e outro carregam uma espécie de mágoa, a do regresso por ter partido, a de partir sem saber se regressa.
Se os sorrisos falassem, quantas coisas nos diriam, como nos surpreenderiam pela sua profundidade discursiva, pelas ideias, pelos sentimentos. A verdade é que os sorrisos falam, mas nós não conseguimos escutá-los com os olhos e ficamos a olhar para eles na esperança que sejam isso apenas, sorrisos…
Pensa-se que m sorriso é uma manifestação de alegria, uma espécie de felicidade contida, com receio de nos ser roubada pelos infelizes, esses que já nem sequer sabem sorrir.
Mas o sorriso tem muitos sorrisos contidos no seu, quando ele sorri até aos olhos, quando nos enche o rosto de orelha a orelha, também pode ser tímido, um tanto envergonhado por sorrir sem encontrar para isso uma razão, é apenas um gesto, que diz tudo, ou seja nada, porque quando as palavras já não fazem sentido para justificar a vida, encolhe-se os ombros e sorrisse, assim,  ninguém o questiona e com um pouco de sorte ainda o retribui.
E uma espécie de código, que usamos, que aceitamos, quando os outros nos calam com um sorriso. Quando nos desarmam com um sorriso e, nós, sorrimos também. Que fazer? Matar aquele sorriso? Arrancá-lo de um rosto e ver no seu lugar surgir um rio incontido de pranto? Não, que sorria, que acredite que é um sorriso de alegria, que nos faça acreditar que ele é o caminho para um por pôr-do-sol quando o astro rei, também ele, nos sorri, até mesmo quando chove…



segunda-feira, 23 de abril de 2018

25 de Abril

Com um pouco de boa vontade,
Com palavras de livre expressão,
Pode pelos rios da pura bondade,
Navegar livre e solidário o coração.

Quando o fim à xenofobia.
Der início a cada sorriso.
Onde a paz em cada dia,
Diz que lutar não é preciso.

Dizemos não às armas letais,
Dizemos não a qualquer prisão.
Que nos nega o sermos iguais,
Em direitos, verdade e razão.

Só então haverá democracia,
Só então haverá identidade.
Quando a popular soberania,
Festejar sem medo a Liberdade.

Venham os cravos mais de mil,
Vamos com eles fazer um jardim.
Para que o nosso 25 de Abril, 
Nunca venha a conhecer um fim.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Post.it: Medir a tensão


Agora tenho que medir regularmente a tensão arterial para aferir se aquele pique foi um episódio isolado ou se me tornei hipertensa, coisas de viver nesta vida, nesta sociedade, neste clima, nesta economia, nesta crise humana ou desumana. 
Enfim, faz parte, começo a mentalizar-me, as peças avariam, os feixes entram em colapso, o corpo em queda e a alma, quiçá, um dia em voou. Mas entretanto vou cumprindo as ordens médicas, e medir a tensão é uma delas. Ora lá vamos nós, tirar o aparelho da caixa, espera Polinho, já te mostro o que isto é, tira-te da frente, porque senão nem eu consigo ver como isto funciona. 
Então, colocar a braçadeira no braço, no meu braço, Polinho não no teu focinho peludo. Não espera, isto não é para roeres, ainda furas a câmara de enchimento. Ufa! Consegui prender isto ao braço, foram quantas tentativas? Umas 10, mas quem está a contar? Agora é encher com ar, carregar no botão (iniciar) e deixar a máquina fazer o seu trabalho. 
Não, Polinho era para ligar, não para desligar!
Ok, recomeçar, carregar no botão, desta vez o enchimento começou sem interrupções. Começo a alegrar-me com o facto, mas, Polinho! Sai de cima do aparelho, que apita ERRO, ERRO, ERRO!. Já ouvi, ó máquina, cala-te, ou melhor desliga-te!...
Novamente, respirar fundo, recomeçar… Iniciar, encher de ar e aguardar pelos valores lidos da minha tensão.
Com o braço direito imobilizado para fazer a medição, tento com o esquerdo segurar o irrequieto Polinho que tenta saltar de novo para cima do medidor de tensão. Tanto se mexe que lá consegue libertar-se da prisão do meu braço e aterra feliz sobre o aparelho, este em angústia grita de novo, ERRO. ERRO. ERRO.
Desisto, hoje não vou medir a tensão, mesmo que conseguisse iria certamente dar valores demasiado altos. E o médico se os visse na consulta afogava-me em medicação: hipotensores, calmantes, diuréticos, sei lá mais o quê. 
Enquanto eu, impávida e serena com o meu ar de (quase) infinita paciência, perguntar-lhe-ia, 
-  Posso dar algum deles ao meu cão?


terça-feira, 17 de abril de 2018

Post.it: Boas leituras

Não gosto de escrever assim, como quem arranca flores à primavera e de repente, perdem-se as cores, perdem-se as sensações mais doces, resta apenas um certo vazio no peito, um opaco no olhar e na boca um silêncio cheio de palavras abstractas. Chamam-lhe escrita moderna, uma escrita que se lê veloz e se acaba cansado como quem vai ao ginásio exercitar o corpo e se esquece da mente. Como quem acelera o coração atrás de uma emoção e quando a apanha, sofre uma decepção, não era ela, apenas era parecida com aquela, aquela com que sonhamos e que acordamos sem a chegar a abraçar.
Sim, porque, hoje na escrita, fala-se com demasiada ligeireza de abraços, mas eles nunca nos chegam  a aconchegar. Fala-se de beijos que são deitados ao ar como se fosse um bouquet de noiva, que todos querem apanhar mas nunca apanham.
Mas é escrita moderna, quem não a reconhece, quem não a aprecia, é catalogado de antiquado, retrógrado e uns quantos mais piropos.
E depois, escrevem-se linhas e linhas com palavrões e ultrajes…, linguagem popular, dizem. Estão no dicionário, afirmam,  com as armas literárias de quem as usas sem ter noção do quanto podem ser letais. 
Então, pego nas minhas páginas rabiscadas, porque sim, é assim que as vejo quando as comparo com a tamanha eloquência da novas tendências de moda literária, arrumo-as na gaveta. Dizem que a moda é cíclica, quem sabe um dia, voltam a estar em voga os sentimentos mais ternos, as frases mais extremosas, as palavras mais polidas, a delicadeza dos termos, a cortesia das expressões e o que se escreve ganhe novamente um sentido de viagem que leva o leitor pelos rios da fantasia, desembocando no mar das emoções e depois de vendavais, a bonança de um fim, não necessariamente feliz, mas que nos deixe algo em que pensar, que nos preencha de prazer e de uma felicidade que só conhece quem lê um bom livro.


sexta-feira, 13 de abril de 2018

Post.it: Essa menina

Às vezes, sinto-me a menina que nunca fui. Com uma flor no cabelo, de saia florida, sapatinhos brancos e gestos de inspirada bailarina rodopiando sobre a relva. Às vezes sinto-me a criança que nunca fui, correndo num jardim, feliz, tão feliz que quase podia voar e ficar no céu a pairar na companhia das gaivotas. Uma menina que cresce sem mágoa, que tem no rosto o sorriso infantil de quem nada sabe da vida e acredita que tudo não passa de uma brincadeira. Só com a  preocupação de construir  casinhas de legos, arrumar as de panelinhas e fazer chás para as bonecas.
E à noite com o cansaço de quem teve tempo para brincar,  adormecer numa cama fofa como se fosse uma nuvem, num quarto que tem nas paredes desenhos de prados e animais da quinta e no tecto quando a luz se apaga cintilam luminosas  estrelinhas.
Dormir embalada pela  voz melodiosa de  quem conta uma história de aventuras de animais que são heróis, não por terem super-poderes mas porque ajudam os amigos sempre que eles estão em perigo.
Às vezes procuro por essa criança, algures,  dentro do peito, nos confins da memória, enquanto me olho no espelho em busca do sorriso dessa menina. Imagino-me, porque só a imaginação assim me consegue ver, só ela me consegue encontrar por entre os meandros da minha história, a minha verdadeira história.
Então rasgo cada recordação e escrevo em mim a menina que queria ter sido. Conto-me histórias e adormeço a sonhar com elas. Um dia vou ser essa menina e a flor no cabelo lembrar-me-á aquela eterna primavera, a saia florida dançará ao vento, e eu, pobre de mim tão pouco habilidosa para as artes da dança, ganho jeito e danço finalmente nas asas de uma gaivota. Com ela elevo-me até aquela estrela que nas alturas celestes me guia à noite e consigo vê-la mesmo de dia, dizem que é a alma de alguém que gosta de nós, por isso, gosto dela, mesmo sem lhe conhecer o nome.
Às vezes, sinto-me a menina que não fui, sinto-a pulando-me no peito, rindo-se nos meus olhos, estendendo-me as mãos e dizendo-me baixinho, que ainda temos muito que brincar antes que a noite chegue, antes que adormeça para no dia seguinte ao despertar voltar a ser, apenas o que sou.
Mas algures entre a linha do horizonte e a infinitude da vontade, lá, onde não existem delimitações temporais, por um breve instante, sou essa menina, acredito que sim, mesmo que seja apenas num sonho.


segunda-feira, 9 de abril de 2018

Post.it: Um sorriso

 “Tens  uma escrita urgente como se tivesses pressa de dizer tudo o que te vai no coração”. É o que me dizem, não comento, sorrio. Como em tudo na vida, sorrio. Sempre me pareceu a melhor solução, ou pelo menos a de efeito mais rápido.

Um sorriso que a tudo parece responder, que com tudo parece concordar. Mas que penso, que sinto? Confesso que escrevo com pressa, num ritmo que nem eu consigo acompanhar a ordem ou desordem das minhas ideias. Tento apanhá-las, escapam algumas, não desisto da corrida e algures no tempo da escrita, encontro-as, sorrindo, sim, porque também elas sorriem, estão à minha espera.
Na verdade não querem fugir, mas ser apanhadas, captadas algures dentro do peito. Por vezes sinto-as como folhas esvoaçantes no vento, outras, simplesmente pairam no ar, pacientes de que as escreva, que lhes dê visibilidade.
Claro que também há momentos em que as palavras me pesam, me magoam como se para as pronunciar tivesse da as arrastar pela vida fora, aprisionam-me a um passado que quero distante. “Um dia destes emigro, abandono-vos e vou viver para o futuro”. Parece uma frase louca, mas loucura maior é ficar nesta “prisão” que não me redime, apenas me oprime.
Resta-me o sorriso, essa quase “mentira” de um músculo do rosto, o que importa é que acreditem e acreditam.
Já me chamaram emoji! Porquê, estou amarela?
-  Não, estás sempre a sorrir. Então rio ou talvez seja apenas uma ruga de expressão que dá essa sensação.
Viro as costas, meto as mãos nos bolsos e lá vou bamboleando um fado de viela, ou como já dizia o outro “ mais vale só que mal apaixonado”.
Gracejando como se o coração também me sorrisse, “mas para isso é preciso fazer cócegas na alma”. 
Afinal, o passado só está na nossa cabeça, já o futuro estará sempre nas nossas mãos.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

As duas margens

Eram duas margens,
Separadas pelo pôr-do-sol.
Eram duas miragens,
Embaladas pelo rouxinol.

Que numa épica canção,
Faz do sofrer uma melodia.
A história de uma paixão,
Que não saiu da fantasia.

Não, por ser proibida,
Não, por amor não ter.
Porque nasceu dolorida,
Antes mesmo de acontecer.

Amores desencontrados,
Nas margens e no querer.
Corações sem ser amados,
Por quem amado quer ser.

Assim canta o rouxinol,
No despertar da madrugada.
Quando já se avizinha o sol,
E no coração a emoção é calada.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Post.it: O pescador

Um dia, promete-me que irás contar-me o teu segredo, esse que te faz sorrir como se conhecesses todos os mistérios do universo. Um dia ainda me irás contar o que te faz contemplar cada dia com o olhar ainda maravilhado, como se fosses uma criança que só agora começa a descobrir a vida.
Um dia irás revelar-me a fonte de ternura que tens dentro de ti, de onde ela vem, que foz leva até esse rio caminho para o mar e a torna assim tão imensa,  tão inesgotável.
Diz-me por palavras, por gestos, por silêncios tão cheios de conversas, aí onde me desvendas quem és, nessa tranquilidade e nessa harmonia de existir.
Porque uns passam sem ver quem os rodeia, outros passam simplesmente sem ser vistos.
Uns e outros passam. Uns e outros ficam, algures, na história ainda que célere da nossa memória.
 “O que importa é a passagem e não o passar”, diz empertigado um intelectual com ares de filosofia egocêntrica e pouco, muito pouco metafisica.
O velho pescador não se perde em devaneios, ele que é, um mar com um rosto queimado de sol, com olhos cansados ainda conservam o olhar de farol cuja luz que se estende para lá do horizonte, já pouco ou nada tem para dizer, tudo lhe fica em silêncio no peito.
“Sei lá o que importa”, murmura com voz cavernosa de tantos cigarros chupados enquanto espera que o peixe morda o isco.
Talvez apenas o ar que nos enche os pulmões, o sol que nos inunda o olhar, as nuvens que nos são suaves sombras. Tudo o resto é filosofia, tudo o resto é fantasia. “Tudo o resto é gente nesta ilha que somos”. E o que somos é um pouco de tudo e um pouco de nada, como “o oceano que contém a gota de água mas também a gota de água contém o oceano”, nós contemos a pessoa humana, mas também a pessoa humana contém a humanidade.
“O que importa é passar, sinal de que se esteve”, comenta o velho lobo-do-mar enquanto remenda a rede de pesca.