segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Post.it: Perco-me

Tudo o que sou é nada, que tu transformas em algo de bom. E eu sendo tu, sou tão maior, sou tão melhor. Completa no existir, inteira no ser.
Tudo o que era: caminho que se derramava. Que se estreitava, que se perdia. Deserto por onde caminhava em busca dum oásis, mas sem esperança sequer de o vislumbrar.
 Tudo o que fui em esquecimento se transformou. Para quê ler as folhas escritas por outro batimento, um compasso que não tinha eco.
Tudo o que serei agora é contínua descoberta,  feita de dias, de luminosidades, de tonalidades, de sons partilhados, vividos em consonância perfeita com os hemisférios.
 Tudo o que sou,  esse nada, que renasceu da espuma do mar, cresceu em onda, foi maré, quem sabe um dia mar, oceano onde possa desenhar abraços por toda a  amplitude terrestre.
Tudo o que sou é sombra diluída dos dias que contigo hei-de construir. 
Mas tudo isto é o sonho, uma voz quase inaudível de esperança, resquício de um luar que a manhã resgatou ao primeiro raio de sol, tudo é bom quando vem a seu tempo e nos permite vive-lo na sua plenitude. Quando uma lágrima não nos vem roubar o sorriso, quando uma dor não nos vem roubar o ânimo, quando tu, cujo nome pronuncio com receio de o profanar de egoístas desejos, chegas e te sentas a meu lado. Escuso-me de te pedir que fiques, que me ouças, que me entendas, quando sou eu, unicamente eu,  que me perco demasiadas vezes dos teus passos.


segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Post.it: As mudanças

Quando fazemos mudanças de casa há sempre muito por arrumar, por deitar fora. Coisas que escolhemos  levar, coisas  que  excluímos, afinal,  sem  nos  darmos conta, ao  longo dos anos fomos  acumulando  tralha  que agora não  nos  serve  para  nada,  outras já tiveram o seu uso avariaram  mas  por  uma  questão  de valor  emocional  guardamos, quem sabe um dia ainda terá arranjo.
É o bom das mudanças, esta arrumação, esta selecção, sobretudo quando é feita por nós, com tempo, com consciência, com vontade de lhes dizer adeus, com vontade de recomeçar.
Mas há mudanças que nos impõem, que não queremos, que nos são dolorosas porque nos impedem de despedir de um tempo passado e nos obrigam a encarar sem preparação um tempo futuro. Mudanças onde não nos deixam levar as coisas que nos aconchegam, objectos que nos trazem gratas memórias, um pouco da nossa história aqui para ter continuidade ali.
Não sabemos bem o que sentir, reclamar, agarrar e defender o nosso (urso de pelúcia)? Não!. Somos pessoas crescidas aprendemos a conter as nossas mágoas, a transformá-las em aprendizagem e a vida ensina-nos que podemos levar todas a nossas coisas, que ninguém nos pode impedir de as levarmos connosco se as guardarmos bem aconchegadinhas num lugar bem seguro, o coração.
Aí, cabem todos os objectos que gostamos, todas as plantas que cuidamos, todos os livros, quadros, fotos, tudo, mas mesmo tudo. Mesmo que sejam velhos, que estejam estragados, mesmo que não estejam de acordo com a decoração do novo espaço. O coração não escolhe modas, idades, raças, credos, estatutos, simplesmente não escolhe, ele só sabe generosamente e humildemente, amar.





terça-feira, 15 de outubro de 2019

Post.it: Efémeras viagens

Por vezes somos como navios a navegar pelos mares da vida. Lutando contra os vendavais, rasgando as velas, partindo a quilha, perdendo o leme. Seguimos um rumo sem rumo como se fossemos despojos da cada uma das nossas batalhas. Ofuscam-nos, seduzem-nos aqueles barcos, de proa erguida. Vaidosos iates, imponentes veleiros. Parecem tão sólidos na sua majestosa fortaleza, na sua imagem de grandeza.
Mas também o era o Titanic e afundou-se. Dizem os sussurros da cobiça que se afogou na sua presunção, sucumbiu na sua ostentação.
Ergo os remos, sem fazer juízos, afinal, todos navegamos nas mesmas águas. Que nos embalam ou que nos afundam. Revelando a vulnerabilidade do nosso existir.
Que importa a dimensão, se é navio, bote ou apenas uma periclitante jangada, se todos os corações são de tamanho igual? Resta saber se guardam a fiabilidade de um mesmo sentir.
Que importa a imagem de magnificência, o fausto que nos pode inebriar, se lá dentro for minúscula a capacidade de se dar aos outros em generosidade e tolerância.
Deixemos-nos de sonhos, estendamos redes de amizade por esse vasto oceano para lhe pacificar as águas e curar as mágoas. 
Deixemos-nos de arrogâncias e snobismos que não tornam o caminho mais fácil de ser navegado. Por vezes é preciso parar, lançar âncora num cais que há tanto nos espera depois de nos ter visto partir para as nossas sempre efémeras viagens.


segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Post.it: Viemos

Todos passámos pelos lugares, pelos olhares, pelos rios, mares, por montanhas e planícies. Nem todos ficámos neles o tempo suficiente para ali deixarmos raízes, nem todos criámos recordações, marcas do que fomos, do que fizemos, da nossa missão. 
Pegadas de areia na fina da praia que o mar levou para os oceanos como forma de nos homenagear ou simplesmente para apaga e dessa forma, esquecer a incerteza desse caminhar.
Viemos para plantar árvores e não para as derrubar.
Viemos para regar as flores e não para as arrancar do jardim.
Viemos para espalhar amor e não para causar dor.
Viemos para apreciar as marés e não para lhes lançar detritos.
Viemos para  arar os campos e não para derramar sangue neles.
Viemos para navegar nos rios e não para lhes estreitar as margens.
Viemos para apreciar o céu e não para lançar-lhes gases tóxicos.
Viemos para respirar o ar e não para o sufocar.
Viemos para criar vida e não para a matar.
Todos os que aqui estamos, passamos, mas que nesse passar
 deixemos algo de bom para a humanidade recordar e o futuro herdar…



terça-feira, 1 de outubro de 2019

Post.it: A cor do tempo que passa

O tempo tem cor, a cor do nosso sentir. Tem tons claros quando é um tempo feliz, tem tons escuros quando o sentimos pesarosamente infeliz. Mas e o tempo, aquele que nos foge? Aquele que parte de nós com asas de vento e quase só nos deixa um aroma de saudade? Que cor tem o tempo que foge? 
Imagino-o cor-de-rosa, um colorido cada vez mais fantasiado porque a memória o vai esquecendo nos factos concretos mas enriquecendo na composição dos detalhes. E nesse tempo que nos foge passa a haver todas as cores num arco-íris onde cada história da nossa vida mesmo até aquelas mais tristes ganham contornos de sorrisos que substituem as lágrimas, ganham laivos de ternura apagando de vez todo e qualquer resquício de mágoa. 
Porque o tempo, afinal não foge, apenas segue nas suas curvas e regressa para nós mais bonito do que quando partiu, aprendeu a valorizar cada momento, a apreciar cada instante, a enaltecer o que há de bom e a esquecer o resto. Assim em vez de nos entristecermos pelo tempo que foge devemos aprender celebrar cada tempo que chega oferecendo-nos toda uma renovada palete de cores primaveris mesmo que seja outono ou inverno.