sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Post.it: Quase Ano Novo

Depois do Natal saboreiam-se os presentes, os doces, as alegrias, as lembranças dos adultos e das crianças, até das que já fomos.
Depois do Natal, contam-se ou descontam-se os dias, as horas, entra-se em balanço, para uns de cansaço, para outros de descanso.
Os anos que se despedem de nós, os anos que se aproximam. Anos de nascimentos, de ternura, de sofrimento, anos de paixão, de compaixão, de alegria, de sonhos que se ficaram apenas pela fantasia.
Anos de lamento, ai o lamento, essa marca do tempo, esse carimbo que nos estigma o coração, mas também uma aconchegante saudade. Por momentos é uma tristeza que nos invade, uma mágoa que não nos chega a magoar, como se nos fossem águas de um mar que não nos chega a afogar.
Um lamento que não é de arrependimento mas de pena por tudo o que passou por nós e não ficou, por tudo o que não fez de nós a sua casa, esse lampejo de vento, essa promessa de brisa, aquela onda que emergiu à superfície mas que não nos navegou, a doce melodia que não nos embalou, os ternos olhos que não nos chegaram a olhar. E no entanto houve sentimentos que nos inundaram o ar em oxigénio de esperança. Empregos, realizações, projetos, ideais que não se concretizaram. Não tinha que ser, não estava escrito, não era para fazer parte do nosso destino. Acreditámos e aceitámos a derrota. Quem sabe um dia e os dias tornaram-se meses, anos, um tempo cada vez mais distante, uma memória cada vez mais ténue.
Em cada Natal relembramos tudo isso, em cada final de ano, suspiramos.
Em cada Natal de espera, de quimera, que passou ou ficou(nos). Quem sabe trouxe o que desejamos, quem sabe ouvimos a palavra certa, aquela que preencheu cada alma deserta. Entretanto o ano já termina, ou melhor, um novo ano começa, só depende de nós se os prendemos às despedidas ou se estamos plenamente abertos às chegadas. 
Seja como for, independentemente da nossa vontade, do que acaba ou do que começa, 2017 já espreita, levanta o pano, ansioso por entrar. Vem tímido como uma criança em começo de vida, espera as boas vindas, espera os abraços, deseja ser acarinhado todos os dias, cuidado todas as noites em que adormece e nos permite sonhar com um ano repleto de momentos felizes.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Post.it: Um Natal diferente

Este Natal podia ter sido diferente, desculpa, não o consegui fazer assim. Estava cansada, cansada de ver as lojas cheias e os olhares vazios. Cansada de ver pessoas a sucumbir na pobreza enquanto outros exibiam a sua riqueza. O dinheiro passando de mão em mão enquanto aquela mão estendida continuava vazia.
Mas tentei, acredita que tentei, caminhei pelas ruas e procurei nelas o sentido para um Natal que me fosse sentido dentro do peito. Abri-lhe a porta, até as janelas, arregacei as mangas, amassei as filhoses, fritei as rabanadas, virei os sonhos na frigideira, pus o bolo rei no centro da mesa e esperei por Ti. Uns dizem que Vens pela chaminé, outros que Chegas sem bater à porta, cada um tem a sua fé, respeito e rezo, como dizia uma amiga, “para o santo que estiver disponível no momento”.
Peço um Natal, limpo, puro, menos consumista mais consumido em sentimentos. A festa que seja para Ele, por Ele. E que Ele se sinta bem vindo e resida em nós por todo o ano.
Tentei que fosse realmente Natal, não consegui, confesso o meu fracasso quando olho em redor e apenas vejo amontoados de papéis e caixas de cartão, de sacos com restos, garrafas vazias espalhadas pelo chão. Vestígios de festa, sim, é verdade, mas não da Tua festa. Encontraram-se as famílias, trocaram-se prendas, rimos, cantámos melodias de Natal, comemos, bebemos, festejámos. Desejámos tudo de bom para os amigos, colegas, conhecidos.
Lembrámos a dor dos que estão distantes, dos que vivem em clima de guerra, dos que têm fome, dos que sentem dor, dos que estão doentes, mas como a mera lembrança nada resolve, optámos por esquecê-los.
Encontrei esta acusação em diversos artigos que li em jornais e revistas e jurei que este ano faria um Natal diferente, que não iria esquecer, apesar de saber que este “esquecimento”  não é por egoísmo, mas por mágoa da nossa incapacidade para fazer mais e melhor.
Acendi a televisão, quis estar lá com eles e que Ele também lá estivesse, que a Sua festa acontecesse por entre as ruínas de uma guerra perdida. O mundo que por vezes nos parece tão pequeno foi afinal grande demais para mim, que estendi os braços e não os consegui abraçar. Então tentei abraçar os que me estavam próximos, fui para a festa dos sem abrigo da Comunidade Vida e Paz, chorei ao descascar sacas de cebolas, mas ri-me pelo banho que apanhei ao lavar 90 quilos de couves e depois de várias horas de partilha voluntária, saí sentindo que, de alguma forma, dei um pouco de mim para que alguns tivessem um melhor Natal e que de uma forma ou de outra, cada um à sua maneira festejou genuinamente o renascimento do Natal em si. 
Esta é a minha história, o meu Natal, quanto à vossa, se cada um ajudou o próximo, quem sabe, tenhamos chegado mais longe, ultrapassado fronteiras, quebrado barreiras, e levado o espírito de Natal até onde ele era mais preciso.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Parabéns hoje...

Pode não haver bolo nem prendas.
Pode não haver festa nem velas.
Desde que exista a família
Desde que exista alegria
Que se tenha um lar com calor
Que more no coração o amor.

Pode não haver canção de aniversário.
Pode não haver um dia solidário.
Desde que exista sol na alma,
Desde que a saúde esteja calma.
Desde que o sorriso consiga sorrir.
E que os amigos não deixem de vir.

Pode ser apenas a celebração de um dia,
Pode partir no seguinte como maresia.
Desde que seja eterno o agora,
Desde que de ti nunca se vá embora.
Parabéns por hoje e por toda a vida,
Que ela te seja leve, feliz e divertida.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Post.it: Um lugar chamado Natal

Algures entre o céu e a terra, algures entre os pólos, na linha central, um Equador que há em nós, em todos nós. Uns libertam-no, outros aprisionam-no com receio de o revelar de tão sensível ou quem sabe, pensam que libertando-o o perdem por entre os labirintos e fronteiras humanas.
Algures nesse espaço imenso ou minúsculo existe um lugar chamado Natal. Um lugar com muitas histórias, a de cada um. Um lugar de sorrisos, de sonhos partilhados e alguns até concretizados. Histórias de lágrimas por alegria, histórias de lágrimas por tristeza.
Um lugar que cada um enfeita com as suas mais belas emoções, sensações, recordações. Um lugar tão cheio do que somos, que nos revela, que nos torna melhores, mais verdadeiros, mais inteiros no nosso querer. Não, não é um lugar de mentiras, de falsidades, de hipocrisias, quando muito, se lhe queremos apontar defeitos,  diria que é um lugar que por vezes esquecemos que nos existe no peito, que está dormindo o sono de quem espera  e acredita. Não é por isso que é menos belo, não é por isso que  nos é menos puro.
 É verdade que nem sempre sabemos como o partilhar, oferecer, então tentamos tudo, compramos sonhos embrulhados em papel colorido. Oferecemos esperança, que escolhemos criteriosamente numa loja cheia de gente. Damos amor e amizade e colocamo-los em caixinhas junto da árvore de Natal.
Coisas, apenas coisas, podem dizer, mas são muito mais do que isso, são “coisas” que desejamos dar de nós, desse lugar secreto onde cabem tantos, todos os que nos tocam no afecto, na comoção, um irmão, um amigo, um desconhecido. 
Esse lugar chamado Natal que reencontramos todos os anos no nosso caminho interior quando decidimos que afinal queremos caminhar sempre com os outros. Independentemente da data, do momento, o que importa é o lugar e esse lugar está-nos no coração.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Post.it: Uma viagem de sonho

As coisas que se podem fazer com o olhar, um simples olhar que nada tem de simples. E um universo desconhecido torna-se conhecido, entra-nos na pele e todas as células de vida se agitam. Querem dar-se, querem receber, querem estar, ficar para a eternidade daquele momento. Quanto durou? Um tempo que nos pareceu infinito e curto, o tempo de uma viagem de Lisboa ao Porto. Porque foi nessa viagem que nos conhecemos. Conhecer, palavra tão concreta nesta nossa história que nem história chegou a ser.
Olhei para ti, olhas-te para mim e ficamos parados nesse olhar. Tu estavas acompanhado, eu sozinha, como sempre nos meus “cem anos de solidão” como lhe costumo chamar. Um olhar bastou-nos, bastou-me para ser feliz. Mergulhei nele, afoguei-me, morri, renasci, sorri, quantas? Tantas vezes e abraçámo-nos, beijámo-nos, amámo-nos, tu aí sentado, 4 bancos a seguir na fila contrária, eu aqui no meu lugar perto da janela. Não sei o teu nome nem tu sabes o meu, mas o que é um nome? Define-nos? Não! Nem somos nós que o escolhemos, alguém nos coloca essa etiqueta   sem sequer saber se tinham cara de Maria ou de Ana, de José ou João. Não sei quem és, não sabes quem sou e no entanto sabemos um do outro o que importa, o nosso olhar revelou tudo, ficámos nus perante ele, sem pudores, sem medos, sem promessas que não poderemos cumprir, sem compromissos que não poderemos assumir.
Ficámos assim, nesse espécie de transe amoroso até que um estremecimento de uma travagem algo brusca nos fez afastar o olhar, lá fora o mundo, o real, concreto de vivência, chamou por nós. Tínhamos chegado ao nosso apeadeiro. Um último olhar tocou o teu e deixou-se tocar, era um adeus?
Quem sabe, até uma próxima viagem...
Tocaram-me no ombro, sobressaltei-me, era o revisor. “Chegamos à última paragem”. 
Sorri, levantei-me e agradeci, ‘desta vez a viagem foi rápida’, pensei, quando acordei do meu sonho. Sonho? Ou talvez não, porque à minha frente estavam realmente uns olhos à procura dos meus, “um, nãa, não deve ser para mim ou então ainda estou a sonhar”. Sacudi a cabeça, baixei o olhar, saí do comboio e perdi-me na multidão.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A vida já não me chega

A vida já não me chega,
Preciso de toda a eternidade.
Já a noite não me aconchega,
Se no peito cresce a saudade.

Os anos não passam, voam,
Para longe do meu caminho.
São flores que desperdiçam,
O cantar de cada passarinho.

A primavera já partiu,
Sem me criar um jardim.
O inverno alongou o frio,
Semeando neve em mim.

Resta-me a negrura da terra,
Solo em que planto a esperança.
Agora que aplaco cada guerra,
E me aconchego na lembrança.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Post.it: Cartas de amor, são ridículas

Escrevo-te, parece tão fora de moda, mas que fazer quando todos os outros meios por modernos que sejam não são tão claros, íntimos, sensíveis ao que te quero dizer.
Porque não falar contigo directamente, olhar-te nos olhos e revelar-te o que me vai no coração? Não! Que susto, só de pensar apetece-me fugir, esconder-me num recanto escuro e profundo, onde não me possas encontrar. E no entanto quero tanto estar perto de ti, ser clara, luminosa, sem pieguices, como tu costumas dizer “chega de pieguices”, tento mas de repente todas as palavras mesmo aquelas que penso, repenso, analiso ao pormenor e que não me parecem lamechas, quando as ouço a saírem-me da boca, têm esse tom que não queres ouvir, calo-me, e escrevo, no desespero de conseguir acompanhar o pensamento, o sentimento que me fazes sentir. Tão feliz, tão miseravelmente infeliz…
Porque para mim é tudo, és a minha vida, os meus dias, horas, sonhos, pensamentos, ausências, momentos, és tudo, tudo em mim.
Morro de ciúmes, não, ciúmes não, é demasiado forte, dramático, vais rir-te, vais quem sabe, fugir de mim, dos meus medos, das minhas inseguranças.
Tenho inveja, sim, é isso, tenho inveja do ar que respiras e que te preenche os pulmões, que te afaga os alvéolos, que te faz ruborizar o rosto. Tenho inveja desse frio que te entra pelas narinas e se distribui por caminhos traçados da tua anatomia. Tenho inveja, sim, confesso envergonhada, mas sim confesso. Porque na minha fantasia, patética, dirás, queria ser o sabonete que todas as manhãs te navega o corpo, que conhece cada recanto da tua pele, que inala o teu odor, que conhece o teu calor.
Escrevo-te, disparates, bem sei, que queres sou ainda menina, aprendiz nas artes do amor, anda faço esboços mal traçados enquanto tu já tens na tua vida obras de arte que exibes com orgulho de macho conquistador, não sabes, ou melhor, não queres saber da dor que me causas, quando me olhas como me dissesses, “pobre criança, vê lá se cresces” e eu tento “crescer” aliás tenho crescido, deito-me no sofá empanturro-me de bolachas e chocolates que me alimentam o ego magoado.
Resta-me esta carta, que escrevo com medo de escrever. Com receio de me revelar. Com medo de que ainda não tenha “crescido” o suficiente para ti, que não chegue a ser  amada como já amaste outras. Vou dar-te a carta e pedir em silêncio, “lê-me, lê-me de imediato, agora, não esperes, não me faças esperar! Não, não leias! Rasga a carta, rasga-me o peito, os sonhos. Esquece que te escrevi, esquece que gostei de ti, esquece que existo. Ou melhor que não existo para ti, que me vês sem ver, que me ouves sem perceberes as palavras que te digo por entre aquelas que escutas sem entender nelas uma só silaba da minha vontade”. 
Escrevo, continuo a escrever, hoje e talvez para sempre, agora, com uma estranha alegria. Agora com uma doce felicidade, decidi que não te vou amar nunca mais! Não  vou pelo menos dizer-te. Decidi, aliás, que não te vou dar esta carta, porque é demasiado ridícula, não é? Não, não respondas. Prefiro saber que sim mas, acreditar que não.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Tive

Tive asas,
Mas não me deixaram voar.
Tive casas,
Onde não me deixaram morar.

Tive sonhos,
Que não se tornaram realidade.
Tive olhos,
Que se encheram de saudade.

Tive amigos,
Quase todos já partiram.
Tive inimigos,
Esses, por mais tempo ficaram.

Tive tudo,
Pensei que não tinha nada.
Porque queria o mundo,
E apenas tive a estrada.

Mas nela estava o caminho,
Que me trouxe a este lugar.
Aqui, onde o terno carinho, 
Parecia estar a me esperar.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Post.it: Olhando para trás

Há sempre os que nos esquecem. Há sempre os que como nós, esperam e de tanto esperar, já fizeram da sua vida, ausência e esquecimento. Doloroso no início, suavizando-se com o passar do tempo. Houve até momentos de lamento, de revolta, de culpa inocente. Exigimos o direito a ser feliz. Uma felicidade que julgamos estar no outro. Com ele a felicidade chegou, sem ele, a felicidade partiu.
Já dizia a sua avó, “depois do encanto fica o pranto”, e ela ria-se garantindo, “comigo nunca será assim, nunca hei-de ficar à espera”. Nunca hei-de perder “esse alguém”, em boa verdade, esse coração intrépido e rebelde como se quer nos verdes anos, não achava possível vir a conhecer tão maravilhoso, doloroso, grandioso, fantasioso, (preferia assim supor), sentimento.
Os pais riam-se da “santa” ingenuidade, os avós passavam-lhe a mão pelo rosto “ai criança, era bom que assim continuasses, mas há-de chegar o dia… Chega sempre, para quem o procura e para quem dele foge”.
Tinham razão, como não havia de não se  apaixonar se por tudo era uma apaixonada, nas descobertas da vida. Coisas da juventude, talvez, mas o tempo passou e continua a fazer tudo com paixão. A entregar o corpo, a alma, o coração. Continua a correr, a cair e a esfolar os joelhos. O sorriso continua a dançar-lhe nos lábios, a mesma gargalhada de menina, mas os olhos tornaram-se escuros, cada vez mais escuros.
De repente. Fecha-os envergonhada da sua transparência, sentindo-se invadida, revelada no seu mais intimo segredo. Tenta gracejar, “é a noite a chegar, já vivi o amanhecer, agora vou entardecendo”.
Há sempre os que nos esquecem, que fizeram parte do nosso projecto de futuro mas que nos passaram a ver apenas como o seu passado. “Faz parte da vida”. Tenta convencer-se acreditando que nos convence e que assim a deixamos entregue à sua nostalgia. “Temos que caminhar em frente”, reforça a ideia, numa tentativa gorada de curar as feridas do esquecimento.
Acabo por confirmar, só para não ser a voz discordante, mas uma frase me vai dançando no pensamento, “Sim, temos de caminhar em frente mesmo que com os olhos olhando para trás”.


segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Tecendo a rede

Toda a vida é morte,
Diz cozendo a rede o pescador.
Desencontrado da sorte,
Em cada encontro com a dor.

Morreu-me a infância,
Partiu-se-me a juventude.
E com elas toda a alegria,
E com elas toda a virtude.

Morreu-me a madrugada,
Onde me crescia o sonhar.
Partiu até a mulher amada,
Levando-lhe os filhos do lar.

Morreu-me cada dia,
Em que o mar roubava vidas.
Vestiu-me de penosa maresia,
Em luto de tantas despedidas.

Toda a vida é morte,
Anos, meses, dias, horas.
Que partem para o desnorte, 
Na rede em que me demoras.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Post.it: Natal em Novembro


Gosto do Natal em Novembro, quando as luzes coloridas se começam a acender, quando as montras se enchem de coisas bonitas, quando as prateleiras das lojas se enchem de brinquedos sorridentes, reluzentes. Quando as caixas das bonecas ainda estão inteiras, quando as pilhas dos bonecos ainda funcionam e quando lhes tocamos nos dizem olá e outras palavras com infantil doçura. 
Quando as pessoas encasacadas e com cachecóis quase só deixando ver os olhos nos lançam um olhar brilhante e sorridente, parece estranho mas sem lhes ver a boca vemos-lhes o sorriso, estampado na face rosada de frio. 
Gosto do Natal em Novembro, quando ainda não há corrida para as compras, quando ainda não há fila para os embrulhos. Quando ainda sonhamos com um Natal perfeito, em que tudo vai correr bem, que todos vão receber a prenda que desejam, que não há lares de mesa vazia, lares sem família, lares de tristeza, de doença, onde a partida parece eminente onde a dor parece permanente, lares onde o Natal não entra pela porta nem pela chaminé. Mas em alguns desses lares, o amor sobrepõe-se às dificuldades e há noite contrariando o cansaço e o sono, alinhavam-se bonecas de pano, bolas de restos de tecido, para que os filhos tenham no sapatinho um pouco de Natal. E quando nem isso têm para lhes dar, passeiam de mãos dadas pelas ruas iluminadas, levam os filhos para ver as montras recheadas e deixam que sonhem, porque só o sonhar lhes podem oferecer, é grátis, dizem numa tentativa de esperança que a dureza dos dias frios ainda não lhes tirou. 
“À noite, um cházinho e uma fatia de bolo Rei que nos ofereceu a paróquia e está celebrado o Natal, para o ano será melhor, e olhe, desde que haja saúde já nos damos por felizes”, garante aquela senhora com idade indefinida, deve ser jovem, pelo menos olhando à idade dos filhos, essa prole de anos em escadinha que caminham em fila saltitante, são 4. “5 corrige-me a corajosa mãe, abrindo o casaco e revelando uma gravidez avançada, “deve nascer por volta do Natal, vai ser o meu menino Jesus e vai-se chamar Jesus!. Era costureira numa fábrica que dispensou mais de metade dos trabalhadores, e ela veio-se embora, agora faz pequenos arranjos de costura em casa e toma conta dos filhos, “sempre se poupa no infantário”. 
Gosto do Natal em Novembro quando a azáfama ainda não nos sufocou, quando o receio de esquecer alguém ainda não nos criou ansiedade. Quando os dias ainda têm 24 horas, porque depois sentimos que diminuem e rapidamente aproxima-se a festa do Menino. 
Gosto do Natal em Novembro, de o saborear entre um café e a companhia das amigas que começam sem pressa a planear o Natal, “este ano vai ser na casa dos meus sogros, o ano passado foi com os meus pais”, “os miúdos este ano passam a noite de Natal com o pai e a dia comigo”.  
Gosto do Natal em Novembro quando uma espécie de ternura nos começa a envolver e de repente outros Natais vêm-nos à memória, Natais da infância com os pais, avós, tios, primos, amigos, com os que ainda estão já mais velhos mas que ainda reconhecemos pela afabilidade das palavras e pela candura gestos de amizade, outros, já partiram, mas ficaram e estão connosco em todos os Natais.  
Gosto do Natal em Novembro, quando o Menino nos começa a “renascer” na alma e a preparar-nos para a sua festa em Dezembro.   
Quem me dera que o Natal fosse em Novembro, mas também em Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, todo o ano, todos os anos, em todos os lares, em todos os corações. 


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Momento adiado

Guardo de ti na memória,
A suavidade de um rosto lunar.
Guardo secreta a nossa história,
Onde só o coração pode guardar.

Nessa semi-escuridão,
Brilha o estranho mistério.
Que nos leva onde só vão,
Sonhos de um outro hemisfério.

Guardo de ti a voz calada,
Onde todas as palavras falavam.
Como se fosse a madrugada,
Onde os raios de sol brincavam.

Um ultimo sonho acalento,
Daquele adiado momento.
Saber do teu arrependimento, 
Por teres esquecido o sentimento.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Post.it: O dinheiro não compra...

Conheço pessoas impossíveis de se aturar, pessoas impossíveis de se gostar, no entanto casaram, tiveram filhos, pais, avós, tios, primos, etc. Questionamo-nos com, porquê? Alguns mais pragmáticos, sugerem que são pessoas “interessantes” pelo seu dinheiro. Que os seus bens compram o amor, a dedicação, a amizade e tudo o mais. Será? Custa-me a aceitar que o dinheiro tenha tal poder, mas por outro lado, quando essas pessoas abrem a boca e de lá sai um role de disparates, de insensibilidade, de agressividade, duvido das minhas próprias dúvidas e chego a acreditar que só o dinheiro pode comprar alguma paciência para os aturar, para os suportar.
Olho-os e procuro encontrar neles a criança que foram, estará lá em algum recanto do seu ser? Mataram-na, só pode! Garantem-me. São assassinos da ingenuidade, da humildade, da solidariedade, da esperança, do sonho. Acreditam, têm fé em si, instrumentos de guerra pessoal. E no entanto estes “grandes homens” tão “cheios de si”, que ofendem, que anulam, que usam, que pisam, são pequenos homens. Com gigantes medos, medo de não conquistar, compram, com medo de não receber, rodeiam-se de luxuosos brinquedos, com medo da solidão, compram a companhia. Um dia, mais tarde ou mais cedo, confessam-se “tão inteligente e tão parvinho”. E surpreendidos, vemos-lhes o medo, um medo de tudo e de todos, da vida, da morte. Um medo humano, não de carne e osso, mas de coração, de paixão. A criança que foram, afinal não lhes está completamente “morta”, esteve escondida, assustada, perdida. Nos momentos em que espreita, tem apenas um desejo voltar para lá, para a vida uterina, para antes de nascer, de ser e ter de fingir que não é o que é.
E reconhecem sem o dizer que “ nunca de lá deviam ter saído”. 
Quantos e quantos não estarão a concordar com esta afirmação. Eles e a história da humanidade no seu passado, presente e futuro, unem-se nesse mesmo desejo. 
Porque nós que não podemos “comprar” o seu silêncio, as suas acções imponderadas, os seus erros, as suas guerras, para que não cheguem a concretizar-se, resta-nos outras formas de luta através do medo que nos aumenta a coragem.


terça-feira, 15 de novembro de 2016

Post.it: Palavras molhadas

Lembro-me bem, era miúda que as palavras lhe caiam pelos olhos. Sim as palavras, não estou a dizer tolices, nem  iludida pelas memórias da infância. Também estranhei na altura, mas descobri depois, muito depois, que as palavras podem realmente ser expressas de diversas formas. Aquelas, juro, saiam-lhe pelos olhos em rios de água que emergiam do coração e caiam em cascatas incontroláveis no chão.  Lembro-me de pensar e se as palavras não parassem nunca mais? Devia surgir uma inundação e com ela nunca mais haveria silêncio, tremi. 
Eram lágrimas disseram-me, tentando explicar à minha tenra idade a ignorância manifesta do que dizia, mas insisti, “Não! São palavras molhadas de dor”. 
Já nessa altura, recordo, que me expressava de forma estranha para muitos, incompreensível para outros. “Esta miúda fala como se estivesse a falar de livros”. “Como se estivesse dentro deles” retorquía outra voz pesarosa do meu suposto defeito genético. Mais consolara outra voz dizia num suspiro reconfortado “ É o seu mundo…”. 
Sim era o meu mundo, com tantos amigos, com tantas histórias, mas não infantis, dessas não gostava, eram para adormecer bebés e eu já era crescida, apesar de ainda mal chegar à mesa das refeições. 
Preferia leituras “mais crescidas”, eram mais interessantes e continham subtis lições de vida. Que tardes amenas tristes e alegres passava na companhia de  Dostoievski, Tolstoi, Zola, Sartre, V. Hugo. Heróis sem capa e espada, mas com o poder de darem aos meus olhos de miúda, um antagónico  daltonismo que me fazia ver  tudo à  volta com cores que ninguém mais via: o azul que era mais azul que o céu; o branco mais branco que as nuvens; o verde mais verde que a natureza; o vermelho mais vermelho que o sangue; o amarelo mais amarelo que o sol; o preto mais preto que o luto, as lágrimas completamente opacas de palavras. 
Hoje,  as pessoas continuam a deixar cair pelos olhos algo que não sei se são palavras, vejo mas não escuto como escutava naquela altura, culpa minha por certo. Cresci e perdi a inocência, perdi as cores e já não encontro em nenhum olhar por mais magoado que esteja, aquelas palavras que lhe caiam pelos olhos. 


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Post.it: Viagem à Índia

Não foi um passeio turístico, desses que se vai à procura do diferente, do exótico. Foi uma viagem do corpo, da alma, de dar e sobretudo de receber. Porque quando entramos num país como a Índia, na verdade deixamos o país entrar em nós. Mais do que a sua  alegria e a sua tristeza, mais do que a sua riqueza e sua pobreza, mais do que a sua cultura e os seus hábitos de vida fica-nos o olhar. Esse olhar que nem a diferença linguística consegue impedir de nos tocar, de nos falar e nós de coração aberto, escutamos e sentimos, a sua vida, a sua dor e sobretudo o seu amor. Aquele amor que resiste a tudo, que como uma flor emerge em beleza pura mesmo nas situações mais adversas. Esse amor, encontrei-o, abracei-o, mas senti-me quase minúsculo, quase fraco, e os meus braços foram demasiado pequenos para esse abraço que queria chegar a todos e chegou a tão poucos. 
Andei pelas ruas, entrei nas sua casas, bebi o chá que me ofereceram, era tudo o que tinham, não, tinham muito mais a generosidade da partilha, do fazer sentir este estranho sentir-se bem vindo. Andei sozinho e sempre me senti tão acompanhado, dos rostos das crianças, das cores das suas roupas, do seu alinhado desalinho, do brilho dos seus olhos ávidos de saber tudo da vida. A sobrevivência, a capacidade de viver e nessa vida encontrar pequenas grandes formas de ser feliz. 
Estive na Índia em vários e distintos lugares, cada um tão belo quanto o outro, na sua essência, na sua diferença, nas pessoas, nos espaços, nas cores, nos sabores, nos aromas, no alinhamento, do céu e da montanha, do verde e do castanho terra batida, pisada de tanta suave e árdua caminhada.
Na bagagem do regresso, trouxe as fotos, milhares, desejoso de partilhar o que vi, o que senti, mas talvez não chegue para entender cada sensação, é preciso lá ir, e depois disso, é preciso regressar.
Eles ficaram lá, queria trazer todos e trouxe, no coração.
 (Foto in Paulo Teia SJ, Namasté, Braga, Frente e Verso, 2016)

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Post.it: Fé

Pode aprender-se a ter fé? Pode ensinar-se a fé? Tenho para mim que a resposta é não para ambas as perguntas. A fé é cega mas vê, é surda mas ouve, é muda mas fala, fala-nos quando nós a sabemos ouvir. Um saber que não vem em nenhum manual, que não vem de nenhuma teoria, mas no sentir, quando há em nós a capacidade de a vivenciar. A fé vem ter connosco e simultaneamente caminhamos para ela, não por uma escolha consciente mas porque é para lá que os nossos passos se direcionam, é para esse lugar de espaço e tempo que olhamos, então, só então, conseguimos escutar aquele passarinho a chilrear por entre o barulho da cidade. Sempre lá esteve, sempre nos cantou, mas agora que o conseguimos isolar dos nosso ruído interior, das nossas rotinas apressadas, da nossa constante inconstância, escutamo-lo. Está ali, algures, não precisamos vê-lo, senti-lo fisicamente, basta-nos a entrega que nos dá, a entrega que lhe damos de nós, do nosso tempo. Assim deve ser a fé, uma paragem por mais ínfima que seja, uma entrega por mínima que seja, e de repente o vislumbre de algo, uma certeza, uma razão, uma resposta, uma certeza. 
A religião compreende-se, a cultura assimila-se, a educação aprende-se, mas a fé sente-se. Algumas pessoas dizem que a fé é um dom e fazem dela a sua forma de estar na vida. Outras dizem que é um chamamento e fazem dela a sua vocação. Uns e outros encontraram a fé não sei se a ensinam, sei apenas que a partilham com o entusiasmo intemporal de quem vive a descoberta da mais bela (a)ventura.


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Os barcos perdidos

Que saudades tenho,
Dos barcos perdidos,
Dos sonhos esquecidos,
Do lugar de onde venho.

Que saudades de mim,
Quando o sol era eterno,
Até mesmo no inverno,
Brilhava num sem fim.

Que saudades de nós,
Com a felicidade presente,
E a vida cá dentro se sente,
Vibrante num cantar sem voz.

Que saudades de tudo,
Quando o tudo me elevava,
E eu tão jovem, acreditava,
Na beleza humana do mundo.



segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Moda alentejana

 Fui à fonte buscar água,
Desculpa só para puder ver,
Esses olhos sem mágoa,
Que parecem rios a correr.

Fui à fonte buscar água,
Desculpa para te ouvir falar,
Palavras que sem mágoa,
Quer o coração escutar.

Fui à fonte buscar água,
Esperei até o dia anoitecer,
Na vasilha já secava a água,
Que dos teus lábios queria beber.

Fui à fonte buscar água,
E só uma gota te pedia,
Por essa gota de água,
Toda a minha alma floria.

Mas tardaste, voltei sem água,
Pelo meu caminho infeliz.
Fui à fonte, voltei com mágoa, 
E este quer que tanto te quis.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Post.it: Entre conversas

Lembro-me das nossas conversas de outros tempos, falávamos de amores, de encontros e desencontros, de namoros fracassados e de outros começados, de casamentos sonhados e alguns felizes, dos filhos que nasciam de como cresciam, das suas aventuras e cada vez menos das nossas. 
Depois dos 40 começamos a inserir nas conversar outros elementos mais dolorosos (as dores nas articulações e o stress) e outros menos gostosos (as dietas). Tornaram-se moda, de repente passaram a ser uma exigência, fossem magros ou mais cheinhos, todos faziam dieta,  passamos a comer bolos apenas com o olhar e a matemática tornou-se uma constante às refeições,  quase que de máquina de calcular em riste para contar calorias.
Continuámos a somar anos, desenganos, risos alegres e tristes, faz parte da vida vivê-los, faz parte da amizade essa partilha.
 Entrámos para o (clube) dos 50, e com eles outros assuntos inundaram as nossa conversas, mais tranquilos, mais ternos, mais seguros, mais angustiados, mais revoltados, mais receosos, mais felizes, mais infelizes, depende de cada um, da sua vida até aí, da sua maneira de ser e a forma como encara o futuro, “do seu crescimento depende o seu envelhecimento”. Porque é disso que se trata, de com envelhecer.
Falamos do filhos crescidos, com receio do seu futuro. Falamos  da demência dos nossos familiares mais próximos, da degradação da sua saúde, falamos de muitas partidas e de poucas chegadas ou seja, nascimentos.
Falamos entre gracejos e ensejos, da morte. Torna-se presente, latente, primeiro por medo, depois por aceitação, cada vez mais como mera constatação, não de lá chegar mas de viver com premência o antes, a viagem que desconhecemos qual a duração e contornos do percurso, por isso é bom precaver, levar o que se pode e que poderá ser-nos necessário, ou simplesmente nada, deixarmos que tudo aconteça pelo melhor.
- Por qual adjetivo queres ser recordada?
As respostas múltiplas não se fizeram demorar:
Generosa. Boa pessoa. Bonita. Alegre.  Leal, Amiga, Inteligente, Otimista, Bondosa, e tu?
Chegou a minha vez, posso escolher todos esses adjetivos? (pergunto em pensamento) claro não, que ambição desmedida, que falta de humildade, de justeza.
- E tu? Insistiram. 
- Gostava de ser recordada como uma pessoa discreta.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Post.it: És tu, sou eu

Olhas o mar com olhos de infinito, a linha do horizonte tornou-se uma fronteira que te sufoca os pensamentos. Os cabelos dançam a melodia do vento, parecem loucamente felizes, mas o rosto apático cria um alarmante contraste.
Estremeces, quase garanto que estremeces, um arrepio de alma que se aconchega na desculpa de que é o outono que já arrefece. Mas, o ar ainda está morno, foste tu que deixaste o inverno antecipar a sua chegada.
Quase te ofereço um casaco, um abraço de calor humano. Mas hesito, perscruto os teus devaneios, embarco na tua viagem assombrosamente estática. Que idade terás, assim à distância, pareces uma criança indefesa, mas não a tristeza, que é de pessoa adulta. Bebo-te os gestos num golo quase sôfrego, de bêbado deambulante, e nesses passos a medo, aproximo-me. Invade-me uma curiosidade de tudo o que é estranho e queremos conhecer, há um crescente de carinho quase maternal que me magoa. De repente tudo é apenas o nós numa envolvência de sentimentos, surpreendentes, sublimes, ternos, tão docemente humanos, solidários  mas também solitários.
Sinto-te carente, sim carente, desta dádiva que nos faz sentir inteiros,  verdadeiros,  puros. Pé ante pé com pegadas que ficam cravadas na vida em suspense de ser vivida, chego mais perto, e ainda um pouco mais. Não receio, é apenas uma pessoa perdida em busca de si ou de algo para além de si. Quase que te sinto o coração latejante no peito, quase que te ouço os pensamentos cheios de esvoaçantes ideias. Tantas, tão indefinidas, as tuas, as minhas, quem sabe ambas se tenham um dia cruzado, olhado, conversado na galáxia de paixões candentes. Mas agora só temos o silêncio, não precisamos de mais nada. Não te quero roubar as palavras que nunca me dirás.
Por fim a paz, a serenidade parecem ter chegado, vejo isso na mudança do teu olhar, dos gestos, os braços antes abraçados aos ombros, descem ao longo do corpo, as mãos encontram-se, os dedos entrelaçam-se apaziguados. O olhar afasta-se do infinito, aproxima-se de um plano mais curto. Olha-me com surpresa, assusto-me, assustas-te. Envergonhada pelo meu atrevimento, sorriu-te, envergonhada pelo teu afastamento, sorris-me. 
Percebo, és tu, melhor sou eu, a tua sombra.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Post.it: Sair para querer ficar

Às vezes, mas tão somente às vezes, sinto vontade de sair deste lugar. Digo que isto me acontece às vezes, tão raramente que até a mim me surpreende. Sou reservada, pacata, não chego a ser tímida, apenas discreta. Embora o “discreta” não me assente bem, porque tenho uma vontade inquieta. Mas aquieto-me, tranquilizo-me, respiro, medito, aplaco a ira dos dias cheios de gente que contrasta comigo e que se diz na maior parte do tempo, amiga e até para cúmulo dos cúmulos, boa pessoa. Gente que se importa com tudo em geral, e nada em particular. Há tanto alter ego por aí, dourado mas que não é de ouro, nem sequer brilha, nem sequer encanta, cansa, esse vil engano em que cada um mergulha e acredita ou quer fazer acreditar que o é, sem nunca chegar a ser algo que valha a pena.
Então aí, somente aí, apetece-me sair e claro, voltar, porque vá para onde for, tudo/todos são tão similares que se torna  bom regressar e sentir que já conhecemos cada recanto desta casa a que chamamos vida.
Outro dia li esta frase “ A viagem começa nos outros”. Depois de tantas destas viagens, mudei de rumo, mudei de frase, mas também de fase, agora “A viagem começa em mim”. Não é por vaidade, reconheço que há muitos e melhores caminhos, mas para quê seguir estranhos rumos, quando ainda mal conheço os que me compõem? Não quero ser outro alter-ego, colocar-me num pedestal e um dia cair dele sem amparo. Apraz-me a sabedoria quando acompanhada de humildade. Gosto de quem muito sabe, porque teve o gosto de aprender. Gosto de milionários que abraçam grandes causas e não grandes luxos. Gosto de pintores que pintam do coração e não apenas para (de)coração.
Às vezes é preciso sair deste lugar, mesmo que seja apenas um partir nas asas do pensamento, do sentimento, sentir o vento no rosto, a caricia do sol,  os lampejos de chuva, algo que torne mais leve a nossa essência, algo que sopre para longe os mesquinhos devaneios, que incendeie e queime a gratuidade das palavras vãs e lave bem lavada a alma entorpecida da prisão onde nos colocam as horas com os seus aguçados ponteiros. 
É bom sair, saber que temos para onde ir, que há gente  diferente, que é e que torna o mundo contente, que o horizonte é infinito, que o tempo é perpétuo e o universo pacifico, algures, na liberdade de sonhar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O meu presente de aniversário


Ainda não vos apresentei,
É lindo, divertido, brincalhão.
É tudo o que sempre esperei,
Encontrar num aprendiz de cão.

Aprendiz pela tenra idade,
Do saltitante cachorrinho.
Que usufrui da liberdade,
De me mordiscar com carinho.

Quando corre de orelhas a voar,
Quase parece um aviãozinho.
Que infeliz fica o seu doce ar,
Quando o deixo em casa sozinho.

Já começa a ficar educado,
As necessidades faz no jornal.
Só as faz em qualquer outro lado,
Se as notícias, do país falarem mal.

Polinho? Perguntam com admiração,
Que nome tão estranho e diferente!
É o nome que me está no coração,
E agora espero, no de toda a gente.

O meu presente de aniversário,
Há tanto tempo que o queria.
O meu terno e fiel companheiro,
Que me enche a vida de alegria.



terça-feira, 11 de outubro de 2016

Post.it: A perpétua busca

“Toda a vida procurei a felicidade, amei, fui amada umas vezes, outras vezes não. Casei, descasei. Voltei a tentar, voltei a fracassar. Saltei, tentei, parti o orgulho, magoei a esperança.”

Hoje, depois de tudo ainda me sinto uma aprendiz, ainda persisto, talvez no erro, em busca da solução.
Depois de tanto cair e outras tantas vezes me levantar, fui compreendendo a lição, a minha lição, que não tem de ser igual para os outros. Aqui estou apenas a partilhar,  nada tenho para ensinar. Porque tal como vocês, tentei seguir o certo, aquilo que me diziam ser melhor. Foi? Não. Tive que caminhar com os meus próprios pés, ninguém pode ser os nossos passos. Podem dizer, não vás por aí, mas temos que ir, para perceber a razão dessa proibição. Por vezes é tudo uma questão de momento, se esse momento foi doloroso para uma pessoa, não o será necessariamente para outra. Claro que temos de ter alguns cuidados, ficar alerta, prevenidos, munidos de caixas com pensos rápidos, outras tantas com lenços de papel, para secar as lágrimas, nem todas de dor, algumas, muitas de alegria.
Toda a vida procurei a felicidade, houve momentos em que a senti perto, tão perto que quase a conseguia tocar, mas queria mais do que o seu toque, que o vislumbre do seu sorriso, queria, precisava, do seu abraço apertado e perpétuo. Sufocada, a felicidade partiu.
Voltei a procura-la, em rostos, em gestos, em corações, em primaveras floridas, em verões escaldantes, nos outonos e até no frio do inverno.
A dada altura de  tanto a procurar, começou a crescer-me a dúvida, será que ela existe? Será que  a vi e senti ou foi apenas uma ilusão?
Não, não acredito que tudo tenha sido uma fantasia  da minha ansiedade, do meu querer. Na verdade, conheci momentos belos, vivi tempos lindos, identifiquei um mundo repleto de coisas sublimes. Pode lá ser que não se sinta felicidade ao ver o azul límpido do céu, a vastidão ondulante do mar, a noite estrelada, o verde dos prados, as avenidas de árvores, o voo singelo das aves. 
Só então percebi, procurei toda a vida a felicidade,  mas em cada instante, foi sempre ela que me encontrou.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Post.it: Histórias como a nossa

Histórias, todos temos as nossas, que por serem histórias, são coisas do passado, embora, nem sempre coisas passadas. São situações vividas e que já não podemos repetir para reviver esse momento de felicidade. Coisas que não pudemos alterar para que corram de forma diferente, melhor, pensamos no nosso arrependimento, na nossa idílica esperança.
As novas histórias em nada se comparam com as “velhas”, ainda não ganharam o sabor que a maturidade e o passar do tempo lhes confere. São um pouco como a fruta, verde não sabe a nada, mas quando amadurece resplandece em doçura, em sabor que nos apetece saborear lentamente até ao fim.
Todos gostam de ouvir histórias, sobretudo se tiverem um conteúdo anedótico, essas “quedas” que damos na vida e a forma como lhe colocamos um final feliz que nem sempre teve. Mas só o facto de estarmos aqui para contar já pode ser considerado um final bem-sucedido.
Mas mais do que ouvir contar histórias, todos gostam de contar as suas, todos gostam de as colorir e se tiverem o dom da oratória, porque não ficcionar um pouco para prender a atenção do ouvinte? A vida já é uma chatice, um marasmo, um drama de contínuos actos, para quê ainda estar a partilhar a nossa desventura shakespereana?
Nós, todos nós somos uma escultura esculpida pelo tempo, pelo vento, o sol, pelo olhar dos outros. Sim pelo olhar dos outros, e isto,  de repente, trouxe-me à memória a frase de uma grande amiga “os outros não têm defeitos nós é que os vemos com defeitos, na realidade, o defeito está na nossa visão”. 
Só muito tempo depois é que percebi a sua amplitude. Ao longo da nossa história, na nossa busca incessante do outro, esse alguém que nos completa, que nos faz feliz, construímos um ideal, físico, psicológico, económico, familiar, etc, etc., etc. e etc. A dada altura parece-nos que sem esses predicados ninguém é o ser perfeito. Mas a verdade é que se for a pessoa que nos desperta sentimentos superiores, encontramos-lhe todas e mais algumas virtudes, mesmo que quando nos passe a “pancada” da paixão, acabemos por constatar que não as possui, enfim, lá ficamos nós com mais uma história, que está longe de ser perfeita, mas é a nossa…

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Folha de Outono

Gosto do dourado Outono,
Gosto de cada folha que cai.
Quando adormece num sono,
Que nas asas do vento se vai.

Paira suave, quase sem pressa,
Sem mágoa, talvez deslumbrada.
Com aquela eterna promessa,
De voltar na primaveril madrugada.

Apenas uma folha, dirão,
Perante o meu encantamento.
Não sei se ela tem coração,
Mas sinto-a no meu, nesse momento.

Sim, é uma folha, mais nada,
Das árvores que se estão a despir.
Mas dessa folha, no chão pousada, 
Não consigo, sem tristeza, me despedir.