sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Post.it: Um único Setembro na nossa vida

Lembro o momento, o exacto momento, quando o dia na tarde adormecia. Quando o sol sorria e as nuvens repousavam no azul do céu. As flores exalavam no ar cheiro  de pétalas beijadas. O mar parava o seu movimento ondulante, suspenso do mistério, para escutar os corações.
Que teriam eles para dizer? Que palavras sairiam dos lábios trémulos, um adeus, um começo ou apenas um reencontro?
Lembro o momento, o exacto momento em que as sombras se uniram e formaram a perfeita imagem da vida. De como ela deve ser, feita de harmonia e completude. Quando os caminhos se encontram. Quando os passos descobrem um sentido para caminhar lado a lado, num ritmo lento de quem quer apreciar, partilhar, viver em comum esse tempo. De quem já não tem pressa de procurar porque já encontrou.
Lembro o momento, o exacto momento em que percebi nessa união, que a felicidade existe. Porque ela transparecia naquele idílico quadro de perfeição.
Foi nesse instante que a realidade me chamou, despertei. Confusa entre o sonho e a verdade. Uma alegre tristeza foi invadindo-me os sentidos. A beleza do ideal, que não quero supor, fantasia, mas antes a antevisão do caminho que se abre à minha frente. E que um dia, quem sabe um dia, encontrarei esse Setembro, único na nossa existência…

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Post.it: O homem do mar

Quando está no mar, deseja regressar a terra. Quando está em terra só sonha com o mar. Tem o coração dividido e ela tem ciúmes, desse mar feito sereia que o furta demasiadas vezes  aos lençóis ainda quentes, onde dorme o carinho. Que fazer? pergunta ela, enquanto ele encolhe os ombros vencido por dois amores que o seu coração alberga em igual dimensão. Ela chora todas as partidas e todos os regressos com lágrimas diferentes, tem medo de o perder numa qualquer onda mais traiçoeira. Ele sorri da sua mágoa, enquanto esconde a sua por detrás dum orgulho marinheiro. Também ele tem medo de um dia não regressar, mas sabe que a sua vida findará sempre nos braços de um dos seus amores, conforma-se e é feliz. Ela olha-o como se fosse um farol, a sua luz, a sua torre, a sua coragem, a sua vida. Sabe que se um dia o mar lho roubar ficará para sempre à sua espera, porque o coração nunca desiste de ter esperança, quando está ancorado num outro que lhe serve de cais.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Post.it: O namoro do sol e da lua

Para sempre ficarás como a doce lembrança duma história linda que não vivi. Como o sonho mais terno que por momentos sonhei. Por instantes em que acreditei que eras a nuvem onde podia pousar as minhas penas. Fui escrevendo cada capítulo dessa história com tintas que roubava do arco-íris. Foi assim que a colori, foi assim que a entardeci na minha alma. Colhi estrelas e com elas compus o mais belo ramo de cristalina luz. Contei às ondas a nossa história e elas riram-se de mim, não me importei porque sentia que havia algo de verdadeiro em ti, que havia algo de inteiro em mim e que um dia, sem delineamentos temporais, haveria de realizar-se nesta dimensão ou quem sabe noutra, se ela existir. E então eu iluminaria o sol, enquanto o  vento ensaiaria com os ramos das árvores a  mais doce melodia que jamais  saíra do peito das aves, inspiradas por nós. Quando o nós acontecer e por fim caminharmos lado a lado desde a madrugada ao anoitecer. Eu derretida de amor, tu inebriado com o meu luar.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Post.it: A escola

Estas paredes guardam ecos da memória, risos, histórias. Vidas em crescimento, caminhos ainda mal delineados. Esperanças vivas, espíritos ávidos por liberdade. A liberdade de crescer, de conquistar cada pedacinho de sol que sabem pertencer-lhes. Rostos que deixaram marcas, traços imperceptíveis nessas paredes, que a tinta tenta esquecer mas a argamassa teima em lembrar. Perguntam-lhe porquê essa teimosa recordação, saudades? Talvez, não o confessa, faz um imponente silêncio, ou talvez sejamos nós que não consigamos ouvir as suas confissões, apenas vemos a sua imponência, impenetrável na sua alvura. No entanto esconde em cada recanto um nostálgico sentir, por todos  aqueles que a tornaram vibrante de vida, de sons, de alunos que revelaram os seus segredos, que a tornaram quase num espaço maternal, a sua segunda casa, em muitos casos a única onde encontram apoio e carinho, nessa “casa” onde encontram segurança, estabilidade porque ela está cheia de ensinamentos, repleta de rumos que ali se começam a desenhar.
Depois o silêncio de cada final de ano, de cada partida, poderia dizer que eram momentos de uma  paz reencontrada, desejada, mas não, já se habitou ao frenesim das correrias, das brincadeiras, das confissões, dos sucessos e fracassos.
Agora esse sossego, essa monotonia,  um breve momento que lhe parece uma eternidade, até que o portão volte a abrir-se e a deixar entrar uma multidão de sorrisos. Novas histórias para ficarem registadas no âmago da sua existência. Então o sol volta a iluminar cada recanto, afastando a última nostalgia, porque é preciso recomeçar a escrever um caderno em branco, a desenhar em cada vida a estrutura dum caminho que o leve para um melhor futuro.
 Ano após ano, a escola é ainda revisitada por gerações  de alunos que por ali passaram,  e quando cai a noite, quando se fecham os portões,  escutam-se vozes felizes no ressoar das paredes.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Post.it: O canto dos melros

Júlio Resende (1917-2011)
“Não teve tempo para pintar o canto dos melros”. Que ecoariam numa sala de estar, oferecendo-lhe uma luminosidade primaveril,  enquanto lá fora a chuva desenha rios na vidraça. Enquanto a neve cobre de branco a copa das árvores. Os melros, cantariam, alheios à mudança das estações, celebrando a vida, fosse qual fosse a sua dimensão temporal.
Não teve tempo para os pintar, mas sonhou-os, sentiu-os, ouviu-os a dançar nos seus sentidos. Enquanto a mão parada esperava o alento da inspiração, para deixar na tela branca, a harmonia das cores, dos traços entrelaçados que ganham forma,  sentido e alma.
Nós que ainda temos tempo, devemos à vida a homenagem de a olhar, de a sentir. De desenhar em nós a sua esplendorosa beleza. Se nos faltar o talento, pintamos com o pensamento. Se nos trair a mão na delicadeza do traço, fixamos esse encanto no coração. Mas não nos recusemos a pintar só por falta de aptidão, porque a natureza oferece-nos a cada momento, delicados quadros, cuja perfeição nos impele a que fiquemos apenas a admirá-los.
Nós ainda temos tempo de pintar os melros, os desejos, os sonhos…

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Post.it: O mar à tua espera

Esse mar, esse chamado, esse embalo, de onde vêm, para onde vão em ondas que continuamente adornam a costa? Dizem que são lágrimas continuamente derramadas. Tantas, silenciadas, nesse confessionário de mágoas, mas as lágrimas também podem ser de alegria e as confissões de felicidade. Só as conhece esse mar profundo, tão profundo, que nele já se afogaram todas as dores do mundo. Desse mundo tão igual nas suas diferenças. Rico, excêntrico. Paupérrimo, subnutrido. Onde chovem rios, onde crescem desertos.
E nós, desigualmente humanos. Em busca de nós nos outros. Em busca dos outros em nós.
Conhece-nos esse mar que esconde os nossos medos, que guarda tão densos segredos.
Não é fácil, murmura cada onda derramada no areal. Mas venceremos, repete em uníssono a melodia que nos acalenta e atenua o sentir.
Quando as ouvimos julgamos que cantam, uma alegria que se estende sem limites de horizonte. E no entanto, choram. Choram a tua ausência, na espera do próximo Verão, para de novo te abraçar… 

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Post.it: Planos de férias

Andamos o ano inteiro a pensar nas férias, a desejá-las, a planeá-las. Nelas vamos fazer tudo o que adiámos ao longo de muitos meses, porque estava frio, porque chovia, porque estávamos cansadas, não tínhamos tempo, porque não tínhamos companhia ou simplesmente porque não nos apetecia. Durante as férias, não chove, não está frio, temos tempo, temos companhia. Bom, num ideal de férias seria assim, mas nem sempre as coisas acontecem como planeado. Pode chover, fazer frio, ou correr tudo ao contrário. No final das férias quando vamos esvaziar as malas verificamos que não lemos os livros que levámos, que não fizemos metade do que nos tínhamos proposto. Olhamos para trás e na pior das hipóteses sorrimos por recordarmos que fizemos coisas muito melhores. A pele brilha ainda com raios de sol, os cabelos em desalinho lembram o quanto dançaram ao vento. A cintilação no olhar trás rasto de luar que inundavam as marés. O espírito resplandece de sonhos, de esperança, de tranquilidade. A alma rodopia na harmonia do sentir, e como uma janela abre-se aos sons, às cores, aos odores. Os pulmões inspiram a natureza. Enquanto um quase silêncio desconhecido aos sentidos os invade, numa invasão consentida, desejada e apreciada em cada momento.
 O despertador emudecido deixa-nos sentir uma sensação de liberdade quase infantil, “vou dormir até ao meio dia”, diz o cérebro enquanto o corpo se espreguiça e se ergue de um impulso para deixar entrar o sol que bate nas portadas.
Voltando às arrumações de final de férias, encolho os ombros num gesto de aceitação, e convenço-me que o  que não foi realizado nestas, pode ficar para as próximas, além disso, temos o ano inteiro para ler os livros da estante, quem sabe num dia de chuva, à lareira, ou simplesmente, quando nos apetecer...

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Post.it: Férias com momentos picantes

Pediram-me histórias mais picantes sobre as férias. Fazendo-lhes a vontade, concordo que tenho dois momentos bastante picantes para recordar. Estas férias estavam a correr bem, demasiado bem, dizia-me o pensamento em alerta, habituada que estou que há sempre algo de singular que me deixa um souvenir, estava vigilante. Quem me conhece sabe que sou a distracção em pessoa. Como diz uma amiga minha “Tu até chocas com o Mosteiro dos Jerónimos sem o veres”. Bom, não é bem assim, lá vou murmurando. Mas desta vez, tenho a acrescentar que não tive culpa do sucedido.
Algo que se conta em meia dúzia de palavras: Numa pequena incursão ao país vizinho, as históricas quezílias mantiveram-se, o sistema de segurança esteve presente e um insecto mais nacionalista resolveu espantar-me do local com uma suprema espetadela. Este foi o primeiro momento picante das minhas férias. Momento que prometia não ficar para a história, mas quer por ser espanhol o referido bichinho, quer por eu estar hiper sensível às alergias, a verdade é que as repercussões não se demoraram a fazer-se sentir convidando a uma visita ao Centro de Saúde algarvio. Para além da longa espera que já não é novidade, senti-me estrangeira no meu próprio país, para marcar a consulta de urgência pediram-me todos os cartões possíveis e imaginários, como me faltavam alguns que aliás  já ninguém usa, até me ofereci para lhes mostrar o cartão de eleitor, o de sócia de Sporting, o cartão das farmácias, da perfumaria, da sport zone, do mundo dos bonsais, do clube de vídeo, o do continente, etc, etc., é só escolherem porque plástico não falta.
A amiga que pacientemente me acompanhou, nesse momento deve ter desejado que me dessem rapidamente uma injecção para ver se aqui a criatura acalmava. Desejo realizado, levei uma valente pica intramuscular, mas o efeito não foi o pretendido, senti antes um recarregar de baterias. Quando me perguntou “Vamos para casa porque deves estar com sono?” respondi com surpresa “Sono eu? E se fossemos às compras?”
E este foi o segundo momento picante das minhas férias, satisfeita a curiosidade?

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Post.it: Desportos de praia

A natação já um clássico que sempre apreciei, mas o futebol foi a minha primeira paixão, praticado na água, entre ondas e amigos. Quando foi proibido, voltei-me para o voleibol, mas revelei fraca aptidão. Mais ambiciosa quis conquistar o céu e lancei-lhe coloridos papagaios de papel. A paixão foi correspondida e durante alguns anos não pousei. Mas o espírito irrequieto que me caracteriza fez-me regressar e partilhar novas actividades, cedi à moda das raquetes de praia. Não sendo exímia executora, não fiz má figura. Porque aliás tudo aquilo a que dedico o meu tempo e devoção tem que sair bem ou nem tento. Por isso nunca investi em desportos radicais que poderiam ter desfechos fatais. Mas este ano nas férias, foi diferente. Terá sido por causa da crise, essa a quem todos acusam de tudo o que lhes sucede, ou por nostalgia de tempos remotos, senti vontade de voltar às tradições, ao encontro ou reencontro do prazer nas coisas simples. Alguém se recorda ainda da brincadeira de lançar pequenas pedrinhas para que elas saltitassem na superfície da água?
Perante a tranquilidade desse mar que se perdia na linha do horizonte, invadiu-me o saudosismo, do tempo em que bastava uma pedrinha, a serenidade das águas e um jeito de mão para que ela desenhasse na superfície que espelhava o céu, pequenos círculos, tantos quantos o impulso de voo lhe permitisse. E a pedrinha, qual surfista, deslizava.
Aprendi o gesto, repeti-o, refinei-o, e a pedrinha obedecia feliz. Pinchava, uma, duas, fui até aos cinco ressaltos, atravessando a Ria Formosa. Este tornou-se o meu passatempo, numa longa caminhada à beira mar, ia recolhendo pedrinhas, não qualquer uma, já identificava as campeãs pela forma e alisamento. No final do areal, desenhava-se na paisagem uma lagoa cuja suavidade  convidava ao mergulho e a infindáveis braçadas, lentas, quase numa envolvência de dança e harmonia de existências. Depois seguia-se a diversão, a competição, a ambição de chegar mais longe. Por fim o descanso e um leve banho de sol, enquanto ele ainda sorria lá no alto do horizonte.
É bom reencontrar o prazer de ser feliz na simplicidade da vida.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Post.it: Day after férias

Desculpem-me a falta de ética, de estética, de fonética, de poética, mas é assim que me sinto. Não, não é o síndrome pós-férias, nem sequer depressão, é antes uma espécie de controvérsia interna, quando nos sentimos arrancados a um tempo e atirados para outro completamente oposto.
Fico então a perguntar-me, como vou adormecer sem o som do grilo que me embalava o o sono? Como vou despertar sem o cantar da pomba aninhada no topo da chaminé? Como me vou espreguiçar sem a sonância matinal das ondas?
Como vou distender os pulmões sem a brisa dos pinheiros numa fusão adocicada com as figueiras e um rasto de mar?
Como vou caminhar perdendo o rumo dos passos nesse macio areal. Como vou encher  o olhar de horizontes de  azul, desse sol que tão cedo me convidava a recebe-lo no corpo e na alma.
Hoje num contraste quase agreste, acordei ao som do despertador, ao longe uma buzina de carro gritava a urgência do dia em começar. O ar cheira a monóxido de carbono, a perfume de marca indefinida, a tabaco fumado à velocidade do relógio.
Saio do torpor das férias, mergulho na multidão, confundo-me com ela, sigo-lhe o compasso apressado.
O sol esconde-se, espreitando aqui e ali por entre os prédios, sem espaço para manifestar o seu esplendor.
Olho para trás, na esperança de ainda encontrar o último vislumbre de azul, de uma brisa de mar. Lembro-me de repente que ficou lá, quem sabe, um dia regresse ao seu abraço.
Sacudo a lembrança, afasto a saudade, enfrento o dia, caminho para o futuro, aquele que me levará de novo ao seu encontro.
Porque afinal, somos feitos de sonho e de vida.