terça-feira, 28 de abril de 2015

Post.it: O nosso momento

Sou um rosto entre muitos outros, sou apenas um passageiro nos transportes públicos, tento ler, impossível a minha “vizinha” do lugar em frente está audivelmente entretida a conversar através do telemóvel. Olho-a sem ela me olhar, escuto-a não por curiosidade mas porque é impossível não ouvir o que diz. Em poucos minutos fico a saber tanto sobre si: Chama-se Raquel, “depois ela disse Raquel tem de ter atenção ao que faz”. O que fazia? Trabalhava numa agência de viagens “vai ter de remarcar aquela viagem e explicar a alteração ao cliente”. Estava chateada, sentia-se injustiçada, “mas a culpa foi dela que veio alterar a minha página no computador, agora diz que o erro foi meu”. Era casada, ainda apaixonada, “Sim amor eu sei, mas que queres irrita-me, um dia deste passo-me”. Tinha filhos “olha vais buscar as crianças à escola? É que eu já estou atrasa por causa daquela C***”. Não se importava com quem estava a seu lado “Estou a dizer asneira? Ora quero lá saber, quem não quiser ouvir tape os ouvidos, vivemos num país livre”. De repente senti-me envergonhada por estar a invadir a sua liberdade de estar, ensurdeci-me, fugi com o olhar para a janela. Por um curto instante, de imediato a minha atenção voltou a ficar presa nela, chorava (eram os nervos, o desabafo. Aquela estranha chorava e a mim doía-me como se a sua mágoa fosse igualmente minha. Porque também eu me tinha chateado no emprego nesse dia, também a mim me apetecia gritar impropérios adequados à atitude da minha colega, de C*** para baixo. Também me apetecia saber que regressava a casa e encontrava alguém amoroso à minha espera, as crianças a sorrir e aquela voz terna a dizer-me que o dia de amanhã será muito melhor. Fechava a porta, fechava as lembranças, fechava o dia, fechava por fim com o corpo o estreitamento daquele abraço. 
Quando desceu do autocarro, apeteceu-me oferecer-lhe um sorriso, um adeus, quem sabe, um até amanhã se vier de novo atrasada, ou um até nunca mais se apanhar o autocarro previsto. Adeus Raquel, continuará no seu emprego, a aturar a sua colega, a correr para os transportes, a correr para casa, para a família e a afastar-se de mim. Eu que nada signifiquei na sua vida, na curta viagem, não sabe nada sobre a minha pessoa, nem o nome, o que faço, como vivo. Não olhou sequer para o meu rosto, para ela continuei anónima. Para mim ela não é mais uma pessoa anónima, tornou-se uma companheira, uma “amiga” que me deu a conhecer um pouco da sua história e me fez acreditar que, aconteça o que acontecer, no final do dia, pode haver um momento, por pequeno que seja que é nosso, maravilhosamente nosso.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Post.it: A liberdade

“A liberdade está a passar por aqui”, (se não houver greve dos transportes públicos).
Uma liberdade que foi conquistada há cerca de 40 anos e que existe realmente… 
Há liberdade para se fazer greve. Mas que não altera nada as razões da sua luta. Pode-se expressar livremente, até porque já ninguém escuta. Tem-se direito de voto, escolher quem queremos que nos governe, mas não conseguimos obter o direito a que nos governe bem. Podemos pedir emprego e obter despedimento, aumento salarial e obter redução.
“A liberdade está a passar por aqui”, mas não é a nossa liberdade, não aquela que levou à revolução dos cravos. É a liberdade de quem pode despedir sem razões para isso, destituir cada um da sua dignidade, do direito à saúde. A liberdade de surripiar direitos há muito adquiridos, herança de tantas lutas passadas. 
“A liberdade está a passar por aqui” e a ir-se embora. Fica a história para assinalar a data, fica o feriado (por enquanto) para descanso do cidadão. Fica a esperança, que a liberdade não passe, que fique, que pertença a todos e que seja usada com rigor, com humanidade, em Democracia (cuja característica principal é a proteção dos direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão, de religião, a proteção legal e cultural da sociedade, e o dever de participar no sistema político que vai proteger os seus direitos e liberdade). 

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Post.it: O dia da Terra

Que o mar a abrace e lhe seja cais de repouso, que o céu a cubra com o seu manto  azul, que o sol lhe sorria em tom de festa, que as árvores a cumprimentem dançantes, que as andorinhas, os pardais, melros e gaivotas unidos façam um coro de melodiosas e aniversariantes canções, que eu, (humanidade), que nada tenho para lhe dar, já que é ela que tudo generosamente me oferece, lhe dê a minha admiração, o meu cuidado, que a olhe com o coração, que lhe toque simplesmente com o olhar e lhe diga obrigada por existir e me permitir existir nele. Que eu, sem nada mais fazer, faça tudo o que ela precisa, que não a destrua, que não a magoe, que não a esqueça. 
Que faça dos meus passos uma leve caricia no seu caminho. Que faça dos meus gestos a ternura de quem cuida, e se dá em perfeita simbiose de sonhos, de construção, de futuro. Porque eu que sou apenas uma gota no seu oceano, um grão de areia no seu areal, uma partícula de azul no seu céu mas amo-a, com um amor tamanho de uma galáxia, e um querer tão imenso como o universo. Neste dia que de homenagem à Terra, quero juntar-me aos que a festejam e desejar-lhe que seja para sempre bela, generosa e tenha um dia, um ano, a eternidade, repleta de felicidade.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Um poema

Letra semeada na página branca,
Linha lavrada pela mão que a levanta.
Estrada regada de riso e de mágoa,
Emoção que segue na corrente da água.

Porque o poema dói ao não ser perfeito,
Como um filho que nasce dentro do peito.
Quem pode entender o que ele diz,
Se não souber o que o faz sentir-se feliz.

Uma felicidade que há tanto declama,
Tornada saudade que sempre o chama,
Pois não é mais que poesia carente.

Não é mais que sonho dormente,
Na cama onde é poema acordado,
À espera do afago do céu estrelado.


quinta-feira, 16 de abril de 2015

Post.it: Sociedade

Viver em sociedade, na cidade, no campo, viver com pessoas, entre pessoas e às vezes tão longe delas. Acordar sozinha, conversando com os pensamentos. Há quem diga que já não existe solidão, há a internet essa rede que une galáxias mas unirá pessoas? Há o facebook, o twitter e mais umas quantas redes de amizade e “amizade”. Mas há diálogo, companheirismo, partilha? Há a presença de quem escuta, de quem aconselha, de quem apoia e eleva a moral? Há quem nos aconchegue com um abraço, nos olhe nos olhos, quem nos ampare uma lágrima, que nos faça sorrir, quem nos arranque uma inesperada gargalhada?
Vivemos em sociedade, mas o que é uma sociedade, alguém o sabe, alguém o vive verdadeiramente?
Por sociedade entende-se um conjunto de seres que convivem de forma organizada. Palavra que vem do latim e se define como “associação amistosa com outros”. Um colectivo humano que zela pelo bem-estar desse grupo.
Mas hoje  como se entende, como se vive nesta sociedade que se moderniza, que se individualiza?
Já tiveram a “sorte” de vos dizerem, “não sou uma pessoa sociável”, mas esperam, que os outros o sejam? Já vos aconteceu escrever um e-mail em que relatam os vossos queixumes e obter como resposta os queixumes dessa outra pessoa? Ficamos sem saber se devemos entrar em comparações e ficar por isso mais aliviados pela brandura das nossas inconstâncias.
A verdade, verdadinha, é que cada um construiu à sua volta um muro (por vezes de lamentações), uma ilha de desresponsabilização, um mundo de fronteiras pessoais. Para além destes novos universos, felizmente, ainda há os “clássicos”, os que entendem que a sociedade é um valor que personificamos, que nos edifica e humaniza. Que podemos viver sem muros, que nos podemos unir em múltiplas penínsulas, que contamos com os outros e os outros connosco, que espalhamos sementes, cuidamos delas e as vemos florescer à nossa volta como sociedade assente na valorização da Amizade.



sexta-feira, 10 de abril de 2015

Post.it: Carta ao coração

 Sempre quiseste voar e eu cortei-te as asas. Sempre quiseste sonhar e eu acordei-te. Sempre quiseste amar e eu contrapus a razão. Sempre quiseste ser feliz e eu apresentei-te a dura realidade. Sempre me deste o melhor de ti e eu fingi que não te via.
E apesar do teu querer e apesar do meu ser, sempre vivemos em quase e plena harmonia, claro que tivemos as nossas discussões, as nossas guerras, lágrimas, batemos com a porta, desistimos, quisemos partir, mas voltámos, voltamos sempre. Tu cedias, eu aceitava. Então prometíamos cuidar um do outro, respeitarmo-nos, cumpríamos…
E é nesta relação ondulante de altos e baixos, de chuva e de sol que nos amamos, que nos cuidamos, tu mais de mim do que eu de ti, é bem verdade, reconheço.
O passar dos anos vai-me acalmando, dando outra visão de ti, de mim, de nós. Se voltasse para trás, certamente voltaria a fazer tudo da mesma forma, está na minha natureza, esta luta, esta incerteza, este racionalismo sentimental. Continuaria a escutar a razão sem te ouvir a ti, coração. Mas tenho a certeza que posso mudar o futuro, porque vou descobrindo em mim uma pessoa com mais traços de ti. 
Quando me olho no espelho vejo o teu sorriso, o brilho do teu olhar. És cada vez mais tu que me defines, sinto-te, escuto-te, amo-te. Sim amo-te, sabes bem como me é difícil fazer esta declaração, fui sempre discreta, tímida, fria (dirás), mas não era verdade, era medo, medo de me perder em ti, de me perder por ti, ficar frágil, vulnerável, ferida, magoada ao caminharmos juntos pela mesma estrada. Mas já não temo, descobri que só se é feliz quando se vive a vida por inteiro, celebrando-a em todos os seus momentos: nos sucessos, e na superação dos fracassos. Suspiras-me no peito, há quanto tempo me esperas, toda a nossa vida passada e rejubilas por toda a nossa vida futura, agora que estamos finalmente juntos.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Post.it: Insónia


Insónia, velha amiga, companheira da longa caminhada das noites sem sonhos, só o tic tac do relógio permanece rompendo o vago silêncio. Porque as horas têm o seu próprio som e acompanha a melodia das estrelas, a toada madrugadora das aves, o sopro murmurante do vento, a dança dos ramos daa árvores, do cão que ladra a qualquer ameaça de invasão, do galo que confunde as horas, do gato que mia o desespero de a todo o custo conquistar a gata que o rejeita. Do carro que chega com roncos de motor cansado, vem de um longo turno de trabalho. Desse outro que num som diferente estremece a noite com arrancos de quem foi literalmente sonegado ao sono, quem sabe ao sonho dormente.
Insónia, velha amiga, que histórias escreve a noite, de vidas que vêm vão e de outras tantas que apenas estão inertes e confiantes que o amanhã chegará para o melhor das suas vidas. 
Acendo a tv, mas nada da sua programação me prende a atenção, não me acomoda. Acendo o rádio mas nem a sua música me aconchega, o mp 3 tem melodias que agora não me apetece ouvir; ler, sim podia ser uma opção, tenho tantos livros em aguardando a caricia de um olhar, o carinho suave dos dedos ao virar a página, mas dá-me preguiça tirar as mãos para fora das mantas. Restam-me os pensamentos, que me vêm em turbilhão como ondas gigantes de uma tempestade avassaladora, pouco a pouco vão-se aquietando, e de mansinho vão-me embalando, e quase, mas apenas quase me adormecendo. E nesse quase sono, por um instante vislumbro a portada dos sonhos, eis que o relógio despertador toca, insiste, ignoro-o, mas ele persiste. Que lhe importa o cansaço da noite não dormida, que lhe importa que as minhas horas tenham sido contrárias à tranquilidade das suas. Cumpre a sua missão como um soldado que ostenta a farda com estóica honra. Mais cinco minutos atrevo-me a pedir… 
Inflexível o relógio volta a repetir o seu toque estridente, como se fosse uma implacável ordem, quando o paro, o silêncio volta a envolver-me num abraço de esperança, “tem paciência, verás que logo à noite dormirás estes 5 minutos e muitos outros, suspiro conformada, mas ainda com forças para resmungar num sussurro, “pois sim, se a minha amiga insónia não me vier fazer companhia.”

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Páscoa Amiga

Se me fosses Páscoa no peito,
A dor transformada em luz.
Sonho que não acorda desfeito,
E que pelo caminho me conduz.

Se me fosses Páscoa em cada dia,
Que busco o sentido da vida.
Quando a tristeza cede à alegria,
E a missão de viver é percebida.

Se me fosses Páscoa sem solidão,
Partilhada no bem-querer,
Que exulta do fundo do coração.

Numa Páscoa de felicidade,
Com o sentir do renascer, 
Na mais profunda amizade.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Post.it: Mentira

É mentira que o inverno que me deixaste no peito já deixou de invadir com a sua chuva os meus sentidos. É mentira que a primavera já tomou o teu lugar. É mentira que já não me navegas na esperança, que apaguei de ti toda e qualquer lembrança, é mentira.
Quantas vezes a mentira é a única forma de  verdade que temos, e sorrimos porque é preciso que o sol volte a brilhar. E sonhamos, agora só quando o sono nos acalenta, porque o dia já não tem mais fantasias. É mentira que o luar ainda nos abrace, que a noite nos concilie os sentimentos. É mentira que ainda existam em nós aqueles momentos. Mas seguimos o nosso caminho, agora que os passos se desencontraram e cada um vai à descoberta dos seus, vou à descoberta dos meus. É mentira que te deixo simplesmente partir, que te aceno sem tristeza. É mentira e só tu não vês, só tu acreditas nessa mentira que vou insistindo ser verdade. Como minto gritando ao coração que já não sinto. Que tudo o que vivi não tem grande importância, que fico bem, e consigo até rir para ti, ou rir de mim, sei lá...
Sempre detestei a mentira, e a minha vida sempre se pautou pela mais pura e gloriosa verdade, de repente, vejo-me envolta na mentira como um casaco quente, protector e acolhedor. Agarro-o, aperto-o contra a pele e faço dele uma parte de mim. Olho em redor e sem o olhar crítico de outros tempos, torno-me solidária, afinal, quantos e quantos de nós vivemos a mesma mentira só para não sofrer, só para esquecer, só para renascer. Um dia certamente apagaremos estas razões, estas desculpas, estas verdades mentidas, estas sensações fingidas.
Faz parte da viajem, de tudo o que começa e por vezes acaba, faz parte do sonhar que por vezes leva ao despertar. Será que se é verdadeiramente feliz? Questiono até mesmo aqueles que fazem exaltação das maiores alegrias, dos maiores sucessos, não terão de vez em quando a sua tristeza, o seu fracasso, a sua mentira?
Não, não me acusem das mentiras que visto, não é fingimento, tão pouco falsidade, é sobrevivência, é aprendizagem. Por vezes é preciso mentir, não para enganar os outros, mas para nos enganarmos a nós próprios,  dessa forma, quem sabe, um dia consigamos acreditar na mentira e ela pouco a pouco se torne verdade.