quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Pegadas

A morte bateu-me à porta, abri.

Deixei-a entrar.

Sentou-se a meu lado.

Falámos da sua chegada.

Falámos da minha partida.

Chorámos juntas por outras vidas.

Todas as que já me roubaste.

Fizemos silêncio sem dizer uma à outra.

A saudade que de cada uma de nós ficaria.

Lembranças deixaremos algumas, talvez.

Mas isso que importa, se depois de ti.

Fecha-se a derradeira porta.

Espero que não fique nada.

Para que a ninguém eu doa.

Só a luz de quem tudo perdoa.

Dou-lhe a mão, caminhemos.

Por este último caminho.

Sem deixar pegadas.

Porque a alma me voa.



quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Silêncio e tanto magoar

Vão-me morrendo as palavras

Vão-me nascendo silêncios.

A mágoa que vem

Já não é água que vai.

Cresce a sombra dos dias.

Cala-se-me a voz

Dentro de nós

Ficamos sós.

 

Há um vento

Que tudo varre para longe

E lá longe fica.

Pesam-me as mãos

Nos gestos que me voavam.

Tudo era leve, alegre,

Acredito que feliz

Ou sonhei?



segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Um sopro de vida


Toda a vida

Vou:

Amar,

Abraçar,

Sonhar,

Dar.

 

Toda a vida

Vou:

Ver,

Escolher,

Aprender,

Vencer.

 

Toda a vida

Serei:

Melhor,

Calor,

Vigor,

Esplendor.

 

Toda a vida

Serei:

Harmonia,

Alegria,

Fantasia,

Ousadia.




segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Post.it: Férias na aldeia

Nestas férias o meu destino levou-me até uma aldeia na Beira. Uma aldeia distante, perdida na serra. A ideia era descansar, fugir da cidade e dos seus barulhos, mergulhar no silêncio e esquecer por uns dias o rebuliço da rotina diária. E esta pequena aldeia com apenas 70 habitantes parecia-me a ideia perfeita de paraíso. 
Ali, para quem está de visita as horas parecem passar devagar, mas quem lá mora, o acordar cedo para tratar dos campos, a rega, o amanhar das terras, a recolha dos frutos. No final da tarde podiam por fim sentar-se no banco do largo onde a solitária, mas frondosa árvore lhes dava sombra e abrigo à amena cavaqueira. 
Na paisagem surgiam as casas de xisto à moda antiga, umas de traça original, outras recuperadas, pelo meio, salpicando a paisagem novas arquiteturas vão permitindo identificar as casas dos emigrantes que trouxeram para a sua terra as inspirações internacionais. 
Casas com janelas cerradas que aguardam o regresso em férias dos seus residentes que vêm descansar, visitar os familiares ou simplesmente matar saudades do chão que os viu nascer. 
Na pequena aldeia os dias eram ardentes, as noites quentes, o sono tardava, mas quando chegava era tranquilo e esvoaçante. A noite prometia ser longa e sem interrupções, mas eis que pelas 3 horas da manhã um estranho trinado me arranca violentamente do doce sonhar. Por uns segundos questionei-me, onde estava, que barulho era aquele, uma buzina? Um grito? Não, era um galo canoro que resolveu exibir os seus dotes vocais. Depois de uns minutos de cantoria, calou-se por fim. Voltei a serenar e a adormecer, mas de novo às 4 horas da manhã, às 5, às 6 e por aí em diante, o galo voltou à sua função de despertador. 
Eu, citadina de todos os costados, fiquei desagradavelmente surpreendida, mas os galos cantam à noite? Questionei. Passaram-se os dias, e a “canja de galo que ameacei fazer” afinal não aconteceu. 
Acabei por me habituar ao seu canto. Quando voltei para a cidade e para os seus sons habituais de indiferença e falta de respeito pelo descanso que uns manifestam pelos outros quando chegam de madrugada com os rádios em alto som, as conversas e as gargalhadas fora de horas, as buzinas madrugadoras. 
De repente, dei por mim a pensar nas silenciosas 70 pessoas daquela distante aldeia. Na sua azafama, na sua solidão. E para grande surpresa minha, senti saudades do galo que todos os dias me despertava às 3 horas da manhã.