sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Post.it: Cascata temporal

Talvez a o crescente da idade nos faça ganhar consciência de como tudo é efémero. Temos o hoje, o agora, o depois, sabe-se lá…
Sabemos apenas que se vai embora, não chega a ser uma partida, tão pouco uma despedida, é um processo quase linear. Não me lembro de me aperceber desta mudança, mas de um momento para o outro, dei-me conta de que é imparável, irrepetível, o passar do tempo com toda a panóplia de cores, de sons, de acontecimentos, de movimentos.
O tempo, sinto-o como água que me escorre por entre os dedos por muito que os una e aperte, quando os abro já nada resta da água que escoou. 
Há quem fique a apreciar essa cascata, eu não tenho tempo para apreciações, divagações, quero viver o hoje, desde o seu despertar até ao adormecer. Quero senti-lo, abraça-lo, guarda-lo na memória, torna-lo eterno dentro de cada neurónio. 
Uma eternidade limitada ao meu horizonte vivencial, à conjugação harmoniosa dos cinco sentidos. 
O tempo, esse traiçoeiro amigo que tudo nos oferece, que tudo nos sonega no momento seguinte. E nós gratos de tudo o que nos deu para conhecer, para viver e nele crescer, perdoamo-lo por essa falsa esperança de que todo o tempo é apenas criança e temos muito, muito mais para ser. 
Não nos podemos zangar com quem nos ensinou a caminhar, com quem nos amparou as quedas, quem nos foi companhia e caminho, quem nos foi companheiro e solidão, quem nos foi inimigo e irmão. 
Se o tempo nos for curto a culpa não é dele mas nossa que não lhe apreciámos cada instante, que não o vivemos de alma e coração. Que corremos quando devíamos ter parado para o ver e sentir no seu abraço longo e terno, denso e eterno.


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Encontro o caminho

Nos passos encontro o caminho, escolhas de uma vida, escolhas que me escolheram. Talvez vá porque outros foram, talvez vá só por ir. E quem sabe fique, e sem saber, fiquei. 
Foram passos, apenas passos, tantas e tantas vezes cansaços, sonhos fracassos, mas foram passos do meu caminho. Era dia e fiz-me à estrada, depois noite até quase de madrugada. 
O sol encheu-me o peito, guiou-me, deu-me norte. 
A noite, ai a noite que tudo encobre e sem ver nada tropeçamos na sorte, trôpega de frio, trôpega de fome, entrego-me por fim no estranho abraço do sonho esperando que me seja sono, descanso.
O chão é duro, mas o corpo dormente, adormece a dor e já nada sente. De repente uma gota de água no rosto me desliza, pergunto-me se vem do coração, se me espreita pelos olhos, mas percebo de seguida que o céu tem mais lamentações do que eu e é ele quem chora ou será que me chora? 
Ofereço-lhe as minhas lágrimas para as juntar às suas e como irmãs elas descem a rua, dir-se-ia que vão felizes. Livres por terem sido finalmente choradas.
Também eu me sinto mais leve, e ninguém percebeu essa troca de águas que tantos rostos molhou, quais eram as minhas, quais eram as vossas, sabe-se lá... e isso que importa é apenas riacho, rio que mergulha no mar.
Pela primeira vez em tantos anos, uma doce e nova emoção dança-me no peito, e sem saber o que chamar, chamei-lhe felicidade. Quando se tem pouco, basta apenas o que se tem para se ser feliz…

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Post.it: Cansaço pandémico

Sentimo-nos cada vez mais cansados, frustrados, já não podemos ouvir falar no Covid-19. Começamos a pôr todas as medidas em causa,  a utilidade da máscara ou do distanciamento social. Será que evitam realmente o risco de contágio?
Questionamo-nos sobre se se deve ou não manter os sacrifícios exigidos pelos decisores públicos, que limitam a nossa liberdade, em particular porque não vimos resultados promissores nas medidas implementadas para conter a pandemia. Somos um grupo crescente que trava uma dura batalha que não é apenas contra o vírus, mas igualmente contra o desespero, a exaustão e o ressentimentos que se começa a instalar face a restrições cada vez mais apertadas.
Quando o novo coronavírus se começou a disseminar por todo o mundo na passada Primavera, foram muitas as pessoas da generalidade dos países afetados que cancelaram casamentos e férias, deixaram de visitar os seus familiares idosos e fecharam-se em casa com a ideia de que este período de isolamento, apesar de necessário, seria breve. Havia aplausos nas varandas onde se cantava ou tocava algum instrumento, mãos costuraram máscaras, gerou-se um sentimento de solidariedade global.
Durante o Verão, com o calor, a população revelou uma tendência crescente para relaxar perante os perigos do vírus, e fosse por desejo ou necessidade, muitas pessoas optaram por gozar as suas férias e regressaram ao convívio com familiares e amigos, preparando-se para o regresso ao trabalho e às escolas numa aparente tentativa de resgatar, além  a sua rotina normal e as economias.
Mas eis-nos chegados ao Outono, a esperança e união que ajudaram as pessoas a suportar um dos mais atípicos momentos das suas vidas, começam a dar lugar a sentimentos de exaustão e frustração.
Instalou-se a discórdia, os líderes nacionais e locais não se entendem, os grupos empresariais emitem avisos sobre a possibilidade de indústrias inteiras poderem entrar em colapso se as restrições forem prolongadas, multiplicam-se os protestos nas ruas, sendo que muito deste ceticismo público está a ser alimentado por promessas de “vitória” que vemos não concretizada. Talvez a indicação mais reveladora de as pessoas estarem confusas, frustradas, desesperadas e no ponto limite de obedecerem a orientações ou “ordens” resida no facto de o número de casos estar a aumentar muito rapidamente.
Na Europa, como sabemos, as infeções estão a aumentar de uma forma descontrolada, bem como o número de hospitalizações e óbitos.
Colapso, começou a ser a palavra generalizada, os hospitais estão sobrecarregados, as empresas colapsam, as pessoas entram pouco a pouco num colapso social, financeiro e psicológico. A este sentimento juntou-se a “revolta” este fenómeno de está a ser de tão rápido contágio que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS), chamou a atenção para este fenómeno de “Fadiga da Pandemia. Caracterizada pela desmotivação para obedecer a comportamentos de proteção recomendados e, igualmente pelo descrédito na informação sobre o vírus, menor preocupação com os riscos e menos disponibilidade para atentar aos comportamentos aconselhados.
Mas o que nos torna diferentes dos países que tiveram melhores resultados para combater pandemia?. A adaptabilidade cultural, parece ser a resposta, o fato de os países com um sentimento mais comunitário terem uma resposta mais rápida e eficaz, uma vez que os seus cidadãos têm maior probabilidade de cumprir as práticas de distanciamento social e de higiene que ajudam a reduzir a propagação. Por seu turno, nos países com uma cultura mais individualista demonstram ter mais resistência ao cumprimentos destas práticas.
A verdade é que estamos perante um novo e crucial desafio: convencer as pessoas de que, e mais uma vez, a responsabilidade de abrandar a propagação do vírus não é apenas das autoridades competentes, mas reside sobretudo nos comportamentos de cada um e de todos, sob pena de esta segunda vaga ser incontrolável.
O cansaço, a revolta, o medo, é generalizado. A luta prolonga-se sem uma previsão de final. Para minimizar e suplantar, talvez tenhamos de trocar as liberdades civis por melhores condições de saúde pública. Além disso, pensemos um pouco.
De que nos serve a liberdade sem vida?



sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Há palavras difíceis de dizer

Há palavras difíceis de dizer,

Há frases impossíveis de escrever.

Que fazem nascer silêncios,

Que fazem crescer vazios.

 

Há palavras que esperam por nós,

Há palavras que nos deixam sós.

Já nos foram companhia,

Aconchego na noite fria.

 

Há palavras presas por nós,

Há palavras que nos calam a voz.

Palavras que ficaram no esquecimento,

Palavra que se tornaram  lamento.

 

Palavras que falaram de tudo,

Palavras que continham o mundo.

Palavras de primavera e foram flor

Palavras de arco-íris que perdeu a cor.

 

Palavras de um tempo que passou,

Palavras do que no peito murchou.

Palavras de Inverno frio e chuvoso,

Palavras pedem um verão luminoso.