terça-feira, 31 de outubro de 2017

Post.it: Dedico-te

Dedico-te esta lágrima, sim, é triste, mas por ser triste não significa que seja mau. Dedico-te esta lágrima, porque a mereces receber embrulhada num presente de riso e ternura, tudo o que me foste, tudo o que me és, hoje, sempre. A beleza das coisas, não desaparece, só porque algo ou alguém perece. A beleza é eterna e termina apenas com a nossa finitude.
Dedico-te esta lágrima, por todas a que me fizeste verter enquanto ria das tuas graças, porque até mesmo as desgraças contadas por ti ganhavam contornos de comédia. Continha-me em suspense, o momento, o assunto a isso o aconselhava, mas depois rias e eu ria contigo.
Dedico-te esta lágrima, adiada, apanhada de surpresa, fiquei estática, parou-se-me a vida, o ânimo que lhe dava movimento e sentimento. Estava ali, mas não estava, buscava-te em outros lugares, aqueles por onde navegámos, mas nem aí te encontrei.
Quase em desespero procurei-te nos lugares por onde sonhámos que um dia iríamos, mas nunca chegamos a ir, quem sabe, agora,  tenhas ido, sem mim.
Mas não, de certeza que não estavas lá, como o sabia? Sabia-o porque estavas aqui, palpitando-me no peito, mas, estranhamente, fisicamente,  tão longe de mim.
É ilógico pensar a vida sem te ter no caminho, às vezes apanho-me a marcar o teu número, a pensar que te vou contar o que me aconteceu nesse dia. Disparatado, talvez, mas ainda tenho longas conversas contigo. E chego até quase, ainda que apenas quase, a ouvir-te rir dos meus medos, das minhas tolices, das minhas lamechices.
Por isso, dedico-te esta lágrima, que não é chorada, que já não é sofrida, é uma janela entreaberta que deixa escapar um suspiro em forma de gota de água, criei-a, só para te a oferecer. Límpida, cristalina, parece um pequeno cristal translucido, parece vazio mas se a olharmos bem para dentro dela está tão replecta de mim, de ti, em cada memória que partilhamos.
Hoje, sempre, com menos vazio, com mais carinho dedico-te, este sorriso…



sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Post.it: Os nomes

Gosto do meu nome, é pequeno, é simples, claro, directo, conciso. Fácil de ser pronunciado, fácil de ser entendido. Gosto do meu nome, diz tanto de mim, na sonoridade suave, na humildade.
Contrário aos nomes grandes, intensos, contraditórios, duros na sua sonoridade.
O meu nome é uma segunda pele, veste-me, reveste-me, caracteriza-me. É neutro diferente daqueles que têm nomes de flores, de lugares, de coisas, o meu nada quer dizer e diz tanto. Fala de mim sem me elogiar, nem me derrotar. Quando o digo, todas as pessoas o identificam, parece-lhes familiar, sorriem e eu sorrio-lhe de volta, como se o meu nome fosse apenas isso, um sorriso.
Gosto do meu nome, não tem rococós de jet set, nem maneirismos de nobreza. É um nome do povo, plebeu e aristocrata porque é imparcial e isento de conotações.
Há nomes com passado, com história, com herança de vidas que já os tornaram únicos, o meu foi posse de algumas figuras importantes, mas todas elas generosas na sua vivência. Não foram mulheres de “armas”, foram mulheres que lutaram com o coração. Orgulho-me de transportar o seu nome, agora também meu. Orgulho-me de quem eram e, tento na minha modesta pessoa ser um pouco como elas. 
Mas pretendo, sobretudo, honrar o meu nome, mantê-lo imaculado, puro, sinónimo de pessoa com valores, boa cidadã, respeitadora da natureza, solidária e amiga da humanidade, boa filha, irmã, tia. Para que quem me conhece possa pronunciar o meu nome sem medo, sem arrependimento mas com alegria, com simpatia, amizade e afeição. Que o meu nome seja uma nuvem branca num universo azul celeste. Que exista e permaneça o tempo que é seu e depois se esfume sem rasto de mágoa. 
Gosto do meu nome mesmo que seja igual a tantos outros, mesmo que seja banal. Não é que o meu nome seja melhor que o dos outros. Nem que o dos outros seja melhor ou bonito que o meu, mas, gosto do meu nome, porque é meu, porque sou como ele e nele, sou eu.


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Post.it: Em chamas

Este país está a arder em chamas de revolta. Este país está queimado, esquecido, magoado. Este país está em lágrimas de devastidão, as únicas águas que tentam  sem conseguir, apagar o fogo do seu desespero.
Neste país arderam vidas, casas, florestas, ardeu a esperança, a confiança naqueles que lhes garantiram segurança e  protecção, que,  não chegou ou chegou demasiado tarde.
O país está em  cinzas, em pó,  espalhado por vales e montanhas que se vestem de um negro enlutado.
Este país está triste, uma tristeza cheia de lamentos que nenhum abraço consegue consolar.
Procuram-se os responsáveis, que são todos, mas a poucos são imputadas as culpas. Um pedido de desculpas, não resolve, sobretudo se é arrancado e não generosamente, solidariamente oferecido.
E aqueles que conscientemente e maldosamente atearam o fogo devastador, que lhes “arda” a consciência! Que lhes “queime” no coração cada vida destroçada, cada mãe sem filho, cada filho sem mãe, cada família sem tecto, cada trabalhador sem emprego, cada floresta sem verde, cada animal sem pasto. Este país vai erguer-se, renascer da cinzas, voltar a sorrir, sim vai!
Mas vai ser preciso muitos anos, muito trabalho e sobretudo muita coragem. Porque se é fácil erguer paredes, plantar árvores, é impossível fazer ressurgir as vidas que o fogo na sua passagem levou consigo. É preciso continuar a apagar o “fogo” que ainda arde em cada pessoa que o viu destruir-lhe a vida, um passado de labor para erguer o futuro. 
É preciso encontrar soluções para o agora e para o amanhã para que tal calamidade não volte a marcar a história deste país.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Diário

Toda a vida quando escrevi,
Foi um pedido de socorro.
Que não leste, que não senti,
Ultrapassar o denso morro.
Corrigi a minha caligrafia,
Para que a mensagem voasse,
Fui esmorecendo em cada dia,
Sem que a resposta chegasse.
Vou apagar o escrever,
E o coração deixar calado.
Por mais cais a que vá ter 
Sou solidão em todo o lado.

sábado, 14 de outubro de 2017

Post.it: A viagem


Há um caminho que fazemos juntos, que temos de fazer, uns devagar e apreciando a paisagem, outros com pressa, ansiosos por chegar, por descobrir onde o caminho os leva.
Mas o caminho não leva ninguém, as pessoas é que vão nele, através dos seus passos, conduzidos pelo (coração), pela (razão).
E pelo caminho, vão falando, pensando, descobrindo-se, percebendo que tudo é tanto, mas muito pouco comparado com o que há para ser.
Sentimo-nos eternos discípulos da vida, humildes perante o mestre tempo que, na sua sabedoria, nos vai guiando. Com ela, as nossas dúvidas vão-se dissipando. Com ele, as nossas certezas vão crescendo.
E, nesse percurso , vamos dando algo de nós, vamos recebendo algo dos outros. A bagagem, por vezes, torna-se pesada, aqui e ali perdem-se algumas coisas, recuperam-se noutro sítio, tantas memórias, tantas histórias, coisas a que nos agarramos como um náufrago a uma bóia de salvação. Outras, simplesmente, deixamos que partam e sigam também elas o seu caminho.
O ideal seria prosseguir de mãos vazias mas de coração cheio, cheio de olhares que vêem para lá do crivo pessoal e cultural. Nem sempre crescemos bem, nem sempre, sequer, crescemos. Apenas vamos, andando, porque nos ensinam a andar, porque acreditamos que faz sentido andar.
Mas há momentos em que temos de parar, parar de procurar e perceber que encontramos, que estava guardado, escondido dentro d e nós. Por quê só agora, questionamos? A resposta fácil é que tudo tem a sua hora, o seu momento. A difícil é que dependeu sempre de nós, de a vermos, sentirmos e aceitarmos quem e como ela é. E isso é doloroso, chega a ser tenebroso. Somos nós a crescer por dentro, reconhecer que esteve sempre aqui, o que procurámos tão longe. Gastámos os passos, cansámos os sonhos, fizemos e continuamos a fazer o nosso caminho e, independentemente da estrada por onde vamos e formos, cresce-nos a certeza de que a viagem é, sobretudo, dentro de nós.


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Post.it: Depende...

As pessoas não nos decepcionam, nós é que nos iludimos acerca delas. Elas são o que são, não o que precisamos que sejam.
Somos uma multidão, uma civilização de pessoas, de mundos, um universo de existências, vivemos através dos nossos crivos culturais que nos identificam e distinguem, que nos tornam diferentes, únicos.
Sabemos isso, mas a verdade é que aqui e ali tentamos moldar os outros à nossa forma. Ou deixamos que nos moldem pelos meandros da ternura, sonhamos, idealizamos que essa alteração nos torna melhores e simultaneamente, complementares e completos.
Reconhecemos os contornos das margens que os especificam, identificamo-los como se nos fossem caminhos com trilhos que devemos evitar, mas também com outros por onde nos sentimos felizes por seguir.
No entanto, nem isso é totalmente exacto, somos seres complexos, intrincados de dor e de esperança, pessoas crescidas com sonhos de criança.
Porque há dias em que o céu nos escurece o olhar, nos tira o sorriso, nos rouba as palavras, nos usurpa o alento. Dias de nevoeiro e tudo o que nos acontece com os outros é tenso, é denso, parece que uma tempestade pode nascer de “um copo de água” que se entorna e de repente não nos conhecemos em nós nem nos outros.
Porque há dias em que se tivéssemos asas voaríamos por tanta leveza, tanta luminosidade que nos avassala o coração e nos faz acreditar que seres excepcionais, maravilhosos, que nos levam à lua apenas e só por se sentarem ao nosso lado, segurarem as nossas mães e dizerem que está tudo bem. 
Mas quantas vezes nos encontramos perdidos na multidão, sufocando de solidão. Quantas vezes nos sentimos tão acompanhados só por nós. Não por sermos perfeitos, não por sermos melhores, afinal também o nosso, eu,  por vezes, consegue decepcionar-nos, a diferença é que  apesar  de errarmos, da revolta, do diálogo exacerbado, do silêncio abismal das nossas guerras internas, sabemos, que estaremos sempre ali, presentes para o resto das nossas vidas. Quanto aos outros, nunca o saberemos,  talvez sim, talvez não, depende…

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Post.it: Saudade

Noutro dia ouvi alguém dizer que detestava a palavra saudade, soou-me estranho, contraditório com o povo que somos, tão agarrados à sua concepção. 
Mas depois, deixei os pensamentos navegar e comecei a sentir que também eu detesto a palavra saudade, essa expressão que nos seduz e de imediato nos aprisiona, a um momento, a um passado que nos deixou boas e más recordações.
Mas também uma outra saudade, que se torna a nossa segunda pele, quando ficamos incapazes de a despir, de afastar de nós os sonhos que sonhamos mas que não realizamos. Quanto tempo perdemos nesse mergulho de fantasia, quanto tempo ficámos sem ver a realidade, sem respirar a verdade que nos rodeava?
Depois caímos nos queixumes de que o tempo voa, que não sabemos para onde ele foi, que não demos conta de por nós passar.
Até aqui, nada de novo, afinal faz parte de nós, povo da beira-mar, deixarmos o pensamento velejar e, nesse erguer das velas com o pano da esperança, deixar que o vento nos venha de feição e nos conduza até ao nosso destino.
E a saudade, quer se goste ou não, está-nos entranhada no ADN, em cada célula de vida que nos mareia o corpo, como se fosse um barco condenado a viajar-nos. Nós, com passos deambulantes, entre o paraíso e o inferno vamos levando os nossos dias, as nossas noites de insónia e escrevendo, na estrada de tantos caminhos, a mesma palavra, o mesmo sentimento que não queremos lembrar mas tememos esquecer. 
Saudade, apenas te peço: se não podes mudar de nome, muda pelo menos de destino!



segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Esta (infelicidade)

 Sinto-me por vezes infeliz,
Pela tortura do que não fiz.
O amor não confessado,
O sonho sempre adiado.

Esse olhar que foi fugidio,
Esse inverno solitário e frio.
Foi por medo, por cobardia,
Que deixei partir esse dia.

Toda a minha vida vou sentir,
O que de nós podia existir.
A dúvida a me martirizar,
A incerteza a me magoar.

O passado que não tivemos,
O presente que não vivemos.
O futuro que de ti tão distante,
Este coração quase emigrante.

Se te contasse ririas, sei que sim,
Da saudade que navega em mim.
Os meus passos que sem direcção,
Perguntam pelos teus onde vão.