sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Post.it: Livre arbítrio

Sabem aquelas frases de sabedoria popular? Cresci com elas, como se fossem professores de moral, de educação, de formação. Aceitei-as, segui-as, aprendi,  repeti-as até à exaustão. Não por dificuldade em memorizar, mas por dificuldade em encontrar-lhes sentido maior do que o imediato, aquele que nos entra pelos ouvidos, que nos dança com os pensamentos uma melodia que vai ganhando coerência. E de repente torna-se caminho ladeado de muitos e por vezes estreitos limites.
A dada altura os limites, tornam-se sufocantes, asfixiando-nos o sentir. Estava na altura de voar, de superar o mestre, de criar a minha aprendizagem empírica, de cair, de me levantar, esfolar os joelhos.
Experimentar a teoria e perceber a pequenez dos seus horizontes, a diferença que faz o que diz o outro e o que acontece connosco.
Não que acredite que a nós nada de mau sucede, não sou tão positiva a ponto de acreditar que tudo só acontece aos outros, bem, por vezes, a felicidade bate-lhes à porta, quando nem perto da minha passa, mas é melhor parar, porque isso leva-nos por outros labirintos discursivos.
Foi então que percebi que nem tudo é como dizem, que tudo pode ser distinto, que temos a oportunidade de fazer diferente, de fazer melhor, mesmo que o resultado não seja o almejado.
Mas já lá dizia o meu chefe, “é mais importante tentar do que conseguir”. Bom, não sei se é bem assim, porque havia coisas que tentava fazer sem conseguir e ele dizia-me logo,  “pronto, pronto, deixe lá isso, amanhã chama-se o pedreiro, não faça mais buracos porque senão ainda fico com uma janela para a  casa do vizinho, eu só lhe pedi para pendurar um quadro!...”.
Mas cá se fazem, cá se pagam, pensava de imediato. E ele pagou, a conta do pedreiro, quem o mandou dizer-me para fazer coisas que não são o meu ofício?
E depois ainda acrescentam que trabalhar dá saúde?
Que saúde? Contraturas por estar a trabalhar no computador? Tendinites por usar o mouse? Hérnias por carregar caixas e livros. Stress porque nos dão tarefas hoje para estarem prontas (ontem)?
Felizmente existe o livre arbítrio.
Onde cada um tem o direito de fazer o que quiser com a sua vida e escolher o seu caminho.
Mas não esquecer de ler as letras pequenas do contrato civilizacional, 
                                                             desde que isso não prejudique ninguém.






segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Post.it: As estações da natureza

A última flor caiu da haste, uma espera demorada, uma despedida anunciada, uma lentidão dolorosa, dirão uns, ou, esperançosa, dirão outros. Depois a queda, o chão, a  ausência, a solidão. Depois o momento vazio, o vento do esquecimento.
Quanto tempo levou a nascer, a crescer, a revelar as suas pétalas de assombro. Tudo nela parecia um sorriso da natureza, tudo nela resplandecia em macia luminosidade. Todos os olhos paravam nela, ofuscados com o seu encanto e ela deleitava-se mais e mais em gestos que imitavam a leveza de um bailado clássico sem precisar de música, só precisava de ser admirada, amada. E foi, durante um certo tempo, enquanto a primavera a abrigou, enquanto o verão não enlaçou com os seus raios de fogoso calor.
Mas depois, quase logo de seguida, chegou o outono que debruçou a sua suave penumbra sobre a flor. Ela, que dançara ao vento, que desafiara o sol mais ardente, olhava para cada folha que a começava despir, com pena desse fim que lhe chegara antes da última valsa, antes do último olhar a abraçar.
Agarrava-se à haste como um barco que se prende à amurada de um cais.
“Vai” gritava-lhe o outono, “vamos não sejas teimosa, olha que o inverno se te vê ainda por aqui quando chegar, lança-te um tempestuoso sopro que te leva até aos confins do universo”.
 “Não, não quero partir, este jardim é a minha casa, as pessoas que me vêm visitar são os meus amigos”.
“Parte flor e acredita que há sempre um regresso, que estarão à tua espera na próxima primavera”.
Acreditando, partiu. Prometendo a todos que voltaria ainda mais bela.
Assim é a natureza, com o seu ritmo próprio, as suas chegadas e partidas. Cada época desempenha serenamente a sua função: O outono que vem limpar as folhas secas que antes foram sombra e abrigo. O inverno que vem regar a terra e encher os rios. A primavera florescerá replecta de cores e aromas dando as boas vinda ao verão que como sempre, será uma festa de calor e alegria.
Cabe-nos o papel de tudo cuidar, de tudo apreciar, quer seja inverno ou verão, quer esteja frio ou calor, quer o céu derrame lágrimas ou o sol sorrisos.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Post.it: Faz de conta

Faz de conta que o sol brilha em tons de brisa.
Faz de conta que os tufões e ciclones se acalmam e passam sem levar vidas nem causar destruição.
Faz de conta que aquela filha adotada não matou a mãe, que a abraçou e agradeceu o seu amor maternal.
Faz de conta que aquele homem não roubou a inocência da menina de 7 anos e muitos mais de uma infância feliz que a aguardavam.
Faz de conta que aquele marido não encurtou a vida da sua esposa, nem lhe causou sofrimento, ao quebrar com violência  uma promessa de amor, carinho e respeito.
Faz de conta que no mundo não há avultados investimentos na guerra com tantas pessoas a morrer de fome.
Faz de conta que todos têm direito a serem felizes: homens, mulheres, crianças.
Faz de conta que todos têm um leito onde adormecer e reerguer a esperança de cada dia.
Faz de conta que os ricos não têm receio de perder a sua riqueza ao tornarem-se solidários.
Faz de conta que os pobres são ricos de paz e de amor.
Faz de conta que a justiça derrota sempre a injustiça. Que a sociedade é generosa e correcta. Que a Democracia é um direito de todos os povos. Que a liberdade é a possibilidade de cada um construir a sua felicidade sem restringir a do outro.
Faz de conta que o mundo é perfeito (para nós) e nós perfeitos para o mundo. 
Faz de conta que este faz de conta é a nossa realidade. Que não precisamos fazer de conta, apenas de viver  a vida com apreço e gratidão.



segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Post.it: Humanidade

“As amizades, sobretudo as virtuais parecem-se com pastilha elástica, mastiga-se e deita-se fora”, li esta frase, talvez exagerada, quero supor, quero acreditar. Mas o texto explicava “
Afinal com tanto por onde escolher, 500 amigos no Facebook, 700 no Instagram e mais uns quantos nas redes sociais que ouço falar mas por onde não (navego)”.
Mais uma vez sinto que este texto está carregado de uma mágoa, de um vazio, que se vai espalhando, que nos vai tocando, invadindo por vezes até.
Apresenta os “amigos” como um menu, onde podemos escolher consoante o que necessitamos ou consoante o perfil desse amigo. As qualidades e os defeitos variam conforme a sua ou nossa disposição “Torna-se normal escolher uma “amiga” consoante o momento e sobretudo a disposição em que estamos em que elas estão”… ”Aquela, só relata dramas e queixumes, “para dramas já basta a minha vida”, vou clicar nesta, miúda porreira, sempre em alto astral. Talvez seja um teatro que faz, um papel que desempenha, mas que me importa, só quero que me faça rir, porque de lágrimas já bastam as minhas nuvens karmicas.”
De repente, pensamos, quase acreditamos que tudo é ficção, não falsidade, mas criação, porque ninguém está para nos aturar e, já agora, estaremos nós com vontade de aturar a problemática do outro?
“Já lá vai o tempo em que nos sentávamos e ficávamos horas a ouvir, a partilhar, a cruzar lágrimas, a abraçar, a oferecer um ombro e só partíamos quando o sol brilhava no olhar amigo, só nos despedíamos quando o sorriso aflorava e as palavras magoadas tornavam-se palavras de esperança, de confiança.
Tal como a autora deste texto, também me deixo levar por caminhos saudosos quando ouço as pessoas idosas falarem dessa sensação, imagino-a repleta de afeto. Folheiam álbuns, falam de amigos de infância que as acompanharam ao longo da vida. Conheço algumas assim, ouço-as discutir, como um casal que de tantos anos de vida partilhada, já não têm segredos, mistérios, omissões, numa cumplicidade que faz com que se entendam até no silêncio.
 “Hoje em dia há tantas formas de comunicar e no entanto, estamos cada vez mais calados, mais sós, mais fechados em nós. Chegamos ao mundo sem sair de casa, um mundo que é virtual, uma amizade que é virtual, um amor que é virtual, uma vida que será um dia virtual?”
Acredito que não, sei que não,  porque ainda nos navega células de afeto, moléculas de amor, genes de solidariedade. Porque ainda somos seres sociais, que partilham alegria, que atenuam tristezas,  porque erguemos quem cai, porque amparamos, acompanhamos, porque somos tudo isto e muito mais. Porque  nos está no  ADN e nos define como humanidade.



sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Vem se...

Se tiveres para dar mais que o silêncio,
Se tiveres para mostrar mais que ausência,
Se tiveres para revelar mais que o vazio,
Se tiveres para partilhar mais que inexistência.

Se tiveres o coração tranquilo e puro,
Se te sentares com tempo a meu lado,
Se o teu sorriso for um lugar futuro,
E o passado for um barco naufragado.

Se tiveres palavras com brancas asas,
Se tiveres sonhos cheios de esperança,
Se os teus braços abertos forem casas,
Onde o medo se transforma em confiança.

Vem, mas só se me souberes escutar,
Vem, mas só se um dia quiseres ficar,
Vem, mas só se vires em mim um lugar, 
Onde se quer estar, somente por estar…

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Post.it: Precisamos de infinito

Precisamos de fé, de esperança.
Precisamos de acreditar, de confiança.
Precisamos que o dia nasça, que a noite nos embale e adormeça.
Precisamos que cada sonho nos transporte para lugares felizes, com pessoas alegres, e crianças cheias de futuro.
Precisamos de caminhos sem becos escuros.
Precisamos de uma vezes darmos, outras recebermos.
Precisamos de trocar lágrimas por sorrisos, ausências por abraços.
Precisamos que cada abismo nos empurre para cima. Que as nuvens não nos toldem o brilho do olhar.
Precisamos que o céu não nos caia em cima, que a gravidade não nos esmague os ombros, que o mar não nos afunde.
Precisamos que as estrelas continuem a iluminar a galáxia, que a lua continue a ser o sol da noite escura.
Precisamos de tudo isso, precisamos de quase nada.
Precisamos de infinito, nem que seja de um fragmento de infinito.


sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Post.it: Síndrome de Hukleberry Finn

Às vezes, a única coisa que procuro é um pastor e eu aconchegado no afecto, deixo-me conduzir. Às vezes, a única coisa que necessito é de uma voz que me encha o silêncio sem ter o ruído de palavras vãs. 
Um olhar que me sorria e não que me prenda de ameaças. 
Às vezes, a única coisa que quero é deitar-me no caminho em vez de o percorrer. Cansado dos meus pequenos pés, os passos tornam-se distantes da meta. 
Às vezes a única coisa que espero é que o ponteiro do relógio pare e seja a hora certa para existir. 
Às vezes, já não quero nada, mesmo nada, porque mesmo o pouco me parece tanto, que nunca chega a vir. 
E o Natal enche-me de luzes de esperança, e acredito Nele, torno-me um eu, criança. 
Escrevo cartas sem remetente. Paro horas em frente às montras e deixo o olhar navegar, entre o que quero, o que desejo, o que sei que nunca terei. 
Mas depois arrumam-se os enfeites, tira-se a toalha da mesa, recolhem-se as figuras do Presépio, acaba-se a festa e voltam os dias em que cada estranho continua a ser um estranho. 
Nos anos, que prendas, talvez, se esqueçam e eu possa festejar esse esquecimento, sem ouvir o cinto cortar o vento e calar-se na pele silenciosa, porque, sim, chorar não basta… 
Às vezes, a única coisa que quero é não querer, não sentir, não temer, não ser.  
Como nada acontece, aprendo que posso ter tudo, aprendo que posso ser quem quiser, que sou grande, que sou forte, que corro mais rápido que o  vento, que voo mais alto que cada nuvem. 
Cresci, sou feliz, aprendi, sim finalmente aprendi, a mentir… 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

As férias

É o que nos fica no olhar,
o que guardamos no coração.
Tanto azul de céu e mar,
tanta paz na suave ondulação.

Momentos, tantos, sempre poucos,
que nos são energia e lembrança,
sadios e um pouco loucos,
um quase voltar a ser criança.

A delicia do quase silêncio,
A alegria do despertador calado.
O deleite de um tempo vazio,
De não ter de ir a nenhum lado.

Aquela gaivota rasgando o céu,
O seu voo debicando nas ondas.
Quando parece que se perdeu,
Regressa e se aninha nas dunas.

As cores, os risos, o sol e a brisa,
As peles nuas, os pés descalços.
As nuances de uma história concisa,
Que se faz de tudo, até percalços.