sexta-feira, 28 de junho de 2013

Post.it: Infâncias felizes

Por vezes visito o baú das memórias não que seja muito ligada ao passado, na verdade é que ele está ligado a mim, pelo que fui e sobretudo pelo que sou. Nesta visita, questionava-me sobre como era a infância sem tv 24 horas por dia, sem computadores, se consolas de jogos, sem telemóvel. Era uma infância feliz, sem vazios, sem angústias, sem competitividade. Inventávamos histórias em que éramos as suas personagens. Participávamos em jogos, engendrávamos brincadeiras. 
Cresci entre primos e primas, éramos ao todo 10, um  verdadeiro clube de aventuras. Partíamos de manhã e só nos voltavam a ver quando a noite nos chamava para o jantar, de mochila às costas preenchida com uma merenda colorida, fazíamos as nossas “viagens” não muito longe do olhar dos pais, dos tios, dos avós. Mas sentíamo-nos em plena liberdade e por isso mais responsáveis por nós e pelos outros. Acampávamos no pequeno riacho que banhava a quinta dos meus primos, nadávamos, jogávamos às cartas, líamos uns para os outros e adormecíamos felizes na frescura da tarde. 
Noutros dias andávamos a cavalo, corríamos atrás das ovelhas, das galinhas, acariciávamos os coelhos ou simplesmente ficávamos embalados pelo movimento do baloiço depois de termos tentado com ele tocar o céu com ele. Consoante as épocas tínhamos o jogo do pião, os berlindes, o jogo do lenço, o mata, a corda de saltar e tantos outros que já me esqueci. 
Fazíamos as nossas festas de gira-discos, os bailaricos, o saltar a fogueira, a dança da fita enrolada no poste, tínhamos os nossos festivais da canção em que éramos simultaneamente concorrentes e júris, mas não havia brigas, tudo acabava num sorriso sem vencedores nem vencidos. Nos aniversários, no Natal, na Páscoa não havia muitos presentes, mas havia sempre muita diversão, espírito de amizade, alegria e fantasia. 
Hoje dá-se tudo às crianças, dá-se tanto que parece  nunca chegar para preencher esse vazio que lhes cresce no peito, rasgam o papel ávidos de surpresas que rapidamente esmorecem, rapidamente caiem no esquecimento. Alimentamos uma ansiedade de algo que nem eles nem nós sabemos a causa. Tentamos trocar a falta de tempo, de atenção, por prendas. Tentamos colmatar a nossa culpa, a nossa ausência, e eles, atentos ao grito da nossa consciência tiram partido dela, pedem e exigem um mundo todo ao seu dispor. Entristeço-me por mim, entristeço-me sobretudo por eles, que não têm o mesmo sentido de amizade, a mesma capacidade de fantasiar, de voar sem ser através dos jogos virtuais. Nós tínhamos tão pouco, mas éramos felizes, eles têm tudo, tudo menos a ventura de reconhecerem a sensação de felicidade.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Estou em greve


Estou em greve ao pensamento,
Estou em greve ao sentimento,
Estou em greve à esperança,
Estou em greve à lembrança.
Estou em greve ao sonhar,
Estou em greve ao amar,
Estou em greve ao ser,
Estou em greve ao querer.
Estou em greve ao lutar,
Estou em greve ao conquistar,
Estou em greve ao sorrir,
Estou em greve ao existir.

Simplesmente, estou em greve!
Que espero, me seja breve.
Porque é preciso construir,
Para não deixar tudo ruir.
Porque é preciso acreditar,
Para conseguirmos ficar.
Porque é preciso ter no coração,
A noção de se ser cidadão.
Porque mais do que criticar,
É preciso fazer algo para mudar.
E erguer as mãos abertas,
Para agarrar outras desertas.



quarta-feira, 26 de junho de 2013

Post.it: Existimos por vós

Este é um assunto a que regresso, regresso a ele sempre que abro o blogue, sempre que escrevo e gravo uma mensagem, um pensamento, um olhar.
Regresso a ele porque me questiono sobre a sua existência, sobre o seu início sem grandes expectativas, porque não sou grande fã das coisas da web. Mas fui ficando, fui-me deixando embalar pelas opiniões, pelos corações generosos que me fazem companhia.  
Então regresso, regresso sempre porque este blogue pretende ir muito além do mero divertimento, ele quer ser vida, palpitante de histórias guardadas na memória. Comovente de momentos verdadeiros de partidas que permanecem em nós. Latejante de esperança, de sonhos, de mágoas vestidas de fantasia. Gritante de acontecimentos silenciados no corrupio dos dias, na rotina das horas, no virar da página que esquece sem apagar o que foi sentido, o que foi dito neste código milenar de sinais a que chamamos letras, que dão as mãos e formam palavras, que estendem abraços e constituem frases e que vão crescendo, até longe, tão longe quanto quiserem ler-nos, receber-nos no olhar, aconchegar-nos com algum afecto num recanto do peito e depois num click decidido saímos das suas vidas.
Enquanto nós, entre um suspiro e uma saudade nascente aguardamos a vossa visita para que esta alma cibernética volte a dar asas à sua virtualidade de existir e a conquistar um bite da vossa gentil atenção. Se vos fazemos sorrir, atingimos o nosso objectivo, se vos fazemos pensar um pouco atingimos o nosso propósito e se vos fazemos regressar, nem que seja por mais uma vez, então consideramos o nosso êxito total. Porque se nos lêem, logo, existimos.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Sonho que naufragou

Os poetas no seu escrever,
Dizem o que o mar,
Quer esquecer.
E do seu peito a chorar,
Saem ecos a cantar,
Que te querem amar.
Mas já as ondas em viagem,
Levam para longe um coração.
Que almejou uma margem,
E apenas encontrou solidão.
Poderá o vento dizer,
As palavras que não tenho,
Quando nelas tento escrever,
O sentir que no peito contenho?
Já que poeta não sou,
Nem sequer ninfa do mar,
Sou um sonho que naufragou.
Quando o querer encalhou,
Nessa noite sem luar,
Onde nenhum farol me guiou.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Post.it: Uma felicidade sem sorriso

Não sorri, mas também não é infeliz, uma frase que me ficou no pensamento. Imagino sempre que felicidade se vê no rosto, que se reflecte no sorriso. Que uma face séria não é feliz ou então está impregnada de botox
Na realidade pode-se ser feliz sem revelar a felicidade, pode esconde-la no peito, abraçar-se a ela à noite com receio que fuja na madrugada. Pode-se caminhar como se flutuasse numa nuvem e no entanto os passos mantêm-se firmes a quem olhar. 
Decidiu disfarça-la de solidão, decidiu guarda-la na algibeira não vá alguém rouba-la. Afinal, revela, já lhe furtaram tantas coisas ao longo da vida, roubaram-lhe a esposa, a filha, o emprego, a saúde, o dinheiro, até o sorriso, esse já nem se lembra quando lho roubaram, talvez naquele dia em que o trocou por um mar lágrimas que entretanto secaram em tantos lutos, em tantas batalhas perdidas.
Não sorri, mas também não é infeliz. Garante com a placidez dos anos passados. Aprendeu a viver a felicidade a conta-gotas, como se fosse um remédio para o coração e ele vai batendo devagar como se já tivesse poucas forças para levar o sangue ao lesse corpo carregado de anos, de lembranças, mágoas, mas também de alegrias, essas que agora o tornam menos infeliz, apesar de já não conseguir sorrir.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Post. O Verão já espreita

O verão chegou, o calor já espreita, será que vai ficar, será que vai partir? Depende das portas abertas que encontrar. Depende das janelas de persianas levantadas. Depende da resposta de cada um, se ainda permanece cinzento no seu céu, se ainda não aqueceu o coração, se ainda não despiu as mágoas, nem deixou que a brisa de cada flor lhe colorisse os sonhos.
O verão chegou, diz o calendário, diz a estação, dizem as andorinhas em voos festivos, mas e nós que reclamámos da sua demora, saberemos abraça-lo, saberemos sorrir-lhe? Saberemos suplantar as nossas crises e oferecer-lhe um espaço na nossa vida para que fique e só tenha de partir na próxima estação?
É tempo de arejar as ideias, tirar-lhes o pó de tantos meses nublados. É tempo de mergulhar na frescura retemperante das águas ondulantes. É tempo de caminhar com ou sem destino programado, ao sabor da luz solar. É tempo de acreditar que cada dia é uma generosa oferta da natureza revelada no seu manto verdejante. É tempo de encher o olhar de cor, de calor, do canto dos pardais, de deixar o peito correr, de sentir a alma voar e numa duna macia repousar.
O verão chegou, que seja para todos, que seja em todos, que seja bem vindo...

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Post.it: Temos pena


Eis uma expressão que ultimamente me anda a fazer “alergia nos neurónios” (outra expressão).
“Isto está errado!”. Resposta – Temos pena. “Estão a violar os meus direitos!” – Temos pena. “Não me dão solução!” – Temos pena. “Sou cidadã, mereço mais atenção!” – Temos pena.
Irrita, mas irrita mesmo, esta resposta que a nada responde. Vazia de conteúdo, desprovida de sentido. Que nos deixa sem acção cada vez mais “roubados” por dentro e por vezes também por fora.
Ainda por cima é uma frase que nos mente porque na verdade ninguém tem pena. Não há solidariedade por quem é atropelado por burocracias. Não há apoio moral a quem lhe sonegam os direitos conquistados por uma vida de trabalho.
Não, não têm pena, há muito que lhes cresceu uma indiferença “protectora” justificam, para não confessarem a incapacidade de sentir alguma pena/dor verdadeira por quem lhes pede um sentido quando já não vislumbram sentido algum para o seu futuro.
Há quem ainda entre no jogo e num jacto de raiva incontida responda tentando imitar o tom “penas têm as galinhas”.
Claro que a minha “pena” entende o lado de quem está no atendimento ao público, que ouve vezes sem conta as mesmas queixas, a mesma revolta, com a mesma impotência para lhe dar um  melhor desfecho.
No fundo, bem  no  fundo, apenas  precisávamos  de um sorriso, de uma  palavra conciliadora, mesmo que  depois se partisse sem  a solução mas com o peito aconchegado não por penas mas  por um  pouco do outro em nós, esse  pedacinho de  algo a que  chamamos  esperança. Não tenham  pena, sobretudo  dessas penas  que embora sejam muitas, pela sua indiferença não nos permitem voar...

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Não é fácil

Não é fácil voar,
Quando nos doem as asas.
Não é fácil sonhar,
Sonhos que não têm casas.

Não fácil caminhar,
Contra a força do vento.
Não é fácil lutar,
Contra o querer do sentimento.

Não é fácil vencer,
A chuva que nos molha.
Não é fácil esquecer,
A árvore que nos deu a folha.

Não é fácil fugir,
Do que nos prende o coração.
Não é fácil iludir,
Os caminhos da solidão.

Mas quando o sol brilhar,
E quando as nuvens partirem.
Fingirei que é fácil cantar,
Uma melodia de coragem.


terça-feira, 18 de junho de 2013

Post.it: A vida tal como ela é

Esta é a vida que eu tenho, aquela onde me puseram e eu segui pelo caminho, mudando aqui e ali a tendência de quem vive fadado pelas limitações genéticas, sociais e culturais, talvez…
Porque nem tudo tem de ser assim tão linear: outro dia ouvia a explicação de um mecânico de automóveis sobre o impressionismo na pintura e fiquei deveras impressionada. 
Como se já não bastasse nesse dia a senhora da padaria resolveu fazer uma divagação sobre música clássica fascinada por nesse fim-de-semana ter assistido aos concertos dos Dias da música, quando vinha pela calçada acima encontrei o varredor da rua, mudei de passeio, acenei-lhe um bom dia fugidio, não fosse ele querer aproveitar a maré cultural para me falar de escultura, teatro, cinema ou outra arte. 
Este gesto aparentemente egoísta, fez-me sorrir por dentro, uma alegria de quem encontrou visível naquelas pessoas a possibilidade de se poder seguir por um caminho que não parecendo o melhor para si, o mais óbvio, conquista-o e simultaneamente desenha-lhe novos contornos. 
E é feliz por ser quem é, em vez de se acomodar à ideia que isso são coisas para quem tem outro padrão económico e social. Afinal crescer, amadurecer, aprender, querer conhecer, não tem de ter necessariamente altos custos mas enriquece-nos o espírito e melhora cada um de nós. 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Post.it: Escrevo porque espero uma resposta

Porque tudo o que escrevo é uma declaração de amor. Amor por tudo o que passa, por tudo o que fica. Amor pela vida, por cada chegada, por cada partida.
E porque espero por a resposta que um dia chegará nas asas do vento, ressoada pelos ecos da terra, soprada pelos ramos das árvores.
Escrevo porque espero uma resposta e deixarei de escreverei quando ela chegar. Passarei a viver esse amor, que escrevi durante anos e séculos de existência, não somente minha, mas unida a tantos outros escritores que escreveram em busca dessa mesma resposta e que desenharam uma ténue linha do horizonte, formada por todas as palavras, por todas as expressões, por todas as declarações infinitas desse amor, que nos faz continuar a escrever para que quem lê, se possa encontrar nas páginas que folheia. Para que possa desvendar o nosso coração palpitante de emoção, que lhe corresponda e lhe responda rasgando o silêncio de “100 anos de solidão”. E entenda  neste “Livro das confissões”, a grandiosidade deste “Coração, solitário caçador”, que foi continuamente “Deixado para trás”, “Em busca do tempo perdido”, quantas vezes a “Falar a verdade a mentir”.
Mas em cada Primavera ficaram as “Flores sem fruto” e em cada Outono apenas as “Folhas caídas”.
Até chegarmos a um Inverno, “E tudo o vento levou” até esse “Livro do desassossego” que ainda acreditou numa “Luz em Agosto” e permaneceu em “Mil noites de espera” ansioso por resplandecer “Na tua face”

Mas mais uma vez fecharam o livro, mais uma vez calaram-lhe a  alma, e emudeceram o sentimento com que foi escrito. Todas as declarações de amor, todos os beijos, todos os abraços ficaram na “Sombra do vento”, algures num “Labirinto perdido”, que se chama simplesmente, “Saudade”.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Post.it: Parabéns

Para certas pessoas que me são ternas e seguramente eternas tenho sempre alguma dificuldade em dar-lhes os Parabéns pelo seu aniversário. Porque sinto que quem está de parabéns sou eu, que as conheço e que faço parte desse círculo de ouro que é a amizade.
Tento oferecer-lhes uma palavra especial, um gesto exclusivo de carinho, mas também aí falho porque numa amizade verdadeira nunca há dádiva unilateral mas partilha. Então recolho com humildade o meu pequeno gesto, junto-o ao teu e ele cresce na reciprocidade que nos torna amigas. 
 A sabedoria popular usa expressão “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Mais uma vez a mutualidade. És uma pessoa especial e perto de ti gosto de sentir que também o posso ser. És atenciosa, generosa, és inteira no que fazes, em quem amas. Tento igualar-te, numa missão que nem sempre é fácil. És o sentir puro e verdadeiro de um universo sem mágoas que nos prendem mas antes libertam, o passado foi uma escada para o presente e uma passadeira vermelha para o futuro. Invejo-te a sensatez, a verdade que construíste sem pilares de obstinação, com fluidez, com ternura. Talvez por tornares a lição aprendida, numa lição a ensinar (ossos do ofício?) E eu aprendo, ávida do teu saber. Parabéns, é tudo o que posso dizer e nesta palavra condenso todo o desejo de felicitar o teu aniversário, a tua vida, e a nossa amizade.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Santo e a crise

Santo António no seu altar,
Olha para o país desolado.
Como pode ele trabalhar,
Com paixões em mau estado?

Como pode ser casamenteiro?
Guardião dos namorados.
Se há pouco amor e dinheiro,
Para os manter apaixonados?

O Santo já sem profissão,
Reza para a crise passar.
Para que em cada coração,
O amor possa habitar.

Quanto à questão financeira,
O Santo pouco pode fazer.
Resta a esperança derradeira,
De um milagre acontecer.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Post.it: Amores impossíveis

Ainda há quem fale em amores impossíveis, entre Romeus e Julietas, entre ricos e pobres, brancos e pretos, homens e homens, mulheres e mulheres.
Ainda há quem desenvolva ódios clubísticos, erga muros sociais, crie fronteiras culturais, alimente fobias raciais, gere separações religiosas.
Ainda há quem viva e sustente preconceitos, quem veja nos outros apenas defeitos.
Por ser  gordo, magro, feio, bonito, alto, baixo, inteligente, ignorante, varredor de rua, administrador de empresa, por ganhar tostões ou ganhar milhões.
Ainda há quem critique, quem satirize, quem reprove, quem veja no outro não o que é mas o que tem, “quando a sua essência não se define pelos seus bens”.
Ainda há quem apenas identifique o mal e não conceba o bem nas relações humanas. Porque ainda há quem não tenha cruzado o olhar com outro olhar, o sorriso com outro sorriso, quem não tenha sentido o coração  bater mais forte e todos os sentidos  ficarem sem norte. 
Nesse instante nada sabemos: quem é, o que faz, o que tem, os seus ideais, a sua opção religiosa, a sua carga genética, sentimos apenas a felicidade de reconhecer que “o coração tem razões que a razão desconhece”.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Post.it: Não partas

Não partas antes de fazeres 8, 10, 18, 20, 30, 50 ou 80 anos. Não partas antes de chegar o verão para te ver a mergulhar nas ondas e fazer castelos de areia na praia. Não partas antes de termos as nossas primeiras discussões sobre as tuas notas escolares, sobre as tuas namoradas, sobre as noites de farra e as minhas insónias e os meus medos de que te perdesses por maus caminhos. Só queria que os chegasses a conhecer e que depois, optasses por não os seguir.
Não partas mesmo que um dia usasses as calças rasgadas nos joelhos e descaídas na cintura. Que optasses por um corte de cabelo penteado pelo vento. Que fumasses às escondidas e disfarçasses o cheiro com pastilhas elásticas. Que me rebentasses os ouvidos com o som dos Heavy metal,  tão diferente das baladas que te cantava até entrares no mundo dos sonhos.
Não partas mesmo que um dia quisesses ser gótico, amisch ou budista. Mesmo que discutíssemos sobre incompatibilidades geracionais. Mesmo que me gritasses que querias o mundo como oferta na tua mão, porque achavas que tinhas direito a tudo por teres nascido de um desejo maternal e não da tua exclusiva vontade.
Mesmo que fizesses muitas escolhas erradas, mesmo que seguisses um destino distinto de tudo o que ambicionei para ti, mesmo assim, continuaria a pedir-te, não partas. Porque se não partires, terei mais tempo para tentar fazer de ti uma pessoa feliz.
Olho para ti, e já não consigo desenhar-te um futuro mais longínquo, se não a distância que vai do teu coração ao meu.
Quando ainda queria fazer tantas coisas: ensinar-te a andar de bicicleta, a lançar papagaios de papel, a fazer truques de magia, a identificar as estrelas pelo seu desenho no céu.
Queria tanto continuar a ler-te histórias para adormeceres sem medo dos sonhos maus.
Queria mais que tudo, parar o tempo, parar a doença, parar as dores, parar a ameaça diária da tua partida.
Ainda bem que não percebes esta dor que me corrói o corpo e a alma, ainda bem que não sabes que o teu caminho é curto e que por isso não temes nada, e que continuas a sorrir nos poucos momentos bons que ainda consegues ter.
Em mim, em nós, que sentimos cada vez mais a proximidade de tua ausência, só conseguimos pedir-te que não partas, porque chegaste há tão pouco tempo, ainda mal conheces o mundo, ainda mal viveste a vida, como podes partir dela sem aumentares as tuas e as minhas, as nossas recordações?
Mas se tiveres de partir, leva a certeza de  que ficas para sempre entre nós, e que te veremos cada vez que olharmos o céu, e nele encontrarmos  a tua presença na estrela mais brilhante que nos lembrará  o teu eterno sorriso iluminando o horizonte da noite.



quinta-feira, 6 de junho de 2013

Post.it: Pensamentos positivos

Não tenho um emprego de sonho, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por ter emprego.
Não tenho o mais adorável companheiro, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por não conhecer a solidão.
Não tenho os filhos mais dedicados, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por não se meterem em drogas e afins.
Não tenho o animal de estimação mais amoroso, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por não me roer os sapatos nem  arranhar o sofá.
Não tenho o melhor país do planeta, mas nos tempos que correm, dou-me por feliz por ele ter paz.
Não tenho a família mais calorosa, mas nos tempos que vão correndo, dou-me por feliz por se lembrarem de vez em quando dos meus anos.
Não tenho uma casa com muitas divisões, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por não ter muito que arrumar.
Não tenho a melhor saúde, mas nos tempos que vão correndo, dou-me por feliz por estar viva.
Não tenho os melhores pais do mundo, mas nos tempos que vão correndo, dou-me por feliz, porque me fizeram nascer.
Não tenho grande beleza física mas nos tempos que vão correndo, dou-me por feliz por me considerarem gentil.
Não tenho muitos amigos, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por ter bons amigos.
Não tenho as melhores colegas, mas nos tempos que vão correndo, dou-me por feliz, afinal (chateiam-me, logo existo).
Não faço férias em paraísos turísticos, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por ter uma longa costa marítima no meu país.
Não realizo os meus sonhos, mas nos tempos que vão correndo, dou-me feliz por sonhar enquanto durmo.

Não cheguei a horas à reunião da escola dos miúdos, mas nos tempos que vão correndo, dou-me por feliz por ter sido multada por um polícia giro.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Post.it: A vida é um barco navegando sem mar

Somos senhores do nosso destino, somos o comandante do  navio. Direccionamos as velas, contrariamos os ventos, desafiamos as vagas.
E no entanto deixamo-nos navegar e, no entanto deixamo-nos guiar por um leme que nem sempre nos evita as tempestades mas que, sem sabermos bem como, acabamos sempre por sair delas, mais fortes, mais firmes na coragem de as ultrapassar.
E ao ritmo das marés vamos ansiando por  enseadas de descanso. É a nossa viagem, é a nossa passagem, há quem nela estenda remos infinitos  no ensejo de chegar mais depressa, quem reme contra as tormentas, quem arrisque tudo e atire-se ao mar para nele se salvar. Mas no fundo, bem no fundo apenas queremos encontrar terra segura. Porque a vida é um barco navegando sem mar, entre portos de abrigo, entre cais de partida há um desejo de ficar, preso num abraço de rocha protectora e nos revela suave que esse sempre foi o nosso lugar.


terça-feira, 4 de junho de 2013

Post.it: Não há amor como o primeiro?

“Não há amor como o primeiro” Diz a sabedoria popular. A sabedoria do tempo que vai ultrapassando gerações, que vai tocando vidas, que aqui e ali vai despoletando novas emoções.
Mas ainda diz quem sabe, que pode-se amar uma segunda, uma terceira, talvez até mais…?
Mas há um silêncio que responde apenas com o desviar do olhar, quando mergulha numa onda e se deixa levar por uma maré de lembranças cada vez mais distante mas insistentemente saudosas.
Já não tanto desse amor sentido com todo o fulgor de um coração que acaba de o descobrir aos 15, aos 18, aos 30 ou quem sabe aos 50, 60… A vida tem dessas coisas, não as podemos adivinhar nas estrelas nem nas linhas da mão.
É verdade que se pode amar de novo. Reafirma  com convicção quem já amou mais de uma vez.
A resposta não se faz esperar, ela surge numa espécie de brisa, discreta, quase inaudível mas consistente no seu sentir magoado. “Depois do primeiro amor tudo será diferente, já sabemos que os sentimentos não são eternos, que as palavras não são verdades absolutas, que nem os sonhos são perfeitos. Perdemos a ingenuidade, perdemos a esperança, perdemos a fantasia que nos faz acreditar no futuro, no nosso futuro.
Depois, já não há descobertas ansiosas por mais revelações, e há um constante sinal de alerta, que nos prende à razão.
Que nos agrilhoa o coração já não voar nos ternos enleios da paixão, começa-se a dar passos pequenos, passos que sondam o seguinte e a firmeza do chão.
Em cada começo há um pouco do final anterior. Em cada princípio há um fim que nos ensombra o peito. E dizemos para nos desculpar, que faz parte do crescimento, que é  a maturidade dos sentimentos, escondendo de nós esse nevoeiro que nos invade a alma, numa saudade de um amor que já vivemos e sobretudo da pessoa que um dia fomos, límpida de ideais, constante nos afectos, que conjugava o verbo amar num horizonte de infinito”.
No entanto volta a erguer-se a voz da sabedoria com lições de vida que só o tempo ensina, e, com uma firmeza que faz estremecer as nossas dúvidas. Eleva-se dos confins oceânicos, ressoa dos choques tectónicos, clama do magma que explode em vulcões de sensatez, “segue em frente!” Parecem dizer. “Não olhes para trás!” Insistem. “Há uma página em branco à tua espera!”. E por fim quando as nuvens se afastam, há um sol que nos parece sorrir, como se dissesse “Não há amor como o primeiro nem tão feliz como o último”. 
Quanto a mim, confesso que nada sei, que nesta vida ainda não aprendi todas as lições, mas o tempo que é tão velho que nem sabe o tempo que tem, deve saber o que diz, por isso o melhor é seguir-lhe o conselho: "viver tudo como se fosse a primeira vez e acreditar como se fosse a última".

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Post.it: Intemporal

Einstein não acreditava no “tempo” mas na intemporalidade, onde, em simultâneo, coexistem  o passado, o presente e o futuro.
Como se um dos nossos pés estivesse sempre preso ao que fomos, o outro ao que somos e nesse mesmo instante,  uma mão se estendesse esperançosamente em direcção ao futuro.
Na realidade o “tempo” não existe, fomos nós que o criamos, na nossa necessidade de organizar, de arrumar, de catalogar cada momento da vida.
O que existe é o (agora), um agora, sem horas,  sem dias, meses, anos, sem calendário. Um agora que é apenas o momento em que o sentimos, que o vemos, em que o tocamos e  tiramos dele algo de bom para recordarmos, algo de doloroso para tentarmos esquecer mas que fica guardado no “tempo”, como se ele fosse uma caixa onde arrumamos cada memória, cada pedacinho da nossa história, cada retalho de nós.
E o “tempo” vai passando, por vezes voando, por vezes demorando. E nós que também temos o nosso “tempo”, acreditamos nessa sucessão de “agoras”, de instantes, compostos de sol e chuva, de luz e sombra, de estrelas e de luar, de flores que nascem, de folhas que caiem. Acreditamos nesse marco  que nos faz nascer e ser cinzas do tempo. Precisamos desse conceito para um qualquer período a que chamamos felicidade e que nos revela  a insignificância da  finitude perante a nossa intemporalidade.