segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

História do Natal II


Então a maior estrela no céu deslizou,

E ao mundo inteiro ela anunciou,

Nasceu o nosso Menino, o Salvador,

Que nos vai libertar de toda a dor!

 Muitos para o local logo correram,

Perante Ele, reis e pastores se ajoelharam,

Que lhes ofereceu um sorriso abençoado,

Na noite fria, nas palhinhas deitado.

 - Que história triste... Disse Nicolau,

Que era teimoso como um pau.

- Mas gostei do seu final feliz, avó,

- Um Menino tão pobre que mete dó,

 - E que um dia em toda a terra,

- Vai com amor vencer a guerra.

Foi com emocionado coração,

Que Nicolau com gentil compaixão,

 Ali prometeu, que sempre a sorrir,

Viveria continuamente a repartir.

- Quando crescer, rico quero ser,

Para prendas a todos oferecer.

 Terei um carro de renas voador,

Que vai pelo mundo a todo o vapor.

Depois à noite, chego pé-ante-pé,

E em cada casa desço pela chaminé.

Mas desde já um recado quero deixar,

Há condições para o que lhes vou dar,

Se forem todos bem comportados,

Receberão os presentes mais desejados.

 A avó disse, acariciando-lhe a cabeça,

- Meu neto, que tudo isso aconteça,

- Que Jesus te cresça no coração,

- E que como Ele repartas amor e perdão.

 

 


segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Post.it: História do Natal I


Há muito, muito tempo,

Numa terra cheia de lamento,

Vivia um rei que era feroz,

A todos perseguia com ódio veloz,

 Tinham-lhe dito, que um dia,

Um rei muito amado nasceria,

E que na data do advento,

Ele viria acabar com o tormento.

Maria e José, pais dessa criança,

Fugiram para proteger a esperança.

Ora se bem me lembro,

Era o dia 24 de Dezembro,

Era uma noite especial,

A mais bela noite de Natal,

No céu um manto estrelado,

Na terra um momento encantado,

 Maria seguia no burrinho,

José a pé, pelo imenso caminho,

Mas o cansaço já os vencia,

Terminaram por ali aquele dia.

 E foi num palheiro abandonado,

Que Maria deitou o corpo cansado,

Mas as dores começaram a crescer,

O Menino parecia dizer - Quero nascer!

 

 


terça-feira, 23 de novembro de 2021

Post.it: Esquecidos

Esquecidos não são os que se esquecem das coisas, mas os que não são lembrados. A memória tem dessas coisas, lembra quem quer lembrar sem razões para isso evocar. 
Chamar-lhe-ia um acto de egoísmo se não fosse saber que é apenas um acto do cérebro que, de forma voluntária ou involuntária resolveu simplesmente, esquecer! 
Esquece o passado, que apaga o presente e que nos rouba os planos para o futuro. E no entanto cruzamo-nos uns com os outros, até sabemos cada nome sem conhecer o conteúdo desse nome. 
Talvez algo nos leve a pensar que  são apenas letras roubadas ao alfabeto, mas  não, são muito mais que isso, são um  caminho que fizemos juntos, e depois ainda dizem que não tenho sentido de orientação, os outros têm esse gps interior que os leva a todo o lado, a grande questão é querer, é lembrar do que nos foi comum. 
Talvez seja culpa de quem foi esquecido por nunca se fazer lembrado, por já não oferecer risos, por não partilhar emoções, eramos tão somente a voz calada, obediente e boa ouvinte e o quase silêncio só de vez em quando interrompido – Olhe, tem um comprimido para a gripe? E eu tinha ou ia rapidamente comprá-lo.
Alguma vez me perguntou se eu estava bem? Não me recordo, não por me ter esquecido, mas apenas por ter sido mais uma vez esquecida. 
Tanto esquecimento assim junto, faz-me duvidar de tudo e já me pergunto se o que aconteceu terá mesmo acontecido. 
Será que fui eu que lhe pedi um comprimido para a gripe, será que foi ele quem foi rapidamente à farmácia comprá-lo? 
Não claro que não, aconteceu tal como me lembro. Tal como me ficou na memória, com amizade, algo que se vai diluindo, porque também o cérebro, esse guardião das lembranças boas e más, precisa de espaço para guardar novas e apagar as antigas, as sem valor.
Cresce-me alguma tristeza, que só não me entristece mais, porque sei que algures pelo caminho, também essa tristeza vou esquecer.



segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Post.it: Renovação dos votos

As flores, os caminhos as noites, os dias, os olhares, as mãos entrelaçadas, as chuva copiosa a descer a calçada. A tua pele despida, a tua voz murmurando o meu nome.
Resta-nos o silêncio só interrompido por banalidades. E de repente o romance passa a ser preenchido por esse pequenos nadas, que nos alimenta a saudade de nós, como eramos dantes. 
Aprendemos que deve ser assim em nome da paz e da amizade que começa a substituir o amor. Começo a questionar-me, quando, como, sem encontrar respostas.
Onde nos perdemos? Talvez no reencontro desse novo nós. Curiosamente, não me magoa, esta nova situação. Acabo por a sentir tão doce, tão calma, é como se caminhasse no escuro sem receio, porque já conheço o caminho, cada sinuosidade, cada tonalidade. Os amigos dizem que nos acomodámos, mas dizem-nos como se isso fosse negativo. 
Acento vagarosamente com a cabeça, sim acomodámo-nos, um ao outro como a mão à luva, cabendo cordialmente uma na outra.
Sim é verdade, o mundo perdeu as nuances vibrantes de cor, de calor, agora,  vemos as coisas mais em tom pastel. O meu amigo Ferreira, homem das tiradas filosóficas repete em tom de sabedoria, “dantes perdíamos a calma, agora ganhamos a alma”.
Adormeço na mesma cama, há quantos anos? 50 anos, dizes resmungando, zangada por eu o ter esquecido. Não lembro as datas mas lembro os momentos, quando te vi pela primeira vez, de vestido amarelo dançando ao vento, lembro-me que sorriste e, a partir desse momento já não te ouvi, perdido que estava na tua visão. 
Depois, fizemos um caminho juntos, nasceram os filhos, cresceram, saíram do ninho. Fomos ficando cada vez mais sós, eu sem ti, tu sem mim. 
No entanto, ainda me surpreendo a oferecer-te a minha mão quando caminhamos na rua, já não é amor, penso. Ou melhor é uma nova forma de amar, um carinho, uma compreensão mútua. Saber o que sentes sem que o precises de dizer. 
E isso, conforta-me, saber que estás ali, mais do comigo, para mim e eu para ti. Sei que ainda temos muito para partilhar, para dar, para à nossa “velha” maneira, amar. Aceito-te por mais 50 anos, digo a sorrir, quando renovamos na igreja perante familiares e amigos, os nossos votos de casamento.


segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Post.it: Ver novas todas as coisas

Para ver melhor é preciso usar os 5 sentidos. É preciso ver com o coração, sentir, cheirar, tocar. E realidade do que vemos é uma representação do que somos. 
Quantas vezes olhámos para algo de uma maneira, mas que num outro momento nos pareceu diferente, nos transmitiu sensações distintas. 
Quantas vezes lemos um livro que nos marcou, mas que quando o voltamos ler, anos depois, já nos deixa uma marca diferente. 
Talvez, porque não foi o livro que mudou, mas nós, que crescemos, que amadurecemos, que nos deixamos moldar pelas experiências da vida. Quando nos pedem que vejamos coisas novas, na que para nós já não trazem novidade. 
Pedem-nos que não tenhamos o mesmo olhar, que não sejamos a mesma pessoa de antes, mas a pessoa de agora. Uma pessoa nova, capaz de ter um novo olhar e dessa forma permitir que haja uma nova descoberta. Uma descoberta que signifique, encontro, surpresa, renovamento. 
“Ver novas todas as coisas em Cristo” (Papa Francisco), pede-nos uma nova abertura, um novo sentir, uma nova visão liberta de quem fomos. 
Seja-mos novos nessa conversão, deixemo-nos tocar, renovar. Olhar o outro com todas as categorias do novo eu. 
O outro já lá estava ontem, nos dias anteriores, mas o eu só agora o viu, só agora foi tocado por ele e o recebemos em nós. 
O novo será sempre a minha conversão no outro que me torna um novo eu.



sexta-feira, 29 de outubro de 2021

O meu último poema


Lágrima que não caísse,
Flor que não murchasse,
Amor que não se visse,
Que só o coração sentisse.
 
De poucas palavras,
Mas que dissesse tanto,
Que ganhasse asas,
E pousasse no teu recanto.
 
Falasse com alegria,
Da mais triste tristeza.
Cheio de luz do dia,
Na escuridão da natureza.
 
E depois de tudo fosse vento,
Memória que parte mas fica,
Uma brisa de sentimento,
Que em silêncio nos grita.
 
Paz, amor, harmonia,
Um caminho de tranquilidade.
A sensação de magia,
Num segundo de felicidade.



segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Post.it: Os livros são casas

Abrimos a página e entramos pela porta. Conhecemos pessoas, as suas histórias, os seus dramas, os seus romances, alegrias, tristezas, que partilhadas encontram ressonância nas minhas. 
Tornam-se amigos, vivemos aventuras, corremos por longos prados, derrubamos fronteiras. 
Colhemos primaveras, desafiamos um mar de ondas, deixamo-nos cair cansados sobre a areia quente. 
Abraçamos, sentimo-nos abraçados. Vemos a chuva a deslizar nos vidros da janela, aconchegamo-nos no sofá, abrimos um livro que nos leva para mundos secretos. Reencontramos amigos, fazemos novos, guardamos os antigos, num lugar onde cabem todos. 
Passam-se dias, meses, anos, entrecruzamos vidas, por vezes, mortes. 
Nem todas as histórias têm um happy end
Depois, antes mesmo da despedida, há uma saudade que nos envolve, é quase doloroso virar a última página, deixar esse amigo pelo caminho. 
Cresce-nos uma quase solidão. 
Quase uma lágrima, uma tristeza que transformamos em alegria. 
Por fim, fechamos o livro, fechamo-lo devagar saboreando um sentimento de gratidão pelo enriquecimento que nos deixa no peito. 
Amanhã vou escolher outro livro. Há tantas casas que me convidam para entrar.



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Post-it: Travessa da Espera

Na Travessa da espera, espera-se:
Que o dia amanheça e traga consigo a realização de planos, de sonhos, de momentos bons. 
Espera-se pelos transportes públicos apinhados de gente que vai para o trabalho, são quase sempre os mesmos e já se cumprimentam, já guardam o lugar para que o companheiro de viagem descanse um pouco as pernas já cansadas, não desse dia, mas de todos os anteriores. 
Espera-se pelo pequeno-almoço fumegante que lhe aqueça o corpo e com um pouco de sorte, lhe anime a alma. 
Espera-se por um trabalho que nos incentive, que nos alegre, que nos faça sentir que fazemos a diferença, que contribuímos para um mundo melhor. 
Espera-se que a escola dos filhos lhes ensine mais do que matemática e português, que os ensine a crescer com vontade de serem bons cidadãos. Que lhes dê ferramentas para que a engrenagem de crescer lhes seja favorável  no seu rumo ao futuro.
Espera-se a tarde como um sino da igreja que marca o final de um dia de labuta contra o relógio que corre e as tarefas que vão num crescendo marcando o ritmo da corrida. Há dia em que saímos vencedores, há dias em que saímos derrotados e deixamos  algumas delas para o dia seguinte. 
Espera-se a noite, depois de beijar os filhos, de dobrar a roupa, de arrumar a loiça, de desligar o televisor, de programar o despertador, de aconchegar o cão, de pendurar a roupa para vestir amanhã, de deixar os chinelos no chão e o corpo abandonado na cama. 
Espera-se o descanso, o sono, o sonho. Espera-se a esperança de um melhor amanhecer em cada novo dia. 
Na Travessa da espera, tal como noutras travessas, becos, ruas, avenidas, espera-se constantemente pela felicidade.
 

 

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Post.it: Os nossos heróis

Para os que querem ser heróis, para os que querem ajudar todos sem olhar meios ou distância. Para os que querem ultrapassar fronteiras. 
Para os que querem rasgar horizontes. Dar de si chegar ao outro. 
Para os que quando passam não viram os rostos. 
Para os que têm sempre um sim para dar. Para os que têm sempre um sorriso para partilhar. 
Para os que fazem do seu tempo um tempo de estar com mais alguém. 
Para os que fazem da vida um caminho para ser feito a dois ou muitos mais. 
Para os que encontram a felicidade no momento em ajudam quem de ajuda precisa. 
Para os que não acham que é uma obrigação mas sim um acto do coração. 
Para os que são amigos dos seus amigos. 
Para os que fazem todos os dias novos amigos. 
Para aqueles que sabem que fazer o bem não tem dia nem hora marcada, não escolhe agir, age-se. 
Não se pensa dar, dá-se. E não é preciso partir para encontrar, basta olhar para ver, pode estar ao seu lado, mesmo sem mão estendida, rosto sujo, roupas velhas. 
Pode ser aquela pessoa que perdeu o sorriso, que se fechou em casa, que calou as palavras, que escondeu as lágrimas. 
Para os que vêm com o coração e onde cabe sempre mais um. 
Sim, esses como tu, como muitos de vós pessoas anónimas, que continuam a ser poucas e ainda pequenas comparadas com a dimensão do que nos rodeia.
Aqueles que tentam ser heróis de silenciosas causas, que tentam vencer as contrariedades de cada dia e dar um pouco de sol à escuridão de cada olhar, o nosso OBRIGADO.


segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Post.it: O céu e a terra

A terra, o céu, um casamento de longa data, uma ligação feliz. Claro que há dias tranquilos e outros de maior diversidade. Há dias em que as nuvens regam a terra e esta, retribui com flores, com frutos, com searas douradas. 
Há dias em que o vento sopra gentil para oferecer brisas de frescura, mas também tem outros em que quase numa fúria de mau humor parece que tudo desarruma. Mas a terra gentil e serena vai deixando tudo voar a contento desse feroz sopro, ela confia que quando o vento amenizar, a aparente turbilhão revelará uma ordem que só a terra entende.
Há dias em que o  sol sorri resplandecente convidando a sair da penumbra até os mais tímidos, e os bezerros não se fazem rogados, correm pelos prados, onde são acompanhados pelos cães de guarda e pelo olhar atento do pastor. 
Na cidade, as pessoas correm para os transportes, mas não deixam de espreitar pelas janelas do autocarro, quem resiste a um sorriso tão belo do astro rei? Bem que gostariam de aproveitar em pleno a oferta solar e fazer um passeio pelos jardins ou ir mais longe e relaxar o olhar numa amena praia, mas o dever chama, e um suspiro adia para o fim de semana tais planos. 
Por fim, quando o dia adormece depois das mais diversas peripécias, o céu escurece e torna-se um manto de estrelas que cobre toda a terra, como a quisesse aconchegar. 
Amanhã, bom, amanhã veremos que novas e maravilhosas surpresas chegam do céu até à terra e com que longo abraço ela lhe retribui… 
As relações felizes são feitas de partilha, de generosidade, de espaço e de união, de problemas e de soluções, de respeito e de liberdade, de um caminho que se faz sempre, com o coração entrelaçado.


domingo, 26 de setembro de 2021

Post.it: Emigrantes

.”

"Aqui, emqualquer lado, onde esteja, onde vá, sinto-me órfã de continente. Nasci em áfrica, mas perdi África aos 3 anos"

Estas são as memórias de Agoa Baldé, recolho-as, uma a uma, como se apanhasse as pétalas de uma flor que ela vai desfolhando em lembranças que se vão perdendo no escoar do tempo.
“Resta-me a herança dos traços, da cor da pele, o cabelo encarapinhado e sobretudo o sentimento de pertença misturado com um vácuo que magoa, a saudade, como água numa caverna que vai deixando marcas cada vez mais  profundas. 
Ficaram os cheiros que já identifico, uma mistura de sal, suor e lágrimas. Os sons distantes mas que intuo perto quando a noite me vêm embalar, as vozes no trabalho, o mugir do gado a pastar, as crianças nos seus jogos, o vento que à noite despenteia o capim seco e assobia melodias que só África conhece. 
Há vozes que entoam mornas, tambores que ressoam como que imitando os passos dos animais na savana. O céu, tão imenso, o horizonte tão vermelho e quente, onde o  olhar corre, corre sem se cansar e sem conhecer limites; as chuvas repentinas, rios que descem e rapidamente se transformam em mares barrentos, a tristeza dos incautos que se molham sem o desejar e as crianças que festejam essa praia repentinamente nascida, com mergulhos do cimo das rochas. 
A nudez dos costumes, a oferta generosa e ingénua de cada sorriso, os bebés pendurados no dorso curvado, as vestes parcas mas marcadas por tons coloridos como se vivessem sempre em alegre festa. E lá seguem as mulheres, com os cântaros na cintura e o molhe de lenha na cabeça, bamboleando a anca, esquecendo a lonjura e a dureza do caminho. 
Lembro-me de quando pisava essas terras, quando respirava o mesmo ar quente e seco. Essa África que por vezes,  reencontro no rosto dos meus irmãos de nação, sorriu-lhes, sorriem-me, sabemos, como sabemos o que nos vai no coração, esta orfandade, esta saudade… 
Mas à noite quando fecho os olhos, volto a ser aquela menina que corria pelos trilhos lapidados no rigor das montanhas, que na rebeldia dos seus 3 anos fugia à vigilância do irmão de 6 anos, outra criança a quem incumbiam a responsabilidade de se tornar adulto roubando-lhe a infância. 
Nasci em África, há tanto, tanto tempo, que já mal me lembro, vai-me ficando cada vez mais distante, embora sempre perto do coração.

Se você pode andar, você pode dançar. Se você pode falar, você pode cantar. (provérbio africano)

26 de Setembro  Dia do Migrante

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Post.it: Amizade em tempo de pandemia

Amizade, mais que uma palavra, mais que um conceito, mais que um sentimento, amizade é uma forma de estar com os outros. 
Neste momento tão particular, tão solitário, tão desolador, tão isolador que tem sido o tempo de pandemia, a amizade ganha contornos mais marcantes, adquire raízes mais profundas e une o que tudo o resto separa. A amizade é um privilégio, é uma necessidade sociológica. Mas nem sempre foi assim... 
Já os gregos falavam de amizade definindo-a como um sentimento de amor, aquele que sentimos pelos verdadeiros amigos, um amor que não prende, que não limita, que confere autonomia e que nasce da livre escolha. 
No entanto a amizade uma característica da era moderna, nasce numa sociedade atual, que se quer livre. 
Aristóteles já falava dessa liberdade, dessa relação sem compromisso. Mas durante muito tempo, a amizade, era reservada às classes superiores, enquanto as classes menos favorecidas, sem tempo para momentos de lazer, encontravam no seio familiar algo semelhante a essa ligação. 
Até meados do século XX a maior parte da população não tinha amigos. Talvez por isso tenha sido surpreendente o resultado de um estudo alemão, realizado em 2019 que  revelou que 85% dos inquiridos respondeu que não havia nada de mais importante que um bom amigo, em segundo lugar com 81% vinha  “cuidar da família”, a amizade era assim uma prioridade. Em 2020 essa prioridade tornou-se uma necessidade. 
Em plena crise pandémica, em período de confinamento, os amigos foram a nossa janela aberta, o nosso arco-íris de esperança, porque sabíamos que do outro lado alguém estava lá para nós tal como nós para os outros. 
Nas grandes cidades ou nas aldeias mais remotas, tiram-se os smartphones das caixas onde tinham ficado guardados depois de oferecidos por filhos ou netos e ligando-os ouviam-se vozes amigas que entravam em cada casa como um sol que rompe as nuvens cinzentas do inverno. Estávamos em março, mas cada palavra, transportava o calor quente de agosto.


sábado, 11 de setembro de 2021

Post.it: Imaginação

Voar sem asas,

Viver sem limites,

Conquistar o infinito,

Ser-se onda,

Vento, árvore, flor,

Amar para sempre,

Ser-se amado todos os dias,

Encontrar a perfeição,

Abraça-la e guarda-la no peito,

 Viajar pelo mundo,

Entrar em todas as vidas,

Ver beleza nas coisas simples,

Sentir-se feliz só porque sim,

Silenciar todas as guerras,

Dar voz ao silêncio,

Acabar com todas as fomes,

Encher a solidão de companhia,

E toda a tristeza de alegria.

Ter muita,

Muita,

Imaginação…



segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Post.it: Contemporâneo

Em definição, não se define.

Não se circunscreve, não se limita.

Não tem corpo, não tem forma, não tem cor.

É uma evasão que se pretende encontro.

É um novo com ar de velho.

É um estilo sem pretensão de estilo.

É um repleto cheio de ausências.

É uma busca de si com medo de se encontrar.

Há uma dor, uma mágoa, um desespero, uma corrida.

Está lá tudo, mesmo quando não vemos nada.

Linhas em desalinho.

Traços destraçados.

Objectos desarrumados.

Materiais contorcidos.

Cores esmaecidas.

Olha-se, compõe-se de dentro para fora.

Constrói-se na mais cruel nudez que é, a revelação.

De um silêncio que exaspera por ser grito.




sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Post.it: Não poupes nas palavras

Não poupes nas palavras. Preciso de todas elas. 
Escreve-as, di-las, pinta-as, dá-mas num sorriso, num abraço. Não as cales, não as adies. Não as deixes ficar apenas no pensamento, no sentimento, prisioneiras do silêncio.
Oferece-mas como se fossem um bouquet de rosas, mesmo que já por nós tenham passado e murchado muitas primaveras, todas elas me ficaram no peito, mesmo quando a galáxias de nevoeiro me vão roubando a memória de cada uma delas, fica a sua energia como se me fosse  uma estrela, que apesar de ter sucumbido há anos luz, ainda brilha e ilumina o nosso olhar.
Dá-me as palavras ternas, doces, amigas, amadas, quentes como uma tarde de verão, que nos queima a pele sem qualquer intenção de criar mágoa, aliás, acredito que essa onda de ar escaldante tem como intuito, que as palavras voem em busca de brisas de frescura, de refrescantes gotas de mar que causam risos e fugas de quem apenas quer ser reencontrado.
Não, não será o outono quem nos deixará secar as palavras, podem as folhas cair, mas as palavras não vão ficar no esquecimento, amarelecidas pela espera, de quem as diga, de quem as espera ouvir, ler... 
As árvores podem ficar despidas, mas os seus ramos estendidos, vão continuar a escrever no céu gentis poemas, para que o sol conquiste a lua, para que a lua adormeça do sol enamorada.
E mesmo que o inverno chegue carregado de nuvens, as suas águas não serão de lágrimas de desgosto, mas de esperança, de inspiração, de florescimento, para que as palavras, tal como as flores renasçam, uma, mil vezes, as que forem necessárias para alegrar quem as recebe e encher de felicidade quem as oferece.

 

 


 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Uma gota do olhar

 Ai se a gota de água, 

Que se solta do teu olhar.

Fosse a voz da calada mágoa,

Que cai no chão sem confessar.

De onde tão longe que veio,

Por que destino já andou.

Se era triste, se era feio,

O caminho que palmilhou.

Como pode a dor tão escura,

Como pode tão intimo sofrer.

Produzir com tamanha ternura,

Uma gota de água a resplandecer.

Como se fosse o sangue da alma,

Como se fosse pesada lembrança.

Que nos cura, que nos acalma,

E dá lugar a renovada esperança.

Seca-se a lágrima, não a dor,

Dizes num fio de voz.

Jardim de furtada flor,

E todas as outras ficam mais sós.

Era uma lágrima, uma lágrima sem valor,

Diz quem passa sem se deter.

Que sabem! Que sabem de mim?

Pergunta a gota transparente.

Sabem se sou o principio, se sou o fim,

De quem me recusa e recusando mente.



sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Post.it: Férias 2021

Cresce a sociedade do cansaço, torna-se uma segunda epidemia, uma expressão carregada de medo, de revolta, que rompe o silêncio como um vulcão em erupção. 
Cansaço deste vírus que não vemos, mas que sentimos o seu domínio, cansaço do uso de máscara que nos rouba a frescura do ar e a beleza dos sorrisos. 
Cansaço das filas nas lojas, das restrições, de estar só em isolamento de afetos. 
Cansados do trabalho não valorizado, das crianças impedidas de brincar com outras crianças, um cansaço existencial, desanimado, aborrecido, resignado. 
É urgente tirar férias, do vírus, do trabalho, da casa, dos medos.
É tempo de ‘perder tempo’ para recuperar energias. É preciso descansar do nosso cansaço, encontrar a paz interior, a calma, a alma. Encontrarmo-nos connosco e reencontrar os outros em nós, mesmo quando estamos sós.
O descanso é um direito e uma necessidade, após tantos meses de pandemia, cada um de nós sente-se cansado pela incerteza e imprevisibilidade 
A alteração das rotinas, do trabalho, o isolamento físico e social, as perdas, os lutos, a doença e as suas sequelas.
Descansar torna-se primordial, uma necessidade de fuga, de libertação, de encontro consigo e com os outros. 
Para relaxar, para respirar fundo, para mergulhar nas ondas do mar, da piscina ou simplesmente num banho de espuma. 
Vamos viver as nossas férias em busca de paz, harmonia e equilíbrio. Vamos sentir as nossas férias na pele, no ar que respiramos. 
Vamos para férias, não precisa de ser para um resort de luxo, mas que seja num espaço mental e que o nosso tempo seja de descanso físico e emocional. Que as férias sejam um tempo um reencontro com a nossa essência de fé, de esperança e de amor.



 

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Post.it: Somos o mundo...

Quando era jovem queria mudar o mundo, agora que estou mais velha, quero aceitar o mundo tal como é. Quero aprender a amá-lo na sua diversidade, nas suas mágoas, nas suas dificuldades, nas suas alegrias, no que tem de melhor e de pior.
Aprendi que não sou melhor que os outros, sou como sou e eles são como são. No fundo, somos iguais no geral mas diferentes no particular. Uma identificação cultural, uma assimilação social. Uma simbiose civilizacional.  
Somos o mundo e o mundo é um puzzle cheio de peças que o tornam um todo eternamente incompleto. Peças que por vezes julgamos que não encaixam na nossa vida, tentamos muda-las, cortar a forma, lim
ar as arestas, mas a verdade é que são assim porque existem para se conjugar com outras peças, outras vidas, talvez, não as nossas. Se as obrigamos a mudar, se lhe alteramos os contornos, se condicionarmos o que as define, continuam a não se adaptar a nós e de tão forçosamente modificadas, já não se adaptam aos outros.
Nós próprios mudamos ao longo do tempo, mudamos porque queremos ser aceites, porque queremos ser amados, porque queremos fazer parte do grupo. Mas se essa mudança for diferente da nossa natureza, dos nossos valores, do que somos, mais tarde ou mais cedo vamos falhar nos nossos intentos. Infelizes na nossa essência, inadaptados nessa realidade, percebemos está na hora de apenas sermos quem somos e de deixarmos os outros serem quem são.
Quando chove, podemos não gostar de nos molharmos, mas a chuva é necessária para o renascer  da natureza. O sol pode queimar-nos a pele mas é essencial para a sobrevivência do planeta e a nossa. Talvez, em cada contrariedade encontremos algo de positivo, o desafio que nos faz vencer o obstáculo, o passo que nos leva a seguir em frente. Em cada não, pode surgir um sim. Seguindo uma simples regra…
Que eu consiga mudar o que devo mudar, que eu consiga aceitar o que não posso mudar, que eu tenha capacidade para distinguir entre um e outro.



domingo, 1 de agosto de 2021

Post.it: A morte

Rouba-nos os familiares, amigos. 
Rouba-nos o sorriso, o coração, as lágrimas. Rouba-nos momentos de teríamos, rouba-nos aquela amanhã que tínhamos a certeza chegaria. 
Rouba-nos a esperança, a lembrança, o olhar de criança. Os planos, os sonhos, o chão. Rouba-nos um pouco de nós, do passado, do presente, até do futuro.
Deixa-nos mais pobres, mais tristes, mais sós. 
Rouba-nos o sol do olhar, as primaveras em que colheríamos flores, o calor do verão, os passos à beira-mar, os outonos de folhas caídas que nos ladeavam o caminho, os invernos partilhando palavras quentes. 
Os primeiros passos em que nos foste amparo. As histórias que nos contavas enquanto a noite chegava. 
O incentivo, os planos, o orgulho que tinhas em nós, as linhas com que cosias e alinhavavas o nosso futuro. 
O pão na mesa partilhado com amor. 
Mesmo depois da tua partida,  o dia amanhece, estranhamente quente e terno como que num abraço, uma força, um incentivo para tornarmos o que nos roubaram mais precioso, tão precioso que o guardamos num lugar de onde não nos pode ser retirado, no coração.
Ali bem aconchegado, bem seguro para que possamos, num momento só nosso, abrir de mansinho e deixar voar pelos nossos sentidos todas as memórias. 
O carinho, o que fomos, as vozes, as palavras, os exemplos, os ensinamentos, a gratidão, a vida que partilhamos, porque essa, a morte, que tudo nos rouba, nunca nos conseguirá roubar.


domingo, 25 de julho de 2021

Post.it: O outro

É necessária a aproximação, um olhar, uma partilha, o ar, o céu, a sombra de uma árvore, o abrigo de uma varanda para proteger da repentina chuva que cai sobre rostos anónimos. Há uma hospitalidade, uma generosidade de palavras, de gestos, de silêncios, no banco do jardim, no banco do autocarro, dividido entre nós e o cansaço. 
Há quem cruze o olhar de forma rápida ou se detenha, há quem procure o outro e o encontre num aparelho eletrónico. Tudo o resto, são passos à procura do caminho... Teresa, lá vai, todos os dias, carregada de sacos onde leva toda a sua vida, neles vão, roupas, sapatos, talvez alguma foto, muitas memórias que se vão diluindo, mas não torna mais leve o fardo que transporta de um lado para o outro mal o sol espreita na madrugada. É tudo o que tem, “é tudo o que sou” murmura por entre as palavras que não nos chegam percetíveis. Ajeita o chapéu de abas largas e volta a erguer os sacos, 2 ou 3 em cada mão. De onde vem? Para onde vai? Encolhe os ombros, “já não me lembro onde queria ir.” Justina aconchega as canadianas nas mãos magoadas, são as suas pernas quando as outras há muito lhe falham, tenta sorrir já sem sorriso enquanto com uma voz grave, enegrecida pela mistura de álcool e tabaco lhe diz, “não importa, vamos juntas!” Lá seguem as duas, sabe-se lá para onde, em busca do destino, da sorte, "da vida até à morte."
O outro, um mistério, uma porta, por onde, por vezes, nos atrevemos a entrar, a ficar, a chamar-lhe amiga/o. O outro, que por diferente ou estranho que pareça, tem sempre algo de belo, tem sempre algo para oferecer ao eu. A esse eu que lembra a cada um de nós que para alguém, somos, o outro.

sábado, 17 de julho de 2021

Sou pequenina

Sei que sou tão pequenina,

Que jamais sairei de mim.

Então aqui me aconchego,

Sem questionar o principio,

Nem saber a onde chego.

As quatro áreas do coração,

São as paredes tecto e chão.

São a minha terna casa,

São as minha doce asa.

Então, escrevo, num ebulir,

Que não grita para sair,

Mas implora para  ficar.

Escrevo para o coração embalar.

E assim tornar menos cansativa,

A sua já árdua missão,

De me manter viva.

Ele retribui agradecido,

E como um menino crescido,

Salta de alegria quando gosta,

Das minhas palavras escritas.

Ou como se aquieta,

Quase dormente em tristeza

Que não deixa de ser contente.

Por vezes permite-se um suspiro,

E nele então me inspiro,

Porque o coração não mente,

Se o que digo abraça o que sente.



domingo, 11 de julho de 2021

Post.it: Nunca mais...

Para além de todas as dúvidas que temos, há muitas certezas que começam a ganhar expressão na nossa vida, no nosso dia-a-dia, no nosso amanhecer e que adormece connosco enquanto nos rouba a capacidade de sonhar. A frase, “nunca mais”, inunda-nos, avassala-nos, magoa-nos, sobretudo porque se torna crescente e não se vislumbra um fim à vista.
Nunca mais verei  a Drª Graça, a Drª Lurdes da farmácia da Pampulha, o Sr. Martins do Café da rua de baixo, o P. Afonso e tantos outros rostos, nomes, vidas que se cruzavam com a minha, que a tornavam mais rica, mais firme, mais completa. Pessoas que faleceram durante a pandemia e outras, devido a ela. Pessoas a quem não podemos dar um ultimo adeus, acompanhar até à sua última morada nem depositar junto a si uma simples flor.
Nunca mais abrirão vários estabelecimentos, a padaria da esquina, o café dos pastéis de bacalhau no Bairro Alto, a frutaria do Sr. Joaquim e outros, tantos outros que agora apenas revelam montras tapadas com papeis que escondem um interior desolador e vazio.
Nunca mais tive boleia para o emprego com as conversas matinais por vezes alegres, outras, sonolentas, rezingonas, faz parte, depois de 20 e muitos anos de amizade em que já não há segredos nem se escondem as características de cada um.
Nunca mais houve abraços, beijos, sorrisos destapados na rua, nos transportes, no emprego.
Talvez haja coisas que voltem a ser o que eram. Surpreende-me sempre a capacidade de nos reerguermos, de nos reinventarmos, de tirarmos as lágrimas dos olhos e as escondermos no coração.
As primaveras continuam a oferecer viçosas flores, as andorinhas regressam fielmente aos ninhos dos anos anteriores. O mar estende-se azul, os campos cobrem-se de verde. As árvores frondosas oferecem generosas sombras. O luar continua a mudar ciclicamente de fase.
O sol continua a brilhar se entretanto não vier um cientista maluco acusa-lo de ser a causa da reprodução dos vírus e invente uma mascara para lhe tapar o brilho.
Ficaremos bem, ainda acredito que sim, um dia, depois de meses e anos, sabe-se lá quantos…
Mas o mundo, as pessoas, as vidas, os comportamentos, os medos, nunca mais voltarão a ser o que eram. Sofremos demasiado, crescemos demasiado, morremos demasiados. Há uma geração a nascer e a crescer olhando para rostos com máscara.
Nunca mais seremos quem eramos, mas, quem sabe, nos tornemos melhores, mais unidos, mais solidários, mais conscientes, mais criativos, com mais sorrisos, no olhar…


terça-feira, 29 de junho de 2021

S. Pedro 2021

 S. Pedro não fiques triste,

Se a tua festa for pequena,

O que importa é que existe,

Uma devoção em nós plena.

 

E em breve, temos esperança,

Com saúde, paz e alegria,

Celebraremos com pujança,

A liberdade de abraçar cada dia.

 

S. Pedro pega nas tuas chaves,

Fecha o vírus com a mais forte,

Ou que ele migre como as aves,

E vá congelar para o polo norte.





sábado, 26 de junho de 2021

São João 2021

 S. João, S. João

Mais um ano sem te cantar,

Mas nenhum vírus mata a devoção

Nem a máscara nos fará calar.

 

S. João, S. João

Abraçaremos com o olhar,

Mesmo sem darmos a mão,

Tens no nosso querer um lugar.

 

São João, meu santo bonito,

Não esquecemos o teu dia,

Mesmo sem sair de casa acredito,

Que festejamos com igual alegria.




sábado, 19 de junho de 2021

Post.it: O gato amarelo

Quando era criança ia passar quase todos os fins de semanas na quinta onde moravam a minha tia, primos e  priminhos. A minha tia tinha um gato amarelo, enorme, silencioso, discreto, pouco amigo de festas no pelo. Desde que me levantava até que me deitava ele andava sempre ao meu lado. Sentávamo-nos no muro e ficávamos a ver o despertar dos primeiros raios de sol na madrugada. Nunca lhe acariciei o dorso e nunca ele se roçou em mim, nunca falei com ele, nunca ele miou para mim. Mas durante muito tempo fomos companheiros inseparáveis, quando ele morreu, chorei-o. 
Tempos mais tarde, o meu vizinho do andar e cima, arranjou um gato, o Sebastião e para minha alegria, era amarelo. O Sebastião era meio vadio, ficava todo o dia em casa mas ao entardecer punha-se a miar junto da porta, a pedir para sair. Voltava pelas 2 horas da madrugada, punha-se a miar junto da minha janela e eu meio ensonada lá lhe ia abrir a porta da rua. Subia de imediato e deitava-se silenciosamente no tapete da entrada da porta do meu vizinho. Tínhamos uma amizade discreta, no fim de semana, dava-lhe um sermão – Sebastião tens de vir para casa mais cedo, todos os dias na borga até às 2 horas da manhã? Isso tem de acabar! Ele rolava no chão e oferecia-me a barriga para que lhe fizesse festas. – Não merecias, mas, não te resisto! Claro que pelas 2 horas da manhã lá estava o Sebastião a miar na janela, mais pontual que um relógio. Quando o Sebastião morreu atropelado, durante muito tempo ainda lhe ouvia o miar às 2 da madrugada, até se silenciar na memória. Passados uns anos, o mesmo vizinho adoptou outro gato, surpresa das surpresas, era amarelo e assim foi batizado. Era um gato vadio que por ali apareceu, dormia na rua e à hora das refeições aparecia para o meu vizinho lhe dar comida. Todas as manhãs quando eu ia para o trabalho, lá estava o Amarelo à espera que lhe abrisse a porta da entrada do prédio, entrava sorrateiro e subia rápido as escadas. Um dia disse-lhe, - Amarelo, mas nem se diz bom dia? Ele parou, olhou para mim, miou e prosseguiu o seu caminho. Não sei se me entendeu, mas desde esse dia, quando lhe abria a porta, olhava para mim, miava e só depois subia. Passados alguns anos, desapareceu. Mas, dizem as pessoas do bairro que na rua de cima aparecerem vários gatinhos amarelos, talvez filhotes do Amarelo? 
Um dia uma amiga ofereceu-me um cachorro, para grande felicidade minha, era amarelo. Olhei-o nos olhos e num flash da memória, juro, que vi o olhar do gato amarelo, companheiro da minha infância, o Sebastião que adorava andar na borga e o Amarelo a miar-me os bons dias. Talvez os amarelos não renasçam, talvez,  vindos da memória nos visitem o coração.