domingo, 31 de outubro de 2010

Era uma vez: Amar nem sempre é fácil

Nessa manhã fora surpreendida. A sua turma do 9º ano entrara alvoraçada na aula.
Stora, a Sílvia foi-se embora!”
Nem teve tempo de perguntar porquê. As frases de indignação sucederam-se:
“Os pais descobriram que ela andava com a Joana!”
“E agora vão pô-la num colégio interno!”
“Nem a deixam vir mais à escola!”
“Nem podemos despedir-nos dela! A melhor aluna da turma!”
“A nossa delegada de turma!”
Deixou que a surpresa e indignação se acalmassem e, a pouco e pouco, se fossem transformando em diálogo e reflexão. Foi bom constatar que a maioria dos alunos já considerava natural este tipo de diferenças. Sinal de que a sociedade está a evoluir.
A pergunta que lhe fizeram foi certeira: “Se um dos seus filhos lhe dissesse que é gay, como é que a Stora ia reagir?”
Sentiu-se a voar no tempo até há uns anos atrás. O filho tinha-lhe dito que precisava de falar com ela. Adivinhou o que era - uma mãe sabe ler os sinais. Esses sinais tinham-lhe permitido preparar-se para essa conversa. Tivera tempo de se informar, de ultrapassar os seus preconceitos e de aceitar interiormente que o seu filho poderia ser diferente – nem melhor nem pior, apenas diferente do que é mais habitual. Por isso, fora capaz de o ouvir serenamente. Orgulhara-se da forma como começara: “Mãe, tenho de te dizer uma coisa, porque não quero ter de te esconder nada, não quero ter de mentir-te!” E, depois de o ouvir até ao fim só lhe ocorreu dizer isso mesmo: “Orgulho-me de ti, pela forma como tem sido filho, irmão, aluno. Orgulho-me da pessoa que és. O amor que sinto por ti não tem condições - amo-te como és. Só te peço que sejas coerente e verdadeiro e te mantenhas de espírito aberto, sem te condicionares a ti próprio. O que mais quero é que sejas feliz!”
Foi essa a ideia que passou aos alunos quando respondeu à pergunta que lhe fizeram, mas tentou que eles compreendessem que os pais da Sílvia pensavam estar a agir bem e, à sua maneira, estavam também a manifestar o seu amor pela filha.
Foi o Rui que acabou por dizer tudo: “É uma questão de mentalidade e as mentalidades custam muito a mudar, mas mudam! Pode levar muito tempo, mas acabam por mudar!

A primeira vez

Quando ele a conheceu,
desde logo algo aconteceu.                               
Porque a mais doce emoção
lhe invadiu o coração.
Todos os dias quando acordava,
Logo o seu pensamento voava,
ultrapassando a imensidão
à velocidade da paixão.
Por fim coragem arranjou,
E timidamente a convidou.
Mas nem queria acreditar
quando a ouviu aceitar.
Nesse dia ele tremia
de medo e de alegria.
Quando o beijo aconteceu,
sentiu que se iluminou o céu.
E nesse momento de magia
em que a emoção já não cabia
o amor então se fez,
pela primeira vez.
Quando a tarde adormecia,
cada coração ainda sorria.
O futuro por acontecer,
mas só importava esse viver.
De sentirem que se  amavam
E de que juntos sonhavam,
que seria eterna cada vez,
como na primeira vez.
Quando o amor teve que partir,
Quando para outro coração quis ir.
O passar do  tempo não desfez
A lembrança daquela, primeira vez...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sexta-feira

Na calçada um rio vai crescendo
por entre passos apressados.
Da chuva vão-se escondendo,
mas pelo vento são revelados.

Nesta quase brincadeira,
termina a manhã a correr.
Numa pálida sexta-feira,
com o sábado a aparecer.

Mas como demora a chegar
este final de semana.
As energias estão a acabar
e o conforto do sofá já me chama.

Post.it: O olhar


Os olhos são as janelas da alma. Mostram-nos a limpidez do sentir, ou a mágoa escondida por detrás das escuras pupilas. Num olhar que revela o que se quer manter secreto. Um olhar fugidio, que não nos olha de frente, fixa-se no chão ou perde-se para além da nossa presença. Um olhar feito de ausências, de pensamentos que esvoaçam na intranquilidade do sentir.De quando em vez, esse olhar pára no nosso como se fosse uma interrogação, mas volta a bater as asas e a seguir o rumo das incertezas. Cansado, o olhar esconde-se na segurança da pálpebras fechadas, relaxa e sonha que quando voltarem a abrir-se, uma nova realidade lhe será apresentada. O sol brilhará, a chuva terá partido e a sombra que lhe toldava a vista terá desaparecido dando lugar a uma nova luz. Então o olhar poderá confrontar-se com outro olhar e dizer-lhe no seu silêncio mais do que as palavras diriam.
Que finalmente está pronto a encarar a vida com os olhos bem abertos...

Luz, sempre!

Não importa o tempo!
Mesmo com nuvens ou chuva
o teu dia pode ser luminoso
se acenderes a luz dentro de ti!

O sol pode brilhar sempre!
Pensa em quem amas,
em quem te ama,
em quem precisa de ti,
em quem sabe estar presente
e te anima com a sua amizade!

A luz pode vir de fora
mas quase sempre nasce cá dentro!
Vem da energia que criamos
com os sentimentos positivos
e com a vontade de construir,
de amar e viver!

Deixa a luz brilhar,
sobrepor-se às nuvens, à chuva,
às pessoas, que teimam em apagá-la
ao dia-a-dia, ainda que monótono e difícil!

Mantém a luz acesa no coração
e deixa-a brilhar e aquecer
o teu dia e a tua vida.
Deixa brilhar a tua luz!

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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Voando ao luar

Procurei-te na sombra solar.
Procurei-te em cada nuvem.
Por fim deixei-me planar,
neste cansaço de viagem.

Então o dia escureceu,
perdido no horizonte.
o meu voar entristeceu,
pousando num alto monte.

Inundou-me o luar,
aplacando a desilusão.
Por não te encontrar,
na minha eterna solidão.

Post.it: Carregando a vida


Habituamo-nos ao ritmo dos dias, ao passar dos meses, ao chegar dos anos. Habituamo-nos a ver todas as manhãs o nosso rosto, as rugas surgem entram de mansinho e nem nos apercebemos,  quando damos conta já elas fazem parte de nós. Tudo parece surgir naturalmente e sem sobressaltos, mas quando reencontramos pessoas que já não víamos há algum tempo, temos um choque, reconhecemos vagamente o rosto, o olhar, a voz, mas o tempo deixou-lhe marcas na sua passagem intranquila. A pele enrugada conta histórias que desconheço, a tez macilenta e o olhar cansado transmitem um enorme desalento.
À sua volta saltita uma  prole agitada, são cinco crianças com idades entre os 20 e os 2 anos. O mais novo pede colo e ela acede, calando a dor física e o cansaço. O marido caminha à sua frente, com ar de majestoso orgulho de macho latino, indiferente ao seu apelo de ajuda.
Paro  surpreendida, era a Paula, uma coleguinha dos primeiros anos de escola, lembro-me dela, era uma criança alegre, enérgica, saltitava pelo caminho como se o adivinhasse feliz para sempre. Mas não foi esse o seu destino, a vida desenhara-lhe outro percurso e marcara-lhe no rosto a dureza do seu trajecto.
Olhou-me, não me reconheceu, talvez o tempo também me tenha mudado.
Vejo-a partir, carregando o desânimo, esboçando um sorriso aos filhos, mas os olhos não mentem, sobre a dor que lhe marca a alma.
Recordo o que fomos, ainda ouço ecos dessa infância.
Entristece-me aquele olhar que perdeu a luminosidade, todos temos direito a mais, muito mais nesta vida feita de montanhas e planaltos.
Fico a vê-la desaparecer no meu horizonte visual e com o coração apertado num misto de saudade e tristeza pelo que fomos e pelo  nos tornámos, choro uma lágrima, a sua lágrima e ofereço-lhe um pensamento de esperança.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Post.it: Amizade

Somos a semente, o vento, a chuva e a terra onde fecundamos o sentimento de entrega e de partilha.
Somos a força que a ergue na fragilidade da sua haste. Somos a delicadeza que cuida de cada pétala magoada. Somos  o  sorriso que a faz germinar, somos o abraço que  faz  crescer. O  carinho  que  a torna  mais doce, o cuidado que a faz florescer.
E um dia quando as nossa folhas cederem às intempéries da  vida  e da  solidão, quando  precisarmos  dela, de a ver, de a sentir.
Ela vem, ela fica o tempo que for necessário. Ela encontra as palavras que curam as dores do coração. Ela  seca  as lágrimas, troca-as  por uma gargalhada para nos  fazer sorrir. É  por ela  que existimos e ela existe por nós.
Quem a encontrar, quem a conquistar, cuide dela, dessa  flor que se chama, AMIZADE.

As crianças

As crianças da nossa vida:
filhos, sobrinhos, netos, alunos…
muito pequenas ou maiorezinhas,
são seres que encantam
e tantas vezes nos cansam.
As vozinhas, as gargalhadas e os gritos,
dizem-nos que precisam de nós
que querem a nossa atenção,
mas também que as deixemos voar,
viajar na imaginação e com asas de fingir.

No seu crescer irrequieto,
são frágeis como canas ao vento.
Os nossos braços é que as seguram,
o nosso cuidado as sustenta
e o nosso amor as guia e educa.
E quando não estamos lá?
Quando nos distraímos e não cuidamos?
Quando nos esquecemos de educar?
Quando não podemos ou não sabemos amar?
Vão ao sabor do vento e até de tempestades.
Ou escondem-se e esquecem-se de crescer.
Ou calam-se e fartam-se de sofrer.
Ou gritam e partem e batem e choram.

São nossas, as crianças:
filhos, sobrinhos, netos, alunos…
futuro, nosso e da vida.
Esperam pelo nosso pão,
querem o nosso braço,
precisam da nossa atenção,
têm direito ao nosso amor.
São nossas, as crianças.
Quem mais pode cuidar delas?

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Beija-flor

Era feliz quando voava
Saltitante Beija-flor.
E em pleno voo sonhava
com castelos de amor.
O céu era o limite,
de quem vive de infinito.
E porque o desejo o permite
colhia o arco-íris mais bonito.
Para depositar naquela mão,
um tesouro sem preço.
Para a rainha do seu coração,
a quem tinha devoto apreço.
Mas a flor murchou
no final da estação.
E o romance terminou
quando partiu o verão.
Beija-flor resistiu
ao mais frio inverno.
Porque o amor que sentia
era no seu peito eterno.
Quando o sol despontou
Beija-flor voou para ver
A flor que sempre amou
novamente a florescer.

Uma história de esperança
Uma história exemplar.
Diz-nos que com perseverança
podemos o sonho alcançar.                                          

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Saudade

É fechar os olhos
e continuar a ver.
Os mesmos sonhos,
que queremos esquecer.

É chorar a sorrir,
é dizermo-nos que não.
É aprender a fingir,
que não sofre o coração.

É apagar do pensamento
a permanente lembrança.
É reescrever cada momento
com a tinta da esperança.

É o profundo conteúdo
duma história encantada.
Que nos preenche de tudo
e nos deixa sem nada.

Mas como mente a saudade
ao colorir com falsas cores.
Aquela realidade
de tão espinhosas flores.

Post.it: Saltar das cadeiras

 Olho para aquele olhar ingénuo e confuso. Perdido entre ordens e contra ordens, proibições e limitações. Incrédulo no seu silêncio de quem ainda não sabe questionar, lêem-se muitos porquês?
Porque não posso saltar nos sofás, desenhar nas paredes, espalhar bonecos sobre os móveis ou subir para as cadeiras?
A vossa realidade de adultos é confusa e restritiva da minha fantasia. Se olhassem o mundo pelos meus olhos veriam como os sofás se transformam em montanhas que os carrinhos têm de subir. Que as paredes ficam mais divertidas quando nelas desenho meninos e meninas a brincar num jardim com árvores e flores. Que os bonecos sobre os móveis são a minha reprodução de uma cidade desordenada. E como as cadeiras  podem ser divertidas como desporto radical para transpor obstáculos e saltar.
Olho para a limpidez daquele olhar e pergunto-me quando deixei de ser criança, na ingenuidade, na pureza, nos ideais, na fantasia e no acreditar.
Quando comecei a sentar-me nas cadeiras e perdi a coragem de saltar delas para conquistar os meus sonhos.


domingo, 24 de outubro de 2010

A fonte

É uma fonte que não seca,
nunca pára de jorrar
água cristalina e fresca
que parece murmurar.

E esse murmúrio constante
vai-se fazendo sabedoria,
quantas vezes inquietante
e outras tão cheia de fantasia.

Quem já bebeu dessa nascente
viu que a sede não se acalmou,
tornou-se ainda mais insistente
e o desejo de beber redobrou.

É uma fonte de água pura
que inquieta quem a prova.
gera vontade de procura
e cria ânsia de vida nova.

Estrela

Hei-de baptizar uma estrela,
O teu nome vou-lhe dar.
Para à noite ficar a vê-la
E na distância te encontrar.

Quando a tua alma viajante
Abrir asas e voar.
Ficará a estrela constante,
No firmamento a brilhar.

Hei-de contar-lhe a nossa história
E ela pacientemente irá escutar,
Cada fracasso, cada vitória
Ela saberá em mim serenar.

Hei-de falar-lhe dessas  águas
Que dos olhos em fonte caíram.
Hei-de contar-lhe as mágoas
Que do coração não partiram.

Com o olhar preso na estrela
Chamo o teu nome que a ela dei.
E nesses momentos à janela
Por  uns instantes  imaginei.

Que os  teus olhos de infinito
A estariam também a olhar.
Por  segundos  até acredito
Que quase te consigo tocar.



sábado, 23 de outubro de 2010

Post.it: Talvez um dia...

Talvez um dia, quando o teu olhar se encontrar com o meu, os nossos caminhos deixem de ser meramente paralelos. Talvez nesse dia o silêncio se encha de palavras. Talvez nesse dia te levantes desse banco do autocarro e te sentes a meu lado. Que farei? Não sei, talvez me encolha no meu ser com medo de que qualquer gesto te faça fugir. Talvez suspire para acalmar o correr descompassado do coração, será que ele o ouviria? Iria certamente rir-se de mim. E se me cumprimentar, o que vou responder? Um olá com a voz trémula. Como detesto a minha voz quando fico nervosa.
E como será a voz dele, suave e ainda de rapaz ou já será máscula e firme nos seus quase 16 anos?
Só sei que me agita, que me faz voar os pensamentos, que me faz correr para não perder o autocarro ou melhor para não perder a oportunidade de o ver todos os dias.
Mas será que ele me vê, a mim e às minhas borbulhas de adolescente. Que pensará sobre mim? Porque não toma a iniciativa de vir ter comigo, será tímido?
Levantou-se, o meu coração saltou dentro do peito, caminha na minha direcção, lança-me um olhar e, depois. Depois nada, sai na sua paragem habitual!
Contenho a decepção, talvez amanhã...

Eu olhei, eu vi, esta jovem de olhos inquietos, presos na ausência de outros.
Quem sabe um dia se vejam e sorriam tornando diferentes as suas viagens no autocarro 738

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

As amarras

Ainda existem as amarras,
Amarras de esperança.
O passar fatigado das horas,
o embalo da lembrança.

Essa folha que já foi flor.
Esse espaço que já  foi abraço.
Esse postal que já teve cor.
Na espera que se tornou cansaço.

Esta canoa não quer partir
pelas águas da solidão.
Ainda tem tanto onde ir,
segurando a tua mão.

Post-it: Um mero pormenor

Viajar de bus é sempre uma aventura, um dia destes ainda escrevo um livro com algumas histórias. Aqui vai uma.
Estava eu sentada ao lado de um jovem engraçado com um daqueles penteados que nunca entendi, com tranças com ar de palha quando este me pediu  permissão para sair, fiquei desiludida uma vez que ainda não havia chegado a nenhuma conclusão se o que ele usava era cabelo ou algum derivado.
No lugar deixado vago sentou-se uma madame, desde logo marcou lugar para si e para a sua mala, pequeno equídeo (não se pode fazer publicidade), que era pequeno apenas de nome porque o volume era considerável. Sentindo-me espremida arrisquei em ensaiar o meu melhor sorriso e disse-lhe:
- Desculpe o seu pequeno equídeo pagou bilhete?
Com um ar de surpresa a madame abriu mais os olhos. Apontei-lhe com o olhar a direcção da mala.
-Ah, desculpe está a incomodar?
Voltei a sorrir e disse-lhe:
- O meu jacaré também não pagou bilhete por isso o coloco no colo.
Deu uma gargalhada, sentia-se entre “tias” e portanto não levou a mal o reparo.
A questão dos bichinhos ficou  por fim  arrumada e lá prosseguimos viagem duma forma mais confortável.
Só me esqueci de lhe dizer que o meu jacaré era uma boa imitação comprada numa loja de chinês.
Enfim um mero pormenor, não é?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Post.it: Apenas um bote

Não quero um iate nem que seja lindo como o Queen Elizabeth, apenas um bote que me leve para longe. Não quero partir num cruzeiro para paisagens paradisíacas, apenas descer o rio em direcção ao mar, descer o mar em direcção ao nada.
Seja onde for, será o meu lugar, feito de silêncio. Só eu e o meu destino. Quantas coisas lhe quero perguntar. Num diálogo de quase meio século por fazer, mas só uma pergunta me surge dançando no pensamento:
- Onde me levas?
- Em frente. Responde.
Sim, bem sei, não se pode caminhar para trás recolher às entranhas e nascer de novo.
Timidamente torno a perguntar:
- Porque o amor não acontece?
- Está sempre a acontecer.
- Sim, mas um amor feliz onde está?
- Onde te levar o coração…
Desisto das perguntas, afinal, sei todas as respostas! Onde vou? Sigo a corrente.
Quando lá vou chegar? Depende: se vou usar os remos, ligar o motor ou deixar o bote deslizar.
Porque a vida é um “jogo” de múltipla escolha. A grande questão é acertar nela.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Post.it: Os futuros do futuro

Olho em frente, vislumbro em cada passo, um pouco de ti (futuro), um pouco de mim.
Do que sou e do que serei quando aí chegar.
Na bagagem levo a escola duma vida. Levo as ferramentas que me permitem
desbravar o futuro.
Mas que futuro? o que está no longínquo ou aquele que desejo?
Suponho que hajam muitos futuros possíveis num futuro que é o nosso.
Futuros encadeados, construídos pelas nossas opções, pelas nossas decisões.
Somos causa e consequência numa eterna inerência de acontecimentos.
Propostas que a vida nos coloca em cada momento.
Mas o futuro desejado, na maior parte das vezes não alcançado, é aquele que nos magoa
em cada revés, mas é igualmente o que nos faz erguer e continuar.
Este espírito de mar, esta necessidade de infinito, este medo de estagnação, leva-nos
mais além, à conquista do que julgamos ser nosso.
Angústias, fracassos, tristeza, são  o resultado das nossas elevadas pretensões, ambições, desejos, esperanças e expectativas.   Eis aquilo a que chamamos e idealizamos como futuro nos altos voos que nos fazem cair por terra. Quantas vezes me lembro da Efémera, aquele insecto,  espécie de borboleta  que  tem apenas 24 horas de vida. Nessas poucas horas ela tem de viver uma vida inteira: passado, presente e futuro. Quando o seu passado é o nascimento, o seu presente é amar e o  futuro  é o próximo segundo, o momento em que se reproduz e deixa  uma nova vida para encerrar um ciclo que se multiplica infinitamente.
Devíamos aprender com ela a viver o  hoje com a intensidade de quem não sabe se tem um amanhã.

Era uma vez: Sombra do passado

Esquecida de si e do mundo. Era assim que ficava muitas vezes ao final da tarde diante da luz quente do sol já baixo que ia desaparecendo e deixando sombras na paisagem de monte e mata. Na casa, grande mas aconchegante, tudo parecia calmo, no lugar e em paz. Assim pensava Rita. Porém, naquela tarde, mais uma vez, foi invadida pela velha sensação da dor que não acaba e se prolonga no tempo, traiçoeira, escondida, à espera de um momento, de uma oportunidade, de um pretexto para saltar e ferir, fazendo doer como da primeira vez, como de todas as outras vezes. Sentiu-a, surpreendeu-se e sobressaltou-se. Convencera-se de que a havia espantado definitivamente da última vez que aparecera, mas não. Afinal ainda não a vencera. Teria de lutar com ela mais uma vez.
Recordou os dias que fizeram nascer e alimentaram essa dor que teimava em voltar – aquela sensação de inquietação, de desmoronar de sonhos e esperanças, de temor e receio pelo futuro, de impotência perante uma força que não dominava nem poderia vencer, feita de egoísmo, irresponsabilidade, indiferença, traição e abandono.
Lutara contra ela e conseguira afastá-la cada vez por mais tempo. Tivera forças para vencer os sentimentos que a alimentavam, substituíra as razões da dor desses dias por outras de vida com alegria e esperança e, com isso, convencera-se que a vencera definitivamente. Mas não. Lá estava ela a provar que era forte e sabia esperar.
Rita aceitou esta visita com serenidade. Já a conhecia. Ficaria por alguns dias. Decidiu não lhe dar confiança nem espaço. Não lhe mostraria fraqueza. Afinal, já não havia lugar para ela na sua vida. Era apenas uma sombra do passado a que não daria confiança para encobrir a luz do presente. Limpou as lágrimas que lhe tinham inundado os olhos e voltou para dentro, para a sua vida nova. Mais uma vez, enumerou todos os novos caminhos que os dias de dor lhe tinham aberto e todos os projectos e concretizações, todas as alegrias a que esses caminhos a haviam conduzido. Não, já não havia lugar para essa dor na sua vida. Era apenas a sua sombra. E também essa haveria de desaparecer!
Retomou o trabalho e esqueceu que estava acompanhada.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Nada te perturbe

Que nada te perturbe...
Nem o vento soprando lá fora,
Nem o sol espreitando na janela,
Nem o galo que anuncia o dia.

Que nada te perturbe…
Nem a dor que não se vai embora,
nem a tristeza que se arrasta com ela
inundando todo o ser de nostalgia.

Que nada te perturbe…
Nem o momento da decisão,
Nem a palavra que se grita,
Nem o silêncio que tudo diz.

Que nada te perturbe…
Nem o bater do coração
Quando já nem ele acredita,
Que pode voltar a ser feliz.

"Nada te perturbe,
 Nada te espante.
 Tudo passa,
 A paciência,
 Tudo alcança"



Post.it: Daouda, outra vez!

Lembram-se do jovem senegalês?
Hoje veio ter comigo com um sorriso que o iluminava dos pés à cabeça. Nem precisei de perguntar. "Minha mamã vem. Elle sera avec moi dans trois semaines!"
Sorri com ele e, à falta de palavras, estiquei-me para lhe fazer uma festa no rosto, muito acima de mim. As lágrimas quentes molharam-me a mão. Lágrimas de contentamento e de alívio, lágrimas de saudade sengalesa sofrida em Portugal que vai fazer com que as três semanas lhe pareçam uma eternidade.
Admirei aquele jovem com mais de um metro e oitenta e alma de menino, meio perdido sem o colo da mãe. Isto diz muito dele mas, sobretudo, daquela mãe. Uma mãe de quem se sente a falta!
Vi-o afastar-se e pensei em quantos jovens como ele não valorizam a mãe que está sempre com eles e em quantas mães não sabem ser mães de quem se sente a falta.

Post.it: Em português nos (des)entendemos

Falar e escrever  é uma capacidade psíquica, mas é simultaneamente o conhecimento obtido pela aprendizagem dum código linguístico em que nos expressamos.
Devia ser simples, afinal todos nós aprendemos a falar nos primeiros anos da nossa infância. No entanto revela-se complicado, ou será que somos nós que complicamos? Quantas vezes queremos ouvir algo que surge expresso por outras palavras? O que nos leva a ficarmos presos no nosso impasse emocional não as conseguindo interpretar. Desta forma lá vai por água abaixo a teoria de Descartes que o “bom senso é a coisa mais bem distribuída”.
Mas como se não bastassem os obstáculos humanos,  que criam dificuldades na comunicação, constatamos que embora a língua seja a mesma, na maior parte das vezes vemo-nos  “gregos” para entender as outras pessoas e que  apesar da base do português ser o latim, quantas vezes sentimos que parece que falamos “chinês”?
Hoje em dia já falamos/escrevemos mais (brasileirês) do que português. Não bastando estas modificações, a que chamam a evolução da língua; a era moderna como o uso e abuso da escrita rápida de mensagens (sms) para dizer muito e escrever o mínimo, gerou um novo código que só alguns entendem, os outros sentem-se  infoexcluídos.
Como diz o povo na sua magistral sabedoria “o português é traiçoeiro”. Permitam-me que acrescente “atraiçoado”.
Por este andar qualquer dia estamos a comunicar em código Morse (… ---...) (sos).
E acabamos por ficar cada vez mais silenciosos e sós.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Post.it: Caminhos ou veredas?

Já que andamos a falar de nascimentos, alarguemos o âmbito da questão para nascimentos não só de vidas,  mas na vida:  nascimento de sonhos, de futuros, de esperanças.
Chamem-lhe o que quiserem. Prefiro entende-los como  projectos, caminhos que nos enchemos de coragem para iniciar ou reiniciar.
Muitas opções se nos colocam ao longo da vida: Partir do zero e encetar um novo percurso ou permanecer no caminho seguro por receio de arriscar?
Por vezes descobrimos que a   vereda  que escolhemos era realmente a estrada que devíamos seguir, mesmo quando foi difícil optar e lutar por ela. Encontrámos nessa via a nossa felicidade.
Outras vezes constatamos que esse não era para ser o nosso destino e torna-se difícil a decisão de sair da vereda e voltar ao verdadeiro caminho.
Nunca é fácil desistir dos sonhos que o coração sonhou. Quando tudo parece certo, exacto, como uma peça de puzzle  que encaixa perfeitamente no nosso âmago. De tal forma que esquecemo-nos de reparar nas arestas, aceitamo-las, mesmo quando estas nos magoam.
Das Veredas fica a lição que vamos e devemos regressar permanecendo inteiros, darmo-nos sim, mas sem nos perdermos de nós, do nosso referencial, da nossa auto-estima.
Dos Caminhos fica a aprendizagem que  cada vivência é antes de mais uma aceitação, de que houve um crescimento interior  e  que  depois da dor  é preciso voltar a renascer para novos caminhos.


Uma luz que se acende

O amor aparece sem avisar

Vai tomando conta de tudo:
do pensamento
do sentir
da vontade
do desejo
do tempo.

E transforma-se em tudo:
razão
e objectivo
caminho
e destino
sentido
e guia.

Sem amor a vida pode ser
confortável
segura
contente
sentida
vivida
mas…
…não é verdadeiramente vida!

domingo, 17 de outubro de 2010

Alegria pura

Traz no olhar um contentamento
e no sorriso uma terna alegria,
que ninguém consegue explicar.
É um sentir grande e diferente
que a faz sorrir e cantarolar.

Quando menos espera,
inunda-a essa felicidade,
como uma vaga formada em alto mar.
Começa a rolar de mansinho,
cresce e avança em direcção à praia
e, com grande estrondo, acaba por rebentar.

É assim o seu sentir.
Uma onda que a inunda de bem-estar.
Vem-lhe do mais íntimo de si,
nascida no pequeno ser que está a gerar.
Vai subindo devagar até ao peito,
cresce, agiganta-se em esperança
e desfaz-se num mar de ternura
e enche o seu novíssimo coração de mãe,
feita sonho de dádiva e promessa de futuro.

É daí que vem a alegria do seu sorriso,
é esse o contentamento que se lhe espelha no olhar.

sábado, 16 de outubro de 2010

Post.it: Birth

Não procuramos todos aquele útero perdido quando somos colocados no mundo?
Agarramo-nos ao cordão umbilical, choramos, implorando um regresso ao cosmos pacifico da nossa curta existência.
Apertamos aquele dedo que colocam na nossa mão aberta. É firme, quem sabe ele nos guie no nosso percurso pelo desconhecido.
Depois aquele colo que nos envolve num só abraço. Esse abraço-navio, que nos embala o adormecer. Junto a esse peito, porto de abrigo.
Paramos de chorar, os olhos são pequenos para ver tanta coisa em nosso redor. O entendimento é lento para compreender o que são e de quem são aqueles sorrisos que se nos oferecem.
E,  de repente, tudo começa a fazer sentido, a derreter as  nossas  ignorâncias  e a deixar-nos “ancorados" neste  universo feito de vida. É tempo de criar raízes de conquistar o nosso espaço, de gritar pelo almoço que demora ou a noite que é demasiado solitária, escura e longa.
Erguem-nos, convidam-nos a caminhar, temos medo, não queremos chegar sozinhos ao futuro, quando ele não é o amanhã, mas o passo seguinte.
Esta é a nossa história, a primeira de muitas fases da nossa vida recém-nascida.
Quando nos criam sonhos, quando nos inventam futuros.
- Tem ar de doutor, tem dedos de pianista e pés de nadador.
Sorrimos.
Dizem que são efeitos da lua, que  os bebés não sabem rir….?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Post.it: Amizades

Hoje, como habitualmente o pombo entrou na padaria. Presença assídua em cada manhã. Os racionalistas logo diriam, é o instinto de sobrevivência que o faz entrar. Mas não quero fazer essa análise, prefiro vê-lo como um amigo que vem cumprimentar e quebrar a rotina matinal.
Saí de lá a pensar na amizade, palavra cada vez mais banalizada e esvaziada de sentido. Muitas pessoas dizem ter 300 amigos no facebook, 200 no twitter e mais umas centenas no hi5. Pergunto, nesse total de "amigos" há algum a quem passam ligar quando precisam de desabafar? Não me parece, porque os bons amigos, os verdadeiros são poucos, na maior parte das vezes contam-se pelos dedos de uma mão. Mas valem mais do que os outros 500 que contabilizámos. Amigos leais, presentes e não virtuais. Aqueles que nos ouvem, que nos apoiam, que nos criticam quando erramos. Amigos perante os quais não precisamos de disfarçar as mágoas. Aqueles com quem podemos falar ou ficar em silêncio, porque até o silêncio eles entendem.
Porque há tão poucos amigos assim? Acusam como causa a sociedade, o stress, a competitividade, a desconfiança. Tenho bons amigos, não são muitos mas são de "qualidade". Pergunto-me porque permanecem, porque permaneço nesta relação de tantos anos? O que nos faz ficar imunes aos malefícios da sociedade? Concluo que não é esta que corrompe as amizades, é a ausência de carácter e de valores humanos. Em suma é o "coração" que lhes dá consistência e eternidade.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Post.it: Fragilidades


Somos frágeis como essa lágrima cristalina que cai dos nossos olhos.
Como esse fio de voz que reprime a emoção e a dor.
Como esse coração que bate dentro do peito no seu compasso aparentemente sereno.
Somos frágeis como uma flor, com a mesma delicadeza duma pétala e a singeleza do seu perfume. Uma fragilidade talvez  ilusória, afinal não  resiste a flor à chuva e ao vento, ao calor e ao frio do inverno?
Não se enganem,  porque não conhecem a alma guerreira que há em cada um de nós. Temos as nossas derrotas, dias em que as nuvens invadem o nosso horizonte, mas noutros dias fazemos a nossa revolução e tornamo-nos heróis na guerra contra o desânimo, o pessimismo, o desespero, a angustia da espera e a dúvida.
E quando a noite chega  adormecemos cansados pela luta mas felizes com a vitória.

Post.it: Anjos no meio de nós

Quem ainda não conheceu pelo menos um?
Sem asas e sem música, quase sempre sem alarde e com simplicidade e discrição, algumas pessoas, muito raras, entram na nossa vida e ela muda.
Com as suas palavras e gestos, pela sua forma de ser, reflectir e estar, esses anjos despertam em nós uma vontade grande de sermos mais verdadeiros nos nossos sentimentos, mais puros nos nossos anseios e mais correctos nas nossas atitudes do dia-a-dia. É como se acendessem uma luz que, de repente, nos faz ver tudo de outro modo, de outra perspectiva – a dos outros em vez de só a nossa. Com eles, damos um passo em frente, crescemos e isso faz toda a diferença para nós e para os outros.
Muitas vezes penso que é assim que se vai construindo o "céu" - aquele lugar onde todos pensamos em contribuir para que os outros sejam felizes e não apenas na nossa própria felicidade.
Na manhã deste novo dia, agradeço a presença destes anjos entre nós!
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Post.it: Moral da história

Hoje lembrei-me das histórias infantis de quando era criança, tinham um fundo moral e de auto-ajuda, muito diferentes das de agora, cujo intuito é distrair e divertir as crianças.
Recordei-me da história de uma menina que não tinha tempo para brincar porque tinha que fazer os TPCs, cuidar dos irmãos que naquele tempo eram à dúzia (não havia televisão) e ainda ajudar a mãe nas lides domésticas, ser criança era muito difícil. Então a menina entre lágrimas chamou a sua fada-madrinha, naquele tempo havia fadas que estavam sempre receptivas a ajudar sem ter de se fazer um requerimento e ficar em lista de espera. A fada-madrinha compreendendo a situação logo arranjou uma solução, enviou-lhe 10 duendes para ajudar a menina e assim esta ficar com tempo para brincar. Desta forma a menina ficou feliz e perguntou à sua fada-madrinha quem eram os duendes que a ajudavam, porque afinal nunca os via, embora as tarefas aparecerem feitas e com grande brevidade.
A fada-madrinha fez um sorriso e respondeu: - Os 10 duendes são os teus dedos que animados pela suposta ajuda começaram a trabalhar com alegria fazendo tudo rapidamente.
Hoje olho para os meus 10 duendes, afasto a preguiça e coloco-os a trabalhar com renovada energia. A minha fada-madrinha ensinou-me a lição.
Moral da história: A solução está dentro de nós.

Era uma vez: A viagem de Alice

Chegava sempre sem avisar e trazia presentes para todos, sem nunca esquecer ninguém. A sua figura alta e bem constituída parecia encher o pequeno apartamento com vista para a rua dos eléctricos, que passavam de longe a longe, num monólogo lânguido e comprido que nunca acabava. Sentia-se o cheiro a maresia, mas o novo prédio, comprido e alto, tapara por completo a visão do amplo estuário sempre animado pelo movimento de navios que chegavam e partiam, num vaivém de passagem e ânsia de outros mares.
Ele viera num desses navios e a sua vida era como a deles, sem cais fixo de ancoragem e sem amarras que o segurassem por muito tempo a terra firme. Mas regressava sempre, duas ou três vezes no ano, para abraçar a irmã e mimar os sobrinhos, cujos corações eram a sua única morada fixa. Os três miúdos viam nele o tio do mundo que lhes enchia o coração de novidades e sonhos e a casa de sinais e testemunhos de que, para lá do prédio alto, havia mais vida e mais gente. A pequena Alice era a que mais se apegara ao tio. Criara a ideia de que, um dia, haveria de partir com ele e, na preparação dessa viagem, passava horas a observar os postais e a imaginar vidas associadas às pequenas pedras exóticas, às estatuetas africanas, à palmeira anã da varanda, às peças de porcelana oriental, aos dois barquitos talhados em osso de baleia e a tantos outros presentes que enchiam a casa. Às vezes, até lhe parecia que o seu pequeno coração de oito anos sentia saudades desses longínquos lugares de que só ouvira falar. Queria partir, fugir do “monstro” de doze andares que a impedia de ver o rio a entrar no mar.
Agora, à distância de vinte anos, lembrava-se desses momentos e de como eles haviam influenciado a sua vida. Recordou o último regresso do tio que, dessa vez, chegara pelo fim da tarde e se sentara logo depois de os abraçar e antes de distribuir os presentes. O coração de Alice ficara triste sem que ela percebesse por quê.
– Desta vez, vou ficar mais tempo. Têm lugar para mim?
Um coro de vozes entusiasmadas, de palmas e saltos disse-lhe que havia sempre lugar para ele, em casa e no coração. Só ela ficara muda e queda. Entristecera-se por adivinhar que aquele navio já não ansiava pelo mar e talvez não voltasse a partir. Abraçou o tio e perguntou:
– Estás cansado de viajar ou já viste o mundo todo?
– Não, querida Alice, ainda não vi o mundo todo porque ele está sempre a mudar. Só tenho de ancorar por mais tempo que o habitual”.
– Não voltas a partir?
– Partirei, em breve. E verei um novo mundo que nunca vi e uma nova luz que muitos dizem que está para lá de todos os mares.
Os irmãos entusiasmaram-se com essa ideia. Só Alice compreendeu e, abraçando o tio, contou-lhe o seu segredo de imaginação e prometeu:
– Eu vou ver o mundo por ti e conto-te tudo, tudo. Não fiques triste.
E cumprira a sua promessa. Fizera-se mulher e partira. Vira o mundo com os olhos dela e um pouco com os do tio.
Mas, nas suas viagens e experiências, acabara por descobrir que o mundo não estava lá fora nem para além do mar. Encontrava-se ali, no seu coração; nos riscos que corria ao confiar em alguém, mais do que nos que enfrentara na floresta tropical; na alegria de conhecer quem ama e deixar-se encontrar, mais do que no encontro com gente de outros lugares; no desejo de viver e amar, mais do que na satisfação de traçar rotas e cruzar os mares.
Fora preciso partir e correr mundo para descobrir que, afinal, viajar é viver, ainda que não se saia do mesmo lugar. E viver é mais do que partir e regressar, é permanecer e sentir, é desejar fazer parte de alguém e deixar-se pertencer. Viver é chegar e ficar.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Post.it: A cidade de betão

A cidade feita de betão, o sol quer espreitar, iluminar , mas as ruas estreitas, o prédios altos
não o recebem com simpatia.
A cidade onde se olha para o chão como se procurássemos nele a resposta aos nossos dilemas existenciais. Ou talvez para não cairmos no primeiro buraco no passeio empedrado.
A cidade, feita de pessoas indiferentes a quem passa, não vê, não olha a solidão de cada um.
A cidade onde estranhas árvores crescem nos telhados, chamam-lhes antenas, parabólicas, etc.
A cidade onde as flores já não estão nos jardins mas nas varandas, como se fossem pequenas lembranças de grandes espaços floridos onde as crianças corriam. A cidade, há quem já lhe chame selva, pela desorganização espacial, pela turbilhão de carros e buzinas, ou pela pressa das pessoas que ao passarem chocam com outras que  não perdem tempo a redimir-se do contratempo.
A cidade com os seus contrastes, aqueles retratos pitorescos que nos fazem parar e olhar, por vezes até sorrir. O cão que puxa o casaco do menino, a dama jet sete que deixa cair os papeis que tinha organizado para a reunião e a dificuldade em conseguir baixar-se para os apanhar devido à justeza da micro-saia. Que dizer então daquela avó que leva os netos para a escola, todos de mão dada, continuamente a contá-los, há sempre um que falta, porque se escondem na brincadeira com a idosa. E os jovens estudantes caminhando  desengonçados com as calças a cair lá vão sem pressa para a escola, parecem felizes.

Cidade, que fazer, se acabamos por gostar de ti? mesmo feia, mesmo suja e barulhenta, mesmo feita de betão, há vida palpitando por essas ruas, em cada janela e crianças brincando nelas.
Habituamo-nos, adaptamo-nos e aprendemos a ver-lhe a recôndita beleza.
 E quando as árvores já não puderem nascer por entre o alcatrão, terão sempre onde crescer. Porque a vida nasce e cresce onde houver amor.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Era uma vez: Tempestade

As nuvens carregadas e cinzentas e o vento que faz remoinhos e dobra as pequenas árvores da rua estreita e empedrada, anunciam tempestade. Deixo-me ficar à janela presa pelo movimento e pelos rasgões de luz que, de longe a longe, iluminam o céu. O ribombar é ainda tardio e longínquo. A chuva começa a cair com pingos fortes e grossos e rapidamente se transforma em aguaceiro intenso. Num instante, a água enche as bermas e inunda a calçada, formando um pequeno rio que escorre cada vez com mais força e ameaça galgar o passeio. O som da água a cair e a correr rua abaixo parece música que nasce do seu movimento e se apega ao ouvido, colando-me os olhos à janela. Olho mais longe, para onde a rua começa e, recortada na luz do relâmpago ainda silencioso, desenha-se a figura de alguém que caminha devagar e tranquilamente, como se estivesse bom tempo. Fico presa ao seu caminhar e, à medida que se aproxima, vejo que é uma criança, um rapazinho quase franzino que enfrenta a rua de olhar erguido e parece dizer à chuva e ao vento que nada podem contra a sua camisola molhada e os seus pés descalços. Sim, pés descalços! Os ténis vêm na mão esquerda.
O meu coração preocupa-se e espero que chegue à frente da minha janela para o chamar e lhe dizer que saia da chuva e do frio, que fuja da trovoada cada vez mais próxima e ameaçadora. Mas não consigo dizer nada. O seu passo é seguro e firme, o seu olhar está repleto de certeza e decisão, a sua atitude é a de alguém que sabe o que quer e aonde vai.
Passa por mim. Pára e volta-se para a janela. Olha-me nos olhos. Um olhar límpido e seguro que penetra, questiona e dá paz. A preocupação abandona-me e desisto de o convidar a entrar. É ele que me diz só com os olhos: “Vem! O conforto não é tudo! Há tanto para descobrir e conquistar! É um aguaceiro e uma trovoada que te vão impedir?” O olhar é uma luz que ilumina sem encandear e descubro nela a força e a vontade de caminhar, construir e viver. Nada, nem chuva, nem vento ou tempestade o demoverão ou impedirão de ir e procurar e alcançar.
Fico sem palavras, presa da força e da certeza daquele olhar que já não me parece real e é a única luz na rua que, de repente, ficou escura e quase assustadora. Ele não espera por mim. Sorri, como se dissesse “não tenho frio nem medo e a chuva não molha mais que o corpo”. Faz um gesto de adeus e continua rua abaixo, em direcção à sua certeza. Desaparece na curva, com os pés nus no riacho que continua aumentar e já inunda o passeio. A trovoada está agora mesmo por cima de mim. E eu não sei se foi verdade o que vi ou apenas imaginação. Mas sei que a tempestade deixou de ser desculpa para temer. Afinal, há quem a enfrente, quem não desista de caminhar e viver mesmo no meio dela. A rua iluminou-se e voltou a desaparecer na escuridão e eu já não tive medo.

Post.it: Uma tarde com Chopin e Beethoven

O dia entardeceu ao som de Chopin, este compositor deixa-me sempre a sensação  de que a sua música é um tilintar de chuva sobre a vidraça. Um convite para fechar os olhos e sonhar, com o conforto duma lareira, o  aconchego dum sofá, um livro, eterno amigo e fiel companheiro, enquanto que Chopin desliza pelo ar, acaricia os sentidos  e acalenta as emoções.
As palmas despertam-me do quadro em que mergulhei. Beethoven faz a sua entrada triunfal, volto a sonhar, não sei porquê mas a música clássica tem esse efeito em mim. Esta ganha forma, cor e cheiro, Beethoven leva-me para longínquas paragens, para um mar agreste, as ondas erguem-se ameaçadoras, os marinheiros lutam numa luta desigual contra a força da natureza, são momentos fortes, de notas apoteóticas, os instrumentos desenham a luta dos elementos. Depois vem a calma, a bonança, as notas adquirem  uma doçura com sabor a cansaço e a triunfo enquanto  me embala como se fosse um barco a navegar. Passado esse momento, as notas voltam a subir de tom, é o momento de festejar a vitória e a sobrevivência, num crescendo a música parece dançar à minha volta.
Adorei, mas faltou-me Bach, sinto sempre a sua ausência quando ele não está no programa. Bach, está-me no coração, a sua música lembra-me andorinhas, no seu voo irrequieto, na sua fragilidade e doçura, deixando-me a sensação duma partida e a promessa de um novo regresso. Que me perdoem os entendidos em música clássica estes esvoaçantes devaneios…

Post.it: O que é a verdade?

Qual verdade? A tua a minha? Há tantas verdades.
Seria simples se a verdade fosse sempre e unicamente a manifestação do nosso sentir.   Mas nem sempre isso acontece, a verdade é que na maior parte das vezes é um instrumento usado de uma forma benevolente ou agressiva. Quantas vezes a verdade é omissa por delicadeza para com outrem ou por medo de se revelar? Quantas vezes nos atiram verdades como se fossem pedras que nos atingem e magoam o coração?
Há verdades a que chamamos “meias verdades”, a essas digo que “para bom entendedor meia (verdade) basta”. Mas será que conseguimos ver a outra metade? Claro que sim! A questão é que na maior parte das vezes não queremos essa verdade, porque o nosso âmago idealiza e chega a acreditar numa outra.
Há quem diga que certas pessoas não têm uma verdade única, hoje dizem uma coisa, amanhã dizem outra.
No entanto a verdade é única, essa pessoa não se decide, porque provavelmente não tem coragem para levar por diante a sua verdade.
Eu resolvo a questão de uma forma rápida e eficiente. A forma é encarar a verdade como se fosse um penso rápido: coloca-se sobre a ferida para a curar ou então arranca-se rapidamente para doer tudo de uma vez e começar a sarar o mais cedo possível.

domingo, 10 de outubro de 2010

Post.it: O que o amor nos faz

Não sei se é química, se é física, se começa por ser uma paixão e permanece como um amor firme. A verdade é que entra em nós e nos atinge como se fosse uma flecha. Talvez enviada pelo Cupido, esse pequeno deus que tem má pontaria mas bom coração. A verdade é que dói, já Camões o dizia "É ferida que dói e não se sente..."É dor que desatina sem doer". Mas é uma dor boa, como se fosse possível alguma dor ser boa, dizem de imediato os cépticos!
Esse sentimento que aumenta o sentido da palavra saudade, saudade no reencontro, do abraço que sentimos como porto de abrigo, como lar onde descansamos o coração.
O dia ilumina-se mesmo que seja Inverno, as flores renascem mesmo que seja Outono. No rosto desenha-se um sorriso constante, no olhar há uma calma e doçura que não havia antes. O antes mostra-nos uma vida vazia, sem rumo e sem sentido, como se só o amor trouxesse longínquos segredos de maravilhas nunca vistas. O corpo ganha uma energia que aligeira os passos, estes já não caminham, correm, correm para o infinito. A distância, seja ela qual for, não tem significado quando a alma voa na ansiedade da completude, no derradeiro momento em que duas almas se unem tornando-se uma só. Talvez seja por isso que se chama alma gémea. Mas afinal que nos faz o amor? Revela apenas o que temos cá dentro, desperta as emoções até então presas no racionalismo.
E de  repente: "transforma-se o amador na coisa amada"
Porque: "O amor vai até onde os sonhos conseguem chegar. O amor faz tudo aquilo que alguém decide acreditar".
Mas um dia, há sempre um dia em que descobrimos que: "gosto de ti não pelo que és mas por aquilo que sou quando estou contigo".

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Post.it: Yesterday

Vivia-se de sonhos, se uns se esfumavam, logo outros surgiam no seu lugar.
Vivia-se de amores, aqueles que eram eternos enquanto duravam, mas que eram rapidamente substituídos por outros.
Vivia-se ao ritmo borbulhante das hormonas que nos conduziam ao topo da montanha e cair logo a seguir. Mas nada nos derrubava, sabíamos que havia sempre um amanhã à nossa espera.
As dores doíam menos porque tudo nos parecia infinito, como se o destino tivesse sido escrito por um argumentista generoso que nos tirava um pouco para nos dar muito mais a seguir. Tínhamos sempre certezas nessas incertezas que nos fazia crescer a adrenalina. Adormecíamos a sorrir desejando que o dia seguinte viesse rapidamente, ansiosos que estávamos pelas suas surpresas.
Hoje os sonhos são conquistados com esforço e nem sempre se realizam.
Hoje os amores ao partirem deixam-nos sem chão, sem céu, sem ar.
Hoje as dores doem muito mais e quando chegam parece que não querem partir.
Hoje o nosso escritor do destino parece não ter a mesma inspiração para nos oferecer um percurso mais suave e doce.
Hoje as hormonas já não dão ritmo à vida mas sim o coração que tentamos escutar e compreender.
Hoje a única certeza é que temos o hoje e que o amanhã será a continuação do que fizemos ontem.
Por isso temos que fazer com que esse Ontem seja bom para melhorar o Hoje e nos trazer um perfeito Amanhã...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O tempo do contra

Se queremos que o tempo corra,
ele anda devagarinho,
e obriga-nos a esperar.

Esperar é difícil
custa sempre muito:
o autocarro que não chega,
a carta ou o mail que não se recebe,
a vez que nunca mais é a nossa,
o tal dia que teima em tardar.
Oh! Como custa esperar!

E, quando se espera por alguém,
então ainda é pior!
Nunca mais vem?!
Por que demora?
Que lhe terá acontecido?
Será que me esqueceu!?
Que ansiedade,
que sobressalto!

Se desejamos que alguma coisa dure,
parece que o tempo corre, até voa!
E obriga-nos a apressar!

O dia do exame vem tão depressa,
que nem conseguimos estudar!
As contas que traz o carteiro
todos os dias chegam sem faltar!
A festa, demoramos tanto a prepará-la
e acaba mal começamos a festejar.
Esgotam-se as horas do desejado encontro,
voam, nem dá bem para as saborear!

E, quando olhamos para trás,
para a vida que já vivemos!?
Então, ainda é pior!
Como passaram tantos anos?!
Quantos terei ainda para viver?
– Por favor, tempo, passa devagar!
– Não sou eu! Eu não passo nem voo!
É a tua vida que teima em se apressar!