quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Era uma vez: Sombra do passado

Esquecida de si e do mundo. Era assim que ficava muitas vezes ao final da tarde diante da luz quente do sol já baixo que ia desaparecendo e deixando sombras na paisagem de monte e mata. Na casa, grande mas aconchegante, tudo parecia calmo, no lugar e em paz. Assim pensava Rita. Porém, naquela tarde, mais uma vez, foi invadida pela velha sensação da dor que não acaba e se prolonga no tempo, traiçoeira, escondida, à espera de um momento, de uma oportunidade, de um pretexto para saltar e ferir, fazendo doer como da primeira vez, como de todas as outras vezes. Sentiu-a, surpreendeu-se e sobressaltou-se. Convencera-se de que a havia espantado definitivamente da última vez que aparecera, mas não. Afinal ainda não a vencera. Teria de lutar com ela mais uma vez.
Recordou os dias que fizeram nascer e alimentaram essa dor que teimava em voltar – aquela sensação de inquietação, de desmoronar de sonhos e esperanças, de temor e receio pelo futuro, de impotência perante uma força que não dominava nem poderia vencer, feita de egoísmo, irresponsabilidade, indiferença, traição e abandono.
Lutara contra ela e conseguira afastá-la cada vez por mais tempo. Tivera forças para vencer os sentimentos que a alimentavam, substituíra as razões da dor desses dias por outras de vida com alegria e esperança e, com isso, convencera-se que a vencera definitivamente. Mas não. Lá estava ela a provar que era forte e sabia esperar.
Rita aceitou esta visita com serenidade. Já a conhecia. Ficaria por alguns dias. Decidiu não lhe dar confiança nem espaço. Não lhe mostraria fraqueza. Afinal, já não havia lugar para ela na sua vida. Era apenas uma sombra do passado a que não daria confiança para encobrir a luz do presente. Limpou as lágrimas que lhe tinham inundado os olhos e voltou para dentro, para a sua vida nova. Mais uma vez, enumerou todos os novos caminhos que os dias de dor lhe tinham aberto e todos os projectos e concretizações, todas as alegrias a que esses caminhos a haviam conduzido. Não, já não havia lugar para essa dor na sua vida. Era apenas a sua sombra. E também essa haveria de desaparecer!
Retomou o trabalho e esqueceu que estava acompanhada.

3 comentários:

  1. Anónimo20.10.10

    às vezes as nossas "sombras" tornam-se a nossa segunda pele e começam a fazer parte do que somos

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  2. Anónimo20.10.10

    Sombras do passado quem as não tem? Um psicólogo pode ajudar. Mas um amigo vale muito mais. Com o tempo desaparecem de vez. Sei porque já fiz desaparecer algumas. Acredita e continua a sonhar!MJ

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  3. Anónimo20.10.10

    Ainda sou novo para ter sombras do passado. Mas parece-me que a Rita da História vai vencê-las. Abaixo as sombras! Viva a luz!

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