segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Era uma vez: No reino mágico das fadas (1)

Num dia sombrio, há muito, muito tempo, numa terra longínqua do reino mágico das fadas, nunca visitado pelos humanos, Marbel bocejava e olhava aborrecida para as paredes ancestrais de pedra corroída pelo tempo e pejadas, aqui e ali, de musgo e líquenes de cores baças e apagadas.
Estava a aproximar-se o final do seu exílio social, que durava quase há um século e que havia sido decretado como castigo pelo seu acto irreflectido e irresponsável que quase custara a independência do reino mágico das fadas.
Marbel lembrava-se bem desse dia. Quisera pôr à prova os seus poderes mágicos longe da vigilância da sua mãe e aventurou-se a um voo rasante sobre as águas frias e profundas do lago até à ilha dos seres brilhantes.
Saboreara sofregamente a emoção de transgredir a regra que impedia todas as fadas de transpor a linha de espinheiros que rodeava as margens do lago.
Sentira com grande prazer a frescura das águas a passar velozmente sob o seu corpo esguio e esbelto, liberto do peso gravitacional por efeito da magia dos desejos. O seu vestido brilhante e vaporoso reflectia as cores fantásticas do lago e projectava-as na névoa ondulante que pairava sobre as águas.
Muitos seres do lago tentaram barrar-lhe a passagem, mas ela vencera-os facilmente. E conseguira chegar ao seu objectivo.
Sabia que tinha sido egoísta e que, com isso, pusera em perigo todos os que amava, mas bem lá no fundo, no seu íntimo, nunca se arrependera verdadeiramente da leviana aventura que a levara ao misterioso reino dos magos do lago das mil cores.
...................
Continua

Post.it: O guardador de lágrimas

Olhei e li no seu rosto outonal, folhas secas a cair. Caiam secas porque já esgotara as lágrimas. Ofereceu-me um sorriso tímido, apontou um lago triste e disse-me: “Guardo-as ali, são a minha história. Memórias desvanecidas. Venho visitá-las, já não sei contar o que as causou mas sei que foram muitas, o suficiente para encher este lago.”
“Fico feliz quando vejo as crianças a brincar com elas, sinto que elas se riem depois do muito que foram choradas. Já foram muitas mais mas o sol já levou algumas que a chuva deste inverno irá devolver.”
Parece cansado, as palavras arrastam-se como que  arrancadas a um peito ofegante. Pega numa folha amarela que lhe caiu sobre os ombros vinda da árvore que lhe serve de sombra. Ergue-a como se pesasse muito para a sua mão quase sem forças. “Sabe? sinto-me assim, como esta folha, seca e sem vida. Mas depois sinto que ainda tenho que esta missão que a vida me deu, guardar estas águas até ao dia em que elas deixem este lago e se transformem numa nuvem. Só então posso partir, porque todas as minhas dores se tornaram leves.”
De vez em quando ainda o vejo por lá, limpando o seu lago, limpando as suas lágrimas. Está cada vez mais triste e o lago cada vez mais seco. Quem sabe realiza o seu desejo e transforma o seu sofrimento numa leve nuvem?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Post.it: O nome da nossa história

Tudo ganha um aspecto mais real quando tem nome e o podemos chamar de nosso. Se não for a nossa história, seremos nós a pertencer à história, a perdermo-nos na sua  dimensão avassaladora, tornando-nos seres anónimos.
De um momento para o outro passámos pela vida com a sensação de que a vida apenas passou por nós. E um dia de mãos vazias: o passado é apenas uma sombra, o presente  um vazio e o futuro uma miragem. E tudo isto porque não quisemos dar à nossa vida um nome. Não soubemos construir o nosso enredo, entrámos comodamente no enredo dos outros e tentámos que fosse o nosso, porque queríamos ser a continuação da sua história. Observámos os personagens, modelámo-nos a eles e não criámos novos. Porque temos medo de novidade. O passado mesmo doloroso já sabemos que lhe sobrevivemos, o presente que vamos vivendo são escadas que subimos e descemos consoante os dias. Não escolhemos a direcção. Quantas vezes em cada novo ano pensamos construir um melhor futuro? Mas rapidamente desistimos adiando para o dia seguinte. Afinal temos 365 dias para reescrever a nossa história. E de adiamento em adiamento, quando damos conta estamos na vésperas do ano seguinte, entre o susto e o imediato conforto, sorrimos, tudo bem, temos mais 365 dias pela frente.
Não, esta não é uma história de desistentes, de acomodados, cuja história teria como titulo: Quem sabe um dia?.
Congratulo-me daqueles que conquistam o amanhã. O que seria do mundo sem pessoas apaixonadas por pessoas, projectos, causas, ideais? 
O que seria do mundo sem aquela força que nos leva a dizer: Sou um vencedor!
E este seria o nome da sua história.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Post.it: Vidas desencontradas

Quanto tempo passou desde a última vez que esteve naquele café? Anos, muitos anos. Uma nostalgia levou-a a revisitar aquele lugar. Sentou-se na mesma mesa, não sabe dizer se está tudo na mesma ou se mudou, naquele tempo só tinha olhos para ele. Nada mais existia em redor. Observa os clientes, rostos desconhecidos, não, não são todos desconhecidos, o coração acelera-lhe dentro do peito, ele também está ali.
Terá sentido aquela mesma saudade? Os cabelos branquearam, o rosto murchou como uma flor de longínqua primavera. Sorri, um sorriso cansado, enquanto fala com 2 crianças, os netos por certo. Filhos dos filhos que teve com outro amor. Será feliz? Numa réstia de mágoa, deseja que não. Mas o que lá vai, lá vai, pensa. Sabendo que com ele não voltaria a ser feliz mesmo que o passado voltasse. Não depois de ele ter traído o amor deles, de lhe ter quebrado o coração e destruído todos os seus sonhos duma felicidade infinita. Só então percebeu que ele lhe mentira, que fora apenas uma emoção e nada de verdadeiramente perene. Saiu do café, caminhou sem pressa, surpreendida com a indiferença que ele lhe provocou. A saudade de um amor a que se agarrara a vida inteira, tinha-se diluído naquele instante. Por momentos reflecte em como tudo é efémero, até o amor mais profundo feito de uma entrega total. A saudade nunca foi boa conselheira, agora sabe ele já não existe no seu coração e que é tempo da voltar a amar.
Observo-a, primeiro no café, onde sou um dos muitos rostos desconhecidos, vejo a sua palidez ao reencontrá-lo, vejo-a sair meio em fuga. Depois na rua, vejo que parou no passeio contrário. Sente-se mais segura para pensar e compreender o que sente. E de repente como se tivesse tomado uma decisão, passa a mão pelo cabelo, esboça um sorriso e avança com os passos firmes de quem reencontrou o caminho. Ela só não viu a lágrima fugidia que ele limpou de imediato com a mão. Que pensamentos, que sentimentos? Sabe-se lá quantas vidas desencontradas que andam por aí…

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Post.it: Cumplicidades

Na mesa do café a conversa surgia fluida entre duas amigas, o assunto era superficial, mas ambas sabiam que no ar pairava alguma tensão. Sorriam como que para esconder as preocupações. Até que houve um silêncio. Não era constrangedor, sabia a intimidade, a delicado respeito. “Então” disse uma delas ganhando alento e rompendo o silêncio. “Como tens passado?”. Não houve uma resposta imediata, era-lhe doloroso falar e no seu intimo sentia balouçar a dúvida: Será que devia abrir o seu coração ou desvalorizar a situação? Afinal, quantas pessoas perguntam algo só por perguntar, sem estarem realmente interessadas numa resposta. É só para fazer conversa, preencher o momento, ou ainda, porque têm a leve esperança que esteja realmente tudo bem, cansadas do stress diário, devem estar fartas de tantas queixas e lamechices, pensou.
Durante aquele diálogo interior que parecera longo mas que durara apenas uns breves segundos. A outra manteve a expectativa duma resposta.
Olharam-se nos olhos. Entenderam que a amizade que as unia ia para além das superficialidades, que o interesse era sincero. Dissiparam-se  as dúvidas, queria falar, precisava de falar, mas as palavras não saíam, como se uma mágoa infinita o impedisse.
Umas mãos aconchegaram as suas, num gesto de compreensão e firmeza, como se lhe dissesse “Não precisas responder agora, sei o quanto estás a sofrer”.
Então sorriram. O sorriso é sempre uma solução eficaz enquanto não se encontra outra.
Pegaram na chávena de café, beberam um pequeno gole e sentiram o conforto que vem da cumplicidade. Falaria certamente, noutra altura, quando a dor doesse menos.

Post.it: Projectos com futuro

Fazer projectos, desejar o possível e o que, às vezes, parece impossível e acreditar que tudo pode tornar-se realidade. Trabalhar, empenhar-se na concretização desses projectos, um dia a seguir ao outro e ao outro e ao outro… dias sempre preenchidos de esforço, de paciência, de avanços e recuos, de entusiasmos e desalentos, de alegrias e lágrimas, mas sempre, sempre dias cheios de convicção, de confiança, de empenho e de esperança. É assim que começa e se constrói o futuro, o nosso futuro, aquele que desejamos e o que nos é oferecido por acréscimo, como fruto de um investimento de entrega, perseverança e generosidade.
Eu acredito no futuro, no que quero construir para mim e para os que mais amo, e também no futuro que me há-de ser oferecido, com tudo o que trouxer de bom e de menos bom, na certeza de que ele depende muito de mim, do que eu sentir e fizer, mas sobretudo daquilo que souber esperar e for capaz de dar.
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Post.it: A criança que fomos

Todas as manhãs ainda o sol mal se debruçou sobre o planeta, já vejo aquelas crianças de colo, que as mães transportam com passo acelerado. Têm o olhar adormecido mas mesmo assim ainda esboçam um sorriso para o vizinho de viagem num metro apinhado de gente. Têm o rosto afogueado de tanta roupa, está frio neste  topo de inverno. Vão para o infantário uma rotina a que já se habituaram desde muito cedo. É para lá que vão todos os dias sem excepção, faça frio ou calor. Ainda bem que existe o fim-de-semana para se aconchegarem na cama quentinha e sonharem que se esqueceram de os obrigar a levantar. Passados uns anitos entram na escola, depois outra escola e noutra ainda, e quem sabe em quantas mais. Dizem que é bom aprender, mas a verdade é que se esqueceram de os avisar que já não podem brincar porque só há tempo para os tpc(s).
Quando a escola termina, arrumam-se os livros no armário. Sentem-se livres para fazer o que lhes apetecer, para gerir o seu tempo e ocupá-lo apenas nas coisas que gostam. Ou talvez não. Chegou a altura de arranjar emprego e voltar a acordar cedo, entrar no metro apinhado de gente e carregar aquele bebé que agora é o seu.
Quando é que podemos brincar? pergunta em nós  a criança que fomos.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (11)

St James's Park - Londres
O sorriso bailava-lhe no rosto e nos olhos e estendia-se com as asas que trouxeram João de volta à sua varanda e à sua cadeira, onde já não se sentia prisioneiro.
Voltara mesmo a tempo do lanche. A mãe veio com o habitual tabuleiro cheio de mimos para o filho e com a pequena taça de sementes para o seu amigo rouxinol. Notou a diferença no sorriso de João. Beijou-o satisfeita mas não comentou, por medo que o brilho se apagasse. A antiga expressão de alegria e confiança voltara ao rosto do filho e encheu de esperança o seu coração de mãe.

Anos mais tarde, no mesmo canto da mesma varanda, João olhava o parque, agora renovado e com novos equipamentos e acessos que permitiam a todos percorrê-lo e usufruir dele livremente, até aos que andavam sobre rodas, como ele. Nunca quisera abandonar aquela casa, mesmo depois de ter casado. Os pais tinham-se mudado para um apartamento mais pequeno, relativamente perto. Ele ficara na casa onde crescera e onde ganhara asas e aprendera a voar. Acreditava que ali os sonhos seriam sempre objectivos possíveis de alcançar. Pensava nisso quando Inês, agora mulher feita, veio juntar-se a ele e se sentou a seu lado. Mantinha ainda o olhar directo e o sorriso franco e aberto, que inspiravam confiança, e continuava corada e com o mesmo entusiasmo pela vida, sempre espelhado no rosto.
“As miúdas sossegaram, finalmente! Estavam a cair de sono, mas não queriam fazer a sesta.”
“Estão entusiasmadas com a perspectiva da chegada dos amigos. Eu também mal posso esperar que o Tiago e o Hugo cheguem!”
“Não falta muito. É pena que tenham ido morar para tão longe de nós!”
“O trabalho assim obriga. Pelo menos estão os dois perto um do outro e a trabalhar em parceria em projectos que os entusiasmam e que permitem melhorar a qualidade de vida de muita gente.”
“Nisso têm sorte. E a nossa amizade é mais forte que algumas centenas de quilómetros.”
“Tenho muito orgulho em ser amigo deles, sobretudo pelas pessoas que são, mas também pelo trabalho que desenvolvem e por tudo o que têm conseguido em favor da mobilidade das pessoas com deficiência.”
“A tua amizade é que os incentivou, ainda no tempo da faculdade. Foram os projectos que desenvolveram a pensar em ti que lhes deram visibilidade e, de certa forma, os empurraram para o que fazem hoje.”
“Cada vez me convenço mais de que tudo o que aconteceu quando éramos jovens não foi por acaso. Parece que há uma intenção global por detrás de tudo na nossa vida, como um plano semi-definido que nós podemos alterar em muitos aspectos e fazer resultar ou falhar, dependendo da forma como vivemos a vida.”
“Talvez tenhas razão. O que sei é que, até agora, nós soubemos fazê-lo resultar, não achas, meu amor?”
João não respondeu e ficou a olhar Inês, a lembrar-se da época em que quase tinha medo de lhe dizer que a amava. Acabara por ser a ela a tomar a iniciativa. Amara-a mais por isso. E amava-a ainda, com um amor mais calmo mas muito mais profundo.
“João, estás outra vez a olhar para mim com esse teu ar que me encanta! Continuas a tê-lo e é cada vez mais bonito!”
“Tu é que és cada vez mais bonita, minha querida!”
Os olhos encontraram-se e atraíram os lábios. Num longo momento, disseram tudo o que sentiam e que nascia, sobretudo, do muito que os unia e que ambos haviam construído e desejavam construir ainda.
Aperceberam-se que não estavam sós. As gémeas olhavam-nos a esfregar os olhos. Já tinham três anos e eram duas meninas muito bonitas, com as faces coradas e o belo sorriso da mãe. Do pai tinham herdado a cor do cabelo e o ar sonhador dos olhos.
João olhou para as filhas que lhe treparam para colo. Sentou uma em cada perna e sentiu-se o homem mais feliz do mundo!
Fizera-se homem e, com Inês, construíra o futuro, dele e da família. Conseguira mais do que isso. Aprendera a sonhar, a esperar da vida tudo o que ela pode oferecer. Abrira vezes sem conta as suas asas para voar e conquistar a possibilidade de ser feliz, mas levara também asas a outros que, como ele, as haviam perdido. Hoje, do alto da sua varanda, via um mundo diferente, no parque, nas ruas e passeios que o circundavam, nos edifícios que avistava e um pouco por toda a cidade, onde as alterações introduzidas ao longo dos últimos anos, muito em resultado do trabalho dos amigos e do seu esforço, haviam criado uma nova liberdade para todos.
Da sua varanda podia agora observar um mundo com mais portas abertas e mais caminhos com saída. Orgulhava-se de, com os amigos, ter contribuído para isso. Porém, no seu íntimo, sabia que fora o pequeno rouxinol que lhe tinha aberto as asas e o coração para essa vida em que ele quase deixara de acreditar. Agora, à distância de vários anos, habituara-se a pensar que aquele amigo, tão diferente como especial, fora um anjo que apenas ficara o tempo necessário, só até ele compreender que o verdadeiro sentido da vida está naquilo que somos, no que sentimos e no que estamos dispostos a fazer por nós e pelos outros e depende muito mais da esperança e do amor que temos do que das situações que vivemos. Elas são a base do plano que cabe a cada um completar, descobrindo os rumos que quer seguir e mantendo-se fiel ao que quer alcançar.

Fim

Faz-me acreditar

Faz-me acreditar,
Que o sol vai voltar.
Que o inverno vai terminar,
E que esta nuvem vai passar.

Faz-me acreditar,
Que o vento ao soprar,
Não é dor a murmurar
Que veio para ficar.

Faz-me acreditar,
Que a tristeza é leve,
Tão leve que há-de voar,
Num tempo muito breve.

Faz-me acreditar,
Que um dia vou ter
A capacidade de lutar
Para o passado esquecer.

Faz-me acreditar,
Que por fim vou sentir
Na ligeireza do ar
Toda a mágoa partir.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

post.it: A escrita

Escrevo, desde que descobri que unindo algumas letras conseguia formar uma palavra e que um conjunto de palavras construíam uma frase. Descobri que cada frase ganhava autonomia e voz. Que adquiria sentido, que desenhava caminhos, que gerava ideias. Continuei a rabiscar as folhas, sentia-me dona das minhas palavras, mas tal como um filho concebido num momento de êxtase, elas nasceram, cresceram e hoje sinto que voam para além do meu alcance e domínio. Tenho saudades das sílabas que juntava e descobria nelas objectos do meu quotidiano. Sinto a nostalgia dos arabescos saídos duma esquerdina que se afirmava numa sociedade de destros. Hoje todas as letras são iguais, fazem parte dum padrão estabelecido: Arial, times new roman ou courier, tamanho 12, espaçamento 1,5 linhas, justificado. A escrita mecanizou-se. Já não importa a forma, já ninguém liga para as florinhas que desenhava nos cantos do caderno escolar, nem para as folhas duma brancura imaculada.
Continuo a escrever, adaptando-me às inovações. Continuo a escrever porque quando tudo se torna igual, a diferença exige maior dedicação e empenho e um cada vez maior coração.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Post.it: Devedores do futuro

“Somos anões aos ombros de gigantes”. Esta frase tem-me acompanhado ao longo da vida. Recordando-me que quando aqui cheguei recebi o conhecimento dum longínquo passado histórico. Sinto que esta frase encerra muitas lições, muitas lutas, um imenso caminho de vitórias e derrotas. Por todos aqueles que ficaram no passado e nos permitiram chegar ao presente, somos devedores do futuro perante as próximas gerações. Esses a quem vamos passar o testemunho de responsabilidade para com novos futuros. Somos os herdeiros de quem nos precedeu, mas somos também um crescente de múltiplas aprendizagens. Por eles temos o dever de deixar a marca da nossa presença, e o contributo da nossa geração para a que lhe há-de suceder. Quantas vezes nos questionamos, sobre o que estamos aqui a fazer, qual o nosso papel na vida e na história da humanidade? Talvez seja essa a nossa função, sermos os guardiões da nossa cultura e os transmissores dos valores humanos. Porque o recebemos do passado, somos a ponte, devemos também isso ao futuro.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O teu nome

Teu nome que é meu exílio
Em que fui ancorado navio
Quando te chamei liberdade
Teu nome foi-me tempestade.

E eterna nessa espera
que sonhava primavera.
Diluíam-se lentas as horas
Nas tuas longas  demoras.

Enquanto espero partem veleiros
e eu ganho coragem de marinheiros
Traço nos dias tão longos véus
que cobrem de noite os vastos céus.

Feito de tantos nomes sentidos
clamados por horizontes perdidos
Labirintos por onde a alma andou
em busca do eco que te chamou.

Se me ouvisses, o murmurar
fugidio num som de mar.
Virias, sim, sei que virias…
E ficarias, sei que ficarias…

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (10)

Parque da Cidade - Porto: o maior parque urbano do País
Sobrevoaram mais uma vez o parque e sentiram o seu movimento, ouviram os seus sons, ruídos e musicalidade naturais, aspiraram os cambiantes dos seus cheiros e perfumes, observaram a vida que nele encontrara o seu habitat e a que todos os dias por ele passava e nele encontrava espaço de distracção, descanso ou reflexão. Lá do alto, João sentiu-se parte dessa vida tão sua conhecida e, nesse dia, redescoberta de um modo que nunca esqueceria ainda que não voltasse a voar.
“Achas que vou poder voar novamente?”
“Claro, João! Basta que tenhas vontade e abras as tuas asas.”
“Vou ficar com elas para sempre?”
“Vais, se quiseres e não as perderes. É um presente da vida. Quem recebe asas nunca as perde e poderá voar para sempre, a não ser que as esqueça e deixe de as usar.”
“Eu nunca vou deixar de as usar! Achas que poderei voar mais longe?”
“Podes ir aonde tu quiseres. As asas que ganhaste são fortes e grandes!”
“E tu irás sempre comigo?”
“Só ao princípio. Depois poderás voar sozinho até onde quiseres.”
“Só estou preocupado com uma coisa.”
“O que é?”
“O que dirão os meus pais e os meus amigos, quando virem as minhas asas.”
“Aos olhos de todos continuarás igual. Só tu verás as tuas asas e saberás que existem.”
“Como será isso?”
“Quando voltares para a tua varanda, as asas voltarão para o lugar onde sempre estiveram, sem tu dares conta.”
“Onde?”
“No teu coração. Sempre estiveram lá. Por isso é que tinhas aquele sorriso maroto e, ao mesmo tempo, alegre e generoso antes do acidente. Elas é que te fizeram chegar a tempo de proteger a Rosinha. Com a tristeza que veio depois ficaram muito quietas à espera que desses novamente por elas.”
João ouvia admirado aquela explicação. Nunca se apercebera que tinha asas. Seria verdade?
“Vamos pousar na copa daquele carvalho alto, do outro lado do lago. Apetece-me descansar. Vamos, eu digo-te o que tens de fazer para pousares em segurança.”
Voaram até lá e o rouxinol ensinou João a deixar as asas para trás, para fazerem de para-quedas, a esticar as pernas e depois a flecti-las, para amortecerem o impacto, e a puxar as asas para a frente, ao pousar, para obter equilíbrio. João estava um pouco receoso mas admirou-se com a facilidade que teve em fazer tudo o que o amigo lhe foi dizendo.
“Muito bem João! É fácil ensinar-te.”
João retomou a conversa:
“Podes explicar-me melhor o que disseste sobre as minhas asas?”
“Foi por causa delas que comecei a falar contigo. Para te fazer reencontrá-las e usá-las novamente.”
“Mas eu nunca voei!”
“Nunca voaste como hoje, no céu. Mas vi-te muitas vezes levantar voo na esperança e na confiança que tinhas em ti próprio e no teu futuro. Voavas nos teus sonhos e nos teus projectos. Voavas no que sentias pelos teus amigos e pela Inês. Depois do acidente deixaste de voar e, por isso, é que foi preciso ensinar-te novamente a usar as asas.”
“Mas esta forma de voar é muito diferente!”
“Pois é. Cada um tem a sua forma de voar. Tu encontrarás a tua. Olha, o vento está a dizer-nos que é melhor regressarmos, vai começar a soprar com mais força e no sentido oposto ao da tua varanda.”
Abriram as asas e levantaram voo. João sentiu as asas a encherem-se de ar e deixou-se levar pela corrente ascendente que, mais acima, se tornou plana e os conduziu ao outro lado do parque em direcção à sua varanda. Foi observando tudo mais uma vez e sentindo o prazer de rasgar o ar e deslizar nele, confiando na força e na habilidade das suas asas. E repetia para si próprio “Estou a voar, estou a voar!”.
………….....
Continua
…………….

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Post.it: Manual de instruções

Pior do que eu só tu, digo-lhe a sorrir.
Partilhamos a mesma aversão pelos manuais de instruções. Temos a mesma paixão pelo conhecimento empírico, pelo aprender fazendo, ou desfazendo depende do resultado final.. As teorias dão-nos tédio, as explicações cansam-nos. Adoramos meter mão-à-obra, martelo, chave de parafusos, qualquer ferramenta serve. Dê lá por onde der há-de funcionar.
Contamos graças que foram quase desgraças, mas ficámos cá para contar e rir.
- Lembras-te do meu primeiro PC? Claro que não li as instruções, nunca fazem sentido. Liguei cada cabo, estava perfeito, carreguei no botão e o monitor explodiu. Não houve problema, ainda estava na garantia.
- Ora, ora, isso não é nada. Sabes quando fui colocar o meu candeeiro da sala, aquele que pesa quase uma tonelada? Não explodiu, ficou impecável, desci do escadote para admirar a obra prima, mas ele chegou ao chão primeiro que eu. Bem podiam ter dito que o candeeiro não ficava preso só no fio da electricidade, que tinha de encaixá-lo num camarão.
- E daquela vez que montei a minha aparelhagem de som? Ficou a funcionar que era uma maravilha, o som era magistral. Depois da montagem ficou com uma característica mas quem é que vai ligar ao pormenor de quando se roda para o som aumentar, este diminui e vice-versa. Explicaram-me mais tarde que os fios estavam trocados. Não desfiz o engano, gosto dela assim, é única e torna-se giro enganar quem lhe mexe.
- Também tenho uma curiosa para te contar, um dia tive que mudar o pneu do carro. Sem atrapalhação arregacei as mangas e avancei. Correu tudo bem. Em menos de nada, já tinha o carro no ar e o pneu mudado. Baixei o carro, arrumei as ferramentas e o pneu furado e pus-me a admirar o meu trabalho cheia de orgulho. De repente, fiquei espantada, ora não é que o pneu sobresselente também estava furado? Como era possível? Tentei acalmar-me, voltei a olhar e então cai na gargalhada, não é que depois de tanto trabalho tinha voltado a colocar o pneu furado em vez do que estava em bom estado?
E aquela vez em que montei a cama,  já imaginas o que aconteceu quando me fui deitar. E quando decidi lavar a torradeira? Estás a ver o resultado. Etc. Etc.
É assim quando nos encontramos, histórias e mais histórias numa cúmplice amizade que não precisa de instruções.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Post.it: A saudade que fica

Saudade “é o amor que fica”.
Mas também o amor que há-de vir. Porque sem amor sentimos um vazio, uma ausência,
uma necessidade de encontrar, algo, alguém que nos faça sentir inteiros.
Mas ele só pode vir e permanecer em nós se lhe  dermos espaço no coração.
Quantas coisas se têm dito e escrito sobre o amor.
Mas que amor? o ideal, o bucólico, o poético, o que nos magoa por dentro sem se ver por fora?
Mas e então o amor, sereno, pacifico, feito de dias, de horas, de sorrisos, de olhares para o mundo que nos rodeia.
O amor pela vida, o amor por uma flor a desabrochar, pela doçura duma criança,
o amor com que nos olha aquele cachorro abandonado.
O amor que colocamos num abraço amigo.
O amor de cada momento em que a manhã nos vem presentear com a sua limpidez.
O amor que devemos ter por nós, quantas vezes amando alguém nos esquecemos
de nos amar e apreciar as nossas qualidades.
Lembro-me por vezes das crianças quando descobrem as mãos, olham-nas maravilhadas, brincam com elas, descobrem a sua funcionalidade.
E nós, que deixámos de nos olhar, de nos sentir. Quando foi a última vez que olhámos as nossas mãos e redescobrimos para que servem?
Elas servem para agarrar a vida, para a abraçar, para a moldar e tornar um pouco melhor em cada dia.
Saudade é o que fica quando não conseguimos olhar o futuro e nos prendemos ao passado.

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (9)

Parque da Liberdade - Sintra
João Voltou a observar o parque. Tudo parecia pequeno mas, ao mesmo tempo, tão seu conhecido e tão próximo, como se fizesse parte de si próprio e formassem um todo, ele as árvores, os arbustos, a relva, as flores, os animais – insectos, aves, pequenos roedores e mamíferos e até os répteis e peixes do lago. Mesmo as pessoas que passeavam no parque, com os seus carrinhos de bebé, com as suas crianças, com os seus cães, com as suas preocupações e com as suas esperanças e alegrias, pareciam fazer parte desse todo gigante, como um organismo vivo que unia tudo em si e fazia com que tudo tivesse sentido e significado.
Pairando sobre o parque, João sentiu o coração cheio, confortável e em paz, como se tivesse deixado em terra tudo o que pesava: a tristeza de não poder andar, a incerteza que essa limitação lançava sobre o seu futuro: o medo de ficar só, de que ninguém conseguisse amá-lo; o receio de não poder realizar-se profissionalmente; a angústia de se imaginar continuamente dependente e a saudade do tempo em que não tinha essas preocupações e a vida se lhe apresentava sorridente e lhe parecia fácil e esperançosa. Ali em cima, voando livremente e sem esforço, voltou a sentir-se leve e confiante no futuro, com fé na vida e em si próprio, capaz de acreditar no milagre do amor e da felicidade.
O rouxinol mantinha-se a seu lado e observou a transformação do rosto e do coração do amigo. “Vês, estás a conseguir e logo à primeira! Acreditas, agora, que podes voar?!”
“Não sei se acredito, mas estou a voar e é maravilhoso! Conheço tudo quanto vejo, mas parece-me tão diferente e, ao mesmo tempo, muito mais próximo de mim do que alguma vez esteve!”
“Agora fazes parte do parque. Todos te conhecem e gostam de ti. Não os ouves? Continuam a falar de ti e estão felizes porque conseguiste voar!”
João reparou que, agora, até as árvores e as flores e a relva falavam dele e entregavam ao vento o seu aroma para que ele o pudesse sentir lá em cima.
“Nunca pensei que reparassem em mim ou que dessem, sequer, pela minha existência.”
“Toma atenção. Baixa um pouco a asa esquerda e inclina a cabeça. Vamos começar a curvar para inverter o sentido de voo.”
João obedeceu e foi como se toda a vida tivesse voado – a curva saiu na perfeição. O ar ascendente elevou-os um pouco e, depois, deixaram-se ficar a planar preguiçosamente. O rouxinol retomou a conversa:
“Todos repararam em ti naquela tarde em que salvaste aquela miúda de ser atropelada pelo louco que resolveu fazer MotoCross nas veredas do parque. Ficámos preocupados quando desapareceste e aliviados quando começámos a ver-te na varanda e a aparecer aos domingos no parque. Mas vinhas diferente, mais triste, sem o sorriso maroto e descontraído que costumavas ter.”
“Tudo mudou na minha vida. Parece que, de repente, deixei de ser criança e me tornei adulto e velho. Não fazes ideia do que senti. Imagina só que deixavas de poder voar!”
“Deve ter sido muito duro para ti. Mas imagina só que tinhas ficado a olhar aquele inconsciente a atropelar a miúda! Não poderias viver com essa lembrança, pois não!?”
“Acho que não!” João não disse ao amigo, mas pensou para si próprio que, mesmo conhecendo as consequências, voltaria a proteger a Rosinha, sobretudo agora que a conhecia.
“A vida é um surpresa permanente, João. Até das coisas que parecem negativas, à primeira vista, ou que são mesmos más, pode surgir algo de positivo ou até mesmo muito bom. Tens de acreditar que a vida vale sempre a pena e que, seja em que circunstância for, podes acreditar que é possível ser feliz.”
“A partir de hoje, acredito seja no que for! Então, não estou a voar!? Olha só para mim!”
João volteou no ar. Ganhou balanço e mergulhou a pique, de asas coladas ao corpo, até quase atingir a copa das árvores mais altas. Aí, levantou a cabeça, abriu as asas, curvou o corpo e começou a subir cada vez mais rápidamente em direcção ao céu, de mente e coração abertos, com um sorriso límpido e puro nos lábios, nascido lá dentro, no mais íntimo da sua alma. E o pequeno rouxinol percebeu que o João que vinha a subir em sua direcção era outro, voltara a ser o adolescente confiante e alegre que conhecera meses atrás. Aprendera a voar e levantara voo!

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(Continua)
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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Post.it: Escrever um livro

Perguntam-me muitas vezes porque não escrevo um livro? Dizem que sou criativa, imaginativa, etc., etc., enfim, elogios de bons amigos. Respondo-lhes com um sorriso enternecido e explico-lhes: Escrever o quê? já há tantas coisas lindas escritas!
Livros que me tocam profundamente por isso  comovem-me ler nas coisas escritas por outras pessoas, todos os sentimentos que experimento e tento, recursivamente, organizar dentro de mim. Mas  na  frustrante tentativa de o fazer acabo por render-me encantada a esses que o fizeram e com isso deixaram a mais bela herança cultural que uma civilização pode ter. Palavras essas outras pessoas   um  dia, muito antes de mim, ousaram beber dessa fonte e por ela foram também tragadas, mas deixaram no universo cultural, ecos do seu sentir, como uma prova de comunhão que paira sobre toda a humanidade. O meu humilde mérito é talvez identificá-la, reconhecê-la e deleitar-me com a sua riqueza de conteúdo.  Por isso consciente da minha pequenez, agradeço a todos por traduzirem aquilo que um dia eu sentiria e, muitas vezes, sem aqueles que lhes  deram expressividade e visibilidade ao escrevê-la, não o entenderia em mim mesma.

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (8)

Parque do Povo - São Paulo, Brasil
Nessa tarde, João quis concentrar-se nas páginas do livro de História. Não conseguiu. Tentou o de Geografia e, depois, o de Ciências Naturais. Não foi capaz. Resolveu dedicar-se aos exercícios de Matemática e fez alguns, mas não acertou no resultado de nenhum. Pôs as lições de parte e tentou fazer passar o tempo mais depressa, procurando na Internet algum relato de uma experiência semelhante à sua. Encontrou várias descrições mas todas do domínio da ficção.
Foi para a varanda mais cedo que o habitual e ficou a olhar o parque no seu esplendor verde, salteado de tons de castanho, rosa e dourado que se derramavam do arvoredo e ficavam espalhados pelo chão, ou subiam pelo ar em remoinhos desinquietos de folhas a querer reaver a vida que se lhes  esgotava ao sol ainda quente da tarde outonal.
Os olhos de João ficaram presos no voltear do bando de pássaros que cruzava os céus do parque numa azáfama de voos, ora apressados ora preguiçosos, e tentava adivinhar o significado dos chilreados que trocavam entre si. Imaginou-se parte do bando, a rasgar o espaço aberto do vasto céu azul. Fechou os olhos e deixou-se embalar pela sensação de leveza e de liberdade, que mesmo na imaginação parecia maravilhosa, saboreando o quentinho do sol e a suavidade da leve brisa que trazia até si o cheiro da terra regada e da relva cortada nessa manhã. E começou a sentir que em casa, na rua e no parque tudo se aquietou e silenciou, como se a realidade adquirisse outro andamento e outra vida com outro significado e outras possibilidades e novos horizontes. Do silêncio e da quietude, a pouco e pouco, foram surgindo vozes cada vez mais nítidas, vozes novas e diferentes, em palavras desconhecidas – grasnadas, latidas, miadas, chirleadas, palradas, salteadas, e até sibiladas e fugidias – palavras que João nunca tinha ouvido nem imaginado, mas que entendia perfeitamente. Todas falavam de coisas simples da vida no parque, do tempo, da estação, dos humanos, do sol, do vento, do mar longínquo e de notícias de amigos e parentes de outros lugares distantes. João ficou pasmado ao ouvir todas aquelas vozes, tão desconhecidas como familiares. “Teria adormecido? Estaria a sonhar?” Não. Estava bem acordado e até já abrira os olhos e se levantara.
“Eu estou em pé!? Como?! Como é que eu estou em pé?!”
Agitado, olhou em redor e prestou maior atenção às vozes e ruídos que chegavam até si. Só se ouvia a vida no parque e, para seu espanto, apercebeu-se de que todas as vozes falavam de algo inédito que estava prestes a acontecer e que mobilizava a atenção geral. Ainda confuso e emocionado, concluiu que tudo estava relacionado – as vozes que ouvia, as pernas que já o sustinham e o assunto da conversa de todas as vozes. Mas só pensava e dizia “Não pode ser! Não pode ser!” “Mas é. Eu estou acordado! E estou em pé! E oiço o parque!” “Mas não pode ser! Como é que pode ser?”
“Olá! Estás a ouvir? Todo o parque espera pelo teu primeiro voo!”
João sobressaltou-se. Não tinha dado pela chegada do rouxinol.
“O quê? É de mim que falam? Explica-me o que está a acontecer!”
“Falam de ti, pois claro! Querem assistir ao teu primeiro voo.”
João quis dizer: “eu não posso voar”, mas foram outras as palavras que a sua boca proferiu: “Verás que não te deixo ficar mal!”
“Assim é que se fala!”
Sem perceber como, João convenceu-se e acreditou que ia voar! Afastando o medo, trepou para o parapeito da varanda e abriu os braços. Para seu espanto, já não eram braços, eram asas, asas grandes, largas e com belas penas em tons matizados de branco pérola, dourado pelo sol da tarde.
“É assim mesmo! Só tens de respirar fundo, encher o peito de ar e posicionar as asas de modo a que o vento as encha e te leve com ele.”
“Só isso?!”
“Isso é só o princípio. Depois, quando estiveres no ar, deves olhar para o horizonte e sentir as correntes de ar. Quando são ascendentes ajudam-te a subir. Se quiseres descer, procura o ar que vem para baixo ou mergulha e inclina as asas na direcção do chão. É instintivo. Com a prática, vais apanhando o jeito e voando cada vez melhor.”
João deixou de sentir qualquer receio e confiou no pequeno amigo. Estendeu completamente as belas asas e deixou-se apanhar pela brisa forte que vinha a subir, quando esta lhe gritou “É agora! Vamos!”
Sentiu-se um pouco tonto com a subida, mas dentro dele cresceu a confiança e nasceu uma imensa alegria que explodiram num grito de êxtase e vitória, ao mesmo tempo que palavras de admiração e incentivo subiam até si, como se todo o parque tivesse levantado voo e rasgasse o céu ao ritmo das suas asas.
“Estou a voar! Estou a voar!” gritou para o rouxinol que batia as asas a seu lado.
“Sobe só mais um pouco. Mais acima há uma corrente plana que nos vai levar até ao outro lado do parque.”
João seguiu o pequeno amigo e sobrevoou, extasiado, a mancha verde e dourada que, vista de cima, parecia muito menor mas muito mais bonita e até brilhante. Olhou para nascente e avistou a sua varanda onde a cadeira de rodas parecia pequenina, pequenina e vazia! Libertara-se. Finalmente!
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Post.it: Nevoeiro

Que sei eu sobre ti, denso nevoeiro, que a minha alma impregna de solidão. A ciência explica-te com todas as suas teorias. Mas eu que pouco sei de teorias, sinto-te quando me envolves, quando me confortas. Sinto-te nuvem que quero abraçar, mas perco-te nesse abraço fugidio. És como os sentimentos que se eternizam pela sua misteriosa beleza, pela sua atractiva incerteza na impossibilidade de se concretizarem. E a alma conquistada cede ao doce embalo dos sentidos, à maciez do seu contacto. Abro as mãos e tu passas por entre os dedos como se brincasses com eles, como se os acariciasses. Por fim, segues o teu caminho, partes num rasto que se desfaz e apesar do sol brilhar, sinto no peito a saudade dessa nuvem, sinto a saudade desse nostálgico sentimento, que querendo definir não consigo, como se fosses um lugar da infância que há muito perdi.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (7)

Parque de Monsanto - Lisboa
Depois de ver o pequeno rouxinol desaparecer sobre o parque, João telefonou aos amigos e contou-lhes o encontro com o pequeno pássaro, omitindo o que se referia a Inês. Nenhum deles conseguiu dormir bem naquela noite, tal a agitação em que ficaram.
No dia seguinte, na escola, aproveitaram todos os intervalos para discutir o assunto, pondo todas as hipóteses, até a possibilidade de João estar a ter uma alucinação. Mas, ao mesmo tempo, desejando muito que tudo fosse verdade. Imaginavam como seria fantástico se o pequeno rouxinol falasse também com eles! Assim que terminaram as aulas da manhã, engoliram o almoço a correr e deram um salto a casa do João.
Fecharam-se no quarto e cochicharam durante toda a hora de almoço, controlando o entusiasmo, para ninguém os ouvir. Decidiram pesquisar tudo o que fosse revistas e jornais de notícias, revistas científicas e sites de Internet, para ver se haveria notícia de fenómenos deste género. O Tiago sugeriu que se registasse tudo desde o início, para documentar bem todo o fenómeno de modo a poderem prová-lo, caso fosse necessário. Pegou no seu caderno de “anotação de ocorrências”, como lhe chamava e registou, com a ajuda dos outros, a data e as horas em que o rouxinol começara a aparecer na varanda do João; o dia e a hora em que falara, da primeira e da segunda vez, bem como tudo o que dissera. O Hugo aconselhou o João a fazer uso do seu jeito para a escrita e descrever tudo ao pormenor, como um relatório científico mas sem deixar de fora a emoção do acontecimento. A Inês só sabia dizer: “Quem me dera estar aqui e ouvir também o que ele dizia!” E o João, no meio do entusiasmo dos colegas, ainda tinha medo de estar a ver coisas e a contar uma história que, embora lhe parecesse verdadeira, pudesse ser apenas fruto da sua mente que, farta de estar só e inactiva, o tivesse levado a imaginar uma aventura que viesse a dar em nada. Decidiu desabafar:
“Sabem? Tenho de vos confessar uma coisa. Tenho medo de que tudo não passe de uma partida da minha imaginação. E se estou a ficar passado, se vejo coisas que não existem? Tenho medo!”
Todos se calaram e olharam para o amigo. Foi o Tiago quem respondeu, no seu tom sério e convincente:
“Não te preocupes. Não acredito que seja isso. Tu estás a ser acompanhado pelos médicos e pelo psicólogo. Estás lúcido em tudo e não existem episódios de alucinações no teu passado nem na tua família. Por isso, não deve ser isso. Mas tiraremos a limpo e se, por acaso, for uma alucinação não há problema nenhum – há terapias para tudo e tu ficarás bem e, no fim, terás uma óptima história para contar e, nós, uma aventura para recordar.”
“É pá, és sempre tão organizado e científico no que dizes, Tiago! Cá por mim, eu acredito que um pássaro pode falar. Não com toda a gente, mas com uma pessoa como o João, pode!” E, voltando-se para o amigo, Inês pegou-lhe nas mãos e foi peremptória: “Não te preocupes. Se ouviste o passarinho falar é porque ele falou! Outra coisa será saber se outras pessoas conseguem ouvi-lo. Provavelmente é preciso ser uma pessoa especial, como tu, para entender o que diz um ser lindo, de outra espécie, como um rouxinol. Não te preocupes, ouviste!?”
O intervalo de almoço esgotou-se rapidamente e os três tiveram de voltar à escola. João também se preparou para estudar as lições. Apesar de ainda não ser aconselhável ir às aulas, ele acompanhava as matérias através de lições à distância e do apoio de dois professores que, semanalmente, se deslocavam a sua casa para lhe tirar as dúvidas e orientar o seu trabalho de aprendizagem autónoma. Assim, não ficaria atrasado e poderia terminar o ensino básico ao mesmo tempo que os seus amigos.
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Post.it: Sem distâncias

Cada novo ano é tempo de começar um novo amanhã. É tempo de renascer, recomeçar, de reconstruir sonhos e metas. Na bagagem só devemos trazer do ano anterior as coisas que nos deixaram recordações felizes.
Desses momentos quero recordar os amigos, esses que estando longe na distância geográfica estiveram sempre perto. Porque cada vez é mais fácil ultrapassar o longe e encurtá-lo à distância  dum clic,  num qualquer computador e dum qualquer lugar.  A familiaridade que os meios informáticos adquiriram na nossa vida, humanizou o computador e hoje em vez de ecrã prefiro chamar-lhe janela. Por onde entra o sol duma mensagem cordial. Por onde entra um pedido de auxílio. Por onde entra a brisa duma amena conversa, ou uma nuvem triste  que depois de alguns momentos volta a desvanecer-se no azul do céu. Hoje a amizade pode já não ser tão preenchida de abraços e de olhares que se entendem no silêncio. Mas tem palavras que ultrapassam  fronteiras e barreiras, quando nos estendem os braços e abraçam-nos o coração. Não recebemos o olhar directo, mas ele vem através de câmaras. No entanto podemos receber ou transmitir as palavras certas para transportar o carinho desse olhar.
A todos os que abrem de vez em quando esta janela,  o mais dedicado abraço e o desejo de que  aqui encontrem uma forma de  partilhar afinidades.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (6)

Central Park - Nova Iorque
Ao vê-los chegar tão cedo, a mãe do João estranhou, mas não disse nada e começou a preparar o lanche para todos. Mas, para sua surpresa, os amigos do filho não aceitaram e saíram mais cedo. Deixaram o João, sozinho, no seu canto preferido da varanda. Não quiseram correr o risco de afugentar o pequeno pássaro.
À hora certa, o rouxinol apareceu. Olhou João, com ar interrogativo perante o seu semblante quase assustado. Não disse nada, apenas entoou o seu canto melodioso antes de apanhar os grãos que João lhe deu, com o seu biquito certeiro. O rapaz não disse nada, ainda desconfiado da sua sanidade mental. Ficou à espera, sério, a olhar para a pequena ave, não sabia se com esperança de que falasse ou de que permanecesse apenas pássaro cantor.
Porém, apanhados todos os grãos, a voz melodiosa voltou a soar com fala de gente: “Hoje ficaste menos tempo no parque! Por quê?”
Apesar de estar à espera de o ouvir falar, João surpreendeu-se com a voz e com a pergunta. “Como sabes que vim mais cedo?”
"Ora, conheço os teus hábitos – ao Domingo é dia de passeio e brincadeira. Os teus amigos levam-te a dar uma volta completa ao parque e, depois, ficam na relva em frente ao lago, conversam, às vezes jogam à bola. Até já vi como se rebolam na relva e como tu gostas de te estender ao sol, de rir com as piadas do Hugo e de ouvir as explicações científicas do Tiago. Até reparei na forma como olhas para a Inês – como se mais ninguém existisse, além dela.”
João corou ao ouvir o novo amigo. Não sabia que se notava no olhar o que sentia por Inês. Nem ele sabia se era amor, mas era diferente do sentimento que tinha pelos outros dois amigos – era mais forte, mais carinhoso, mais ansioso e também mais triste, pois sabia que nunca poderia dizê-lo. Não tinha esse direito. “Tens andado a espiar-me?”, perguntou.
“Não, só gosto de observar as pessoas e simpatizei contigo porque és interessante: pareces feliz, mas sei que não és, porque te sentes preso. Eu compreendo-te porque também já me prenderam, mas fugi e agora sou livre.”
João conteve uma lágrima. “Sim, sinto-me preso, mas ninguém sabe. Todos pensam que estou a lidar bem com a cadeira de rodas e querem fazer-me crer que tudo continua como dantes. Mas nada é como era, nada!”
“Enganas-te, algumas coisas mudaram, mas outras continuam a ser iguais. Há coisas que já não podes fazer, mas aprenderás a fazer outras em seu lugar.”
“Nunca mais poderei correr atrás duma bola…”
“Mas poderás rodar na tua cadeira e vencer todos os jogos com bola que te apetecer!”
“Nunca poderei dizer à Inês que gosto dela…”
“Poderás, se tiveres coragem. A coragem vem do coração, sabias?”
“Mas não tenho.”
“Vais ter, prometo-te. É para isso que aqui estou.”
“Como? Estás aqui para me dar coragem?”
“Estou aqui para te ensinar a voar.”
“A voar?! Os humanos não podem voar!”
“Podem sim. Podem voar com o coração e com a alma. Esses são os voos mais altos e mais arriscados. Não sabias?”
“Ora, mas não é voar a sério! Quem me dera voar como tu!”
“Vou-te ensinar. Com treino, vais conseguir chegar a todo o lado e voar até onde quiseres.”
João sorriu do que pensou ser a ingenuidade do amigo. Mas ficou sério quando o rouxinol se despediu:
“Amanhã começaremos pelo mais fácil. Prepara-te, ouviste? E voou pelos céus do parque até se diluir no horizonte.”
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(Continua)
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Continuarei a fazer-te versos

Sim, continuarei a fazer-te versos,
Ainda que os conjugue noutro tempo.
Quando as rimas são desassossegos,
metáforas de asas dançando no vento.
Então as letras, parágrafos soluçantes
tornam prisioneiro o constante sonhar
Nas minhas ilusões deambulantes.
Estrofes que se  recusam  a acordar
Das hipérboles que a alma  abriga
Quando tento separar fantasia e razão
Porque a doce poesia já me obriga
a esquecer o longínquo eco da paixão.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Post.it: Crescer

Crescer  não tem exactamente a ver com a estatura física. Não tem relação directa com a idade. Crescer significa aprender, apreender, perceber e valorizar. Crescer significa maturar, fazer ligações imediatas, lógicas coerentes e sensitivas. Como me disseram um dia,  significa “ligar pé com bola”.
Ver para além do olhar. Sentir para além do ouvir. Viver para além do existir. Os 5 sentidos que possuímos são importantes de forma isolada, mas ensinam-nos muito mais quando conjugados.
Ouço a tua história, entendo-a, sinto-a como minha, choro-a contigo, lágrimas que transmito em palavras de apoio e de conforto.  Mas e se me contasses a tua mágoa e eu te respondesse: “Há tantas histórias iguais à tua”.
Ficavas confortada, mais animada? Certamente que não! Porque a tua história é única, viveste-a, sofreste-a na pele e na alma. Como dizem os populares “com o mal dos outros posso eu bem”. Egoísmo? Não, é a verdade da existência humana. A dor mesmo partilhada é sempre individual e indizível na sua plenitude. Incompreendido o sentir recolhe-se no âmago do nosso ser, na sua concha. Protegemo-nos daqueles que nos querem erguer pela força da razão, quando sentimos que nos racharam o coração ou que nos roubam o nosso mais precioso bem: a saúde. As intenções podem ser as melhores, o incentivo é necessário para seguir em frente, mas  dá mais força uma mão que nos devolve a segurança e a confiança no caminhar.
Crescer significa aprender a tirar um sim de cada não e de cada mágoa uma lição. Significa saber receber e reconhecer essa  mão que quer tornar mais fáceis os nossos passos.


sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Rir é o melhor remédio

Rir do que já passou.
Rir do que já poderia ter sido.
Mas que a vida não nos presenteou.
Rir por chegar tarde e ter adormecido.
Rir para o sol a cada alvorecer.
Rir da alma que é leve brisa.
Rir do que não se consegue ter.
Rir da folha que desliza.
Quando empurrada pelo vento.
Rir para não chorar do lamento.
Rir da liberdade inventada.
Rir por  perder-se na estrada.
Rir do conteúdo sem inspiração.
que vem qual fôlego do coração.
Rir do que é feito de aparências.
Rir até das constantes ausências.
Rir no prazer da missão cumprida.
Rir com lágrimas na despedida.
Rir da vida que não escolhemos.
Rir daquilo que não temos.
Rir do destino que cultivamos.
Rir do caminho que desbravamos.
Rir de satisfação por cada conquista.
Rir da desventura que já não acredita
Rir para que um qualquer dia.
 a felicidade também nos sorria.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Post.it: Humanidade

O amor, a felicidade, a procura, o encontro e mais muito mais. Tudo isto somos nós, humanidade
Há quem diga que o amor  masculino é singular e o  feminino é plural. Não querendo entrar em divagações sexistas. Quero supor que os homens são singulares, únicos no seu modo de amar. Objectivos, racionais mas quando abrem o coração e nos permitem habitar nele, então revelam-se especiais. As mulheres são plural, são mães, são filhas, são amigas, são dádiva, entrega e partilha. Diversificam o seu amor por muitos afectos e permanecem inteiras em todos eles.
Mas homens ou mulheres, estamos todos juntos nesta procura duma meta chamada Felicidade. Contudo: “Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho." (Gandhi)
No nosso percurso apenas temos de aprender a ser como o rio, que “somente alcança seus objectivos porque aprendeu a superar os obstáculos.” (Lenira Poli)
Somos feitos de passados, mas “Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente” (Shakespeare)
Porque “O futuro pertence aqueles que acreditam na beleza dos seus sonhos" (Eleanor Roosevelt). Muitas vezes uma escuridão invade o nosso horizonte, parece que não existe uma luz no fundo do túnel então devemos pensar que, "Se cada um dos nossos dias for uma centelha de luz, no fim da vida teremos iluminado uma boa parte do mundo." (Merlo)
Felicidade, Amor, Saúde, um triangulo perfeito, que muitas vezes queremos construir sem encontrar a melhor forma, "As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes"
É verdade que nem todas as pontes encontram as margens que nos levam ao caminho certo, mas, “é preciso correr riscos, seguir certos caminhos e abandonar outros. Nenhuma pessoa é capaz de escolher sem medo. (Paulo Coelho)
Se não der certo, "Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente” ."  (Maurício Ceolin)
A vida é feita de opções, de ilusões, de decepções, mas,"Se algum dia tiver que escolher entre o mundo e o Amor...Lembre-se: se escolher o mundo ficará sem Amor, mas se escolher o Amor, com Ele conquistará o mundo" (Albert Einstein)
E sobretudo, "Mantenham a mente aberta, assim como a capacidade de se preocupar com a humanidade e a consciência de fazer parte dela" (Dalai-Lama)
Já agora “façam o favor de ser felizes” (Raul Solnado)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Post.it: O mar

Aparentemente tranquilo, numa passividade onde de vez em quando despertam vulcões. Então a lava escaldante desvenda mágoas contidas, guardadas no lugar mais profundo do ser. Caverna onde  hibernam  emoções que não puderam ser vividas. A terra ruge numa voz aprisionada por milhares e milhares de dores sentidas. Há um grito de selva que se solta do peito. Os gestos de eterna ternura fazem faísca no horizonte e, de repente é noite sombria no doce olhar que revela uma nova faceta.
Porque o mar também chora, porque o mar também sofre, agita-se, expande gritos ondulantes e embate a sua revolta na firmeza da rocha para que essa dor doa mais do que aquela que sente no seu corpo de crispadas marés.
Porque o mar sente, sente a dor de tanta gente.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Post.it: Serra da Estrela

A beleza mais bela é aquela que nos rouba as  palavras  e  nos  inunda os sentidos.
Foi o que senti ao ver o manto branco salpicado de pequenas rochas que teimavam em espreitar em busca dum raio de sol. Mas a mais de 1900 metros de altitude,  o astro rei cedia o seu trono à vastidão de nuvens que pairavam nos acentuados declives.
Nós pequenos seres humanos bebíamos com o olhar a singular paisagem. Fotografávamos com a alma o que nenhuma máquina por mais pixes que tenha consegue reproduzir.
Serra da Estrela, um caminho de curvas que se eternizam até ao sopé da montanha. Subimos, mas subimos tanto que a dada altura questionámo-nos se não estaríamos acima das nuvens e por momentos sentimos a nítida sensação que bastaria esticarmos o braço para tocarmos no azul celeste do firmamento.
Serra da Estrela, uma estrela na terra que pela sua altura e magnificência tem o seu lugar também no céu.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Pos.it: Vamos começar o ano

Hoje custou-me a despertar. Não a despertar para o dia, nem para a semana, mas para o novo ano que ainda mal se anunciou e já nos deixa adivinhar receosas expectativas.
Depois de um fim-de-semana pelas tranquilas paisagens beirãs, encaro com lentidão a manhã cheia de ruídos urbanos. A preguiça mental invade-me o cérebro, domina-me o corpo num misto de saudosa nostalgia e a antecipação esperançosa. Então recordo aquela bola de neve que sustive com esforço nas mãos despidas de luvas. Quero segurá-la indefinidamente, guardá-la na sua beleza, na sua textura que desconhecia. Mas queima-me a pele desprotegida, num impulso lanço-a no ar. Se as palavras traduzissem o gesto diria: Vai ano velho, não te posso suster para sempre, embora me deixes algumas boas recordações. Vem Ano Novo, tenho as mãos geladas, doridas de algumas memórias mas, espero ansiosa por ti. Traz-me o que o meu coração anseia: Tranquilidade, harmonia, saúde, prosperidade e amor acrescenta uma amiga minha. Mas será que o amor vem como uma nuvem que encontra no céu o caminho? Será que cai sobre nós como se fosse chuva de verão? Será que surge como um sol que espreita por entre o nevoeiro do nosso espírito?
Para mim o amor é primeiro uma planície que se estende até ao outro coração, que o acolhe porque está pronto para amar.
Depois é como um jardim onde cada flor começa lentamente a desabrochar pelo carinho com que é cuidado. Por fim é entrega, partilha, fruição de tudo o que se fez antes e que agora pode-se  vivenciar com a envolvência do calor humano que une as vidas.
O Amor é como o Novo Ano, um começo, um caminho que se percorre com dedicação e esperança.

Post.it: A grandeza das pequenas coisas

Um novo ano: uma nova página da vida, uma nova esperança, uma nova possibilidade de construir e ser feliz! Sim, de ser feliz! É essa a missão de cada um: ser feliz! As pessoas felizes são melhores, podem ser mais generosas e geralmente semeiam alegria e oferecem confiança. Por isso, procurar ser feliz é também construir a felicidade dos outros, não só dos que amamos, mas de todos os que passam por nós. Não é necessário fazer grandes coisas nem gestos grandiosos. A felicidade depende mais de pequenas coisas, tão fáceis de oferecer e que tão facilmente esquecemos: as pequenas gentilezas como um sorriso de simpatia e compreensão, um olhar de atenção, uma palavra de carinho, um gesto de ajuda, uma atitude de profissionalismo e tantas pequeníssimas coisas que nada custam a não ser um pouco de boa vontade e que tanta diferença fazem. São estas pequenas coisas que fazem de nós e dos outros pessoas felizes, diariamente, e que mostram a nossa grandeza como seres humanos, porque são simultaneamente semente e fruto de um coração generoso e bom.
Que este novo ano seja assim: repleto de pequenas grandes coisas capazes de nos fazer pessoas melhores e mais felizes.