segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (11)

St James's Park - Londres
O sorriso bailava-lhe no rosto e nos olhos e estendia-se com as asas que trouxeram João de volta à sua varanda e à sua cadeira, onde já não se sentia prisioneiro.
Voltara mesmo a tempo do lanche. A mãe veio com o habitual tabuleiro cheio de mimos para o filho e com a pequena taça de sementes para o seu amigo rouxinol. Notou a diferença no sorriso de João. Beijou-o satisfeita mas não comentou, por medo que o brilho se apagasse. A antiga expressão de alegria e confiança voltara ao rosto do filho e encheu de esperança o seu coração de mãe.

Anos mais tarde, no mesmo canto da mesma varanda, João olhava o parque, agora renovado e com novos equipamentos e acessos que permitiam a todos percorrê-lo e usufruir dele livremente, até aos que andavam sobre rodas, como ele. Nunca quisera abandonar aquela casa, mesmo depois de ter casado. Os pais tinham-se mudado para um apartamento mais pequeno, relativamente perto. Ele ficara na casa onde crescera e onde ganhara asas e aprendera a voar. Acreditava que ali os sonhos seriam sempre objectivos possíveis de alcançar. Pensava nisso quando Inês, agora mulher feita, veio juntar-se a ele e se sentou a seu lado. Mantinha ainda o olhar directo e o sorriso franco e aberto, que inspiravam confiança, e continuava corada e com o mesmo entusiasmo pela vida, sempre espelhado no rosto.
“As miúdas sossegaram, finalmente! Estavam a cair de sono, mas não queriam fazer a sesta.”
“Estão entusiasmadas com a perspectiva da chegada dos amigos. Eu também mal posso esperar que o Tiago e o Hugo cheguem!”
“Não falta muito. É pena que tenham ido morar para tão longe de nós!”
“O trabalho assim obriga. Pelo menos estão os dois perto um do outro e a trabalhar em parceria em projectos que os entusiasmam e que permitem melhorar a qualidade de vida de muita gente.”
“Nisso têm sorte. E a nossa amizade é mais forte que algumas centenas de quilómetros.”
“Tenho muito orgulho em ser amigo deles, sobretudo pelas pessoas que são, mas também pelo trabalho que desenvolvem e por tudo o que têm conseguido em favor da mobilidade das pessoas com deficiência.”
“A tua amizade é que os incentivou, ainda no tempo da faculdade. Foram os projectos que desenvolveram a pensar em ti que lhes deram visibilidade e, de certa forma, os empurraram para o que fazem hoje.”
“Cada vez me convenço mais de que tudo o que aconteceu quando éramos jovens não foi por acaso. Parece que há uma intenção global por detrás de tudo na nossa vida, como um plano semi-definido que nós podemos alterar em muitos aspectos e fazer resultar ou falhar, dependendo da forma como vivemos a vida.”
“Talvez tenhas razão. O que sei é que, até agora, nós soubemos fazê-lo resultar, não achas, meu amor?”
João não respondeu e ficou a olhar Inês, a lembrar-se da época em que quase tinha medo de lhe dizer que a amava. Acabara por ser a ela a tomar a iniciativa. Amara-a mais por isso. E amava-a ainda, com um amor mais calmo mas muito mais profundo.
“João, estás outra vez a olhar para mim com esse teu ar que me encanta! Continuas a tê-lo e é cada vez mais bonito!”
“Tu é que és cada vez mais bonita, minha querida!”
Os olhos encontraram-se e atraíram os lábios. Num longo momento, disseram tudo o que sentiam e que nascia, sobretudo, do muito que os unia e que ambos haviam construído e desejavam construir ainda.
Aperceberam-se que não estavam sós. As gémeas olhavam-nos a esfregar os olhos. Já tinham três anos e eram duas meninas muito bonitas, com as faces coradas e o belo sorriso da mãe. Do pai tinham herdado a cor do cabelo e o ar sonhador dos olhos.
João olhou para as filhas que lhe treparam para colo. Sentou uma em cada perna e sentiu-se o homem mais feliz do mundo!
Fizera-se homem e, com Inês, construíra o futuro, dele e da família. Conseguira mais do que isso. Aprendera a sonhar, a esperar da vida tudo o que ela pode oferecer. Abrira vezes sem conta as suas asas para voar e conquistar a possibilidade de ser feliz, mas levara também asas a outros que, como ele, as haviam perdido. Hoje, do alto da sua varanda, via um mundo diferente, no parque, nas ruas e passeios que o circundavam, nos edifícios que avistava e um pouco por toda a cidade, onde as alterações introduzidas ao longo dos últimos anos, muito em resultado do trabalho dos amigos e do seu esforço, haviam criado uma nova liberdade para todos.
Da sua varanda podia agora observar um mundo com mais portas abertas e mais caminhos com saída. Orgulhava-se de, com os amigos, ter contribuído para isso. Porém, no seu íntimo, sabia que fora o pequeno rouxinol que lhe tinha aberto as asas e o coração para essa vida em que ele quase deixara de acreditar. Agora, à distância de vários anos, habituara-se a pensar que aquele amigo, tão diferente como especial, fora um anjo que apenas ficara o tempo necessário, só até ele compreender que o verdadeiro sentido da vida está naquilo que somos, no que sentimos e no que estamos dispostos a fazer por nós e pelos outros e depende muito mais da esperança e do amor que temos do que das situações que vivemos. Elas são a base do plano que cabe a cada um completar, descobrindo os rumos que quer seguir e mantendo-se fiel ao que quer alcançar.

Fim

8 comentários:

  1. Anónimo24.1.11

    Adorei a tua história, fui acompanhando e prespectivando qual seria o final. Por momentos pensei que seria algo lamechas, mas acabou por me surpreeender pela positiva, foi realista e positivo. Adquiriu um aspecto de beleza e maturidade. Lurdes

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  2. Anónimo24.1.11

    Gostei muito da tua história. Espero que muitas outras lhe sucedam. Bjs

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  3. Anónimo24.1.11

    Apreciei muito a história, por momentos julguei que iria enveredar pela solução dum milagre. Por isso gostei particularmente do final, que nos ensina a aceitar a realidade e a valorizar o que ela tem de melhor sem criar esperanças vãs.Bjs Leonor

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  4. Anónimo24.1.11

    Gostei muito do final da história. Bonito, sem soluções milagrosas só com coragem humana e a incógnita: o voo com o rouxinol foi um sonho ou foi mesmo real? Parece que foi um anjo bom, daqueles que aparecem não se sabe de onde e depois vão embora qaundo já estamos bem. Escreve mais. Bjs. MJ

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  5. Anónimo24.1.11

    Minha amiga gostei muito do final da história do João. Ainda bem que ele encontrou o amor e a possibilidade de ser feliz. Gostei particularmente de ter postos o João e os amigos a melhorar a vida das pessoas com deficiência. Faz muita falta quem abra portas e caminhos por onde todos possamos andar. Ainda bem que chamou a atenção para isso e também para o facto de que o João ajudou outros a voar. Acho que foi isso que o tornou feliz.
    Escreva mais histórias como esta. Publique um livro de contos. Quero tê-lo e lê-lo, em papel. Bem haja por este belo conto. Luiz vaz

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  6. Anónimo24.1.11

    Final bonito a condizer com a escrita e que podia ser real. Uma realidade em que se pode acreditar e pela qual se pode lutar. Uma pessoa com deficiência tem o mesmo potencial de ser feliz como qualquer outra, embora tenha de vencer mais obstáculos, o que também faz com que o sabor da vitória seja maior. Continue a escrever e a encher os nossos dias de esperança. Cumprimentos. Bela.

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  7. Anónimo25.1.11

    Hello dear Sonhos!
    You founded a good an beautifull end for the story. It's good to fly, but to fly with your heart it's better.
    Kissis. John

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  8. Anónimo25.1.11

    Gostei da forma como terminou seu conto. Feliz, sem nada que não pudesse acontecer. Gosto de histórias de vida que mostram que é possível acreditar e lutar. Sou professor de literatura. Gostaria que fosse minha aluna. Nota 10!
    Desde Curitiba, o meu abraço.

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