terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (6)

Central Park - Nova Iorque
Ao vê-los chegar tão cedo, a mãe do João estranhou, mas não disse nada e começou a preparar o lanche para todos. Mas, para sua surpresa, os amigos do filho não aceitaram e saíram mais cedo. Deixaram o João, sozinho, no seu canto preferido da varanda. Não quiseram correr o risco de afugentar o pequeno pássaro.
À hora certa, o rouxinol apareceu. Olhou João, com ar interrogativo perante o seu semblante quase assustado. Não disse nada, apenas entoou o seu canto melodioso antes de apanhar os grãos que João lhe deu, com o seu biquito certeiro. O rapaz não disse nada, ainda desconfiado da sua sanidade mental. Ficou à espera, sério, a olhar para a pequena ave, não sabia se com esperança de que falasse ou de que permanecesse apenas pássaro cantor.
Porém, apanhados todos os grãos, a voz melodiosa voltou a soar com fala de gente: “Hoje ficaste menos tempo no parque! Por quê?”
Apesar de estar à espera de o ouvir falar, João surpreendeu-se com a voz e com a pergunta. “Como sabes que vim mais cedo?”
"Ora, conheço os teus hábitos – ao Domingo é dia de passeio e brincadeira. Os teus amigos levam-te a dar uma volta completa ao parque e, depois, ficam na relva em frente ao lago, conversam, às vezes jogam à bola. Até já vi como se rebolam na relva e como tu gostas de te estender ao sol, de rir com as piadas do Hugo e de ouvir as explicações científicas do Tiago. Até reparei na forma como olhas para a Inês – como se mais ninguém existisse, além dela.”
João corou ao ouvir o novo amigo. Não sabia que se notava no olhar o que sentia por Inês. Nem ele sabia se era amor, mas era diferente do sentimento que tinha pelos outros dois amigos – era mais forte, mais carinhoso, mais ansioso e também mais triste, pois sabia que nunca poderia dizê-lo. Não tinha esse direito. “Tens andado a espiar-me?”, perguntou.
“Não, só gosto de observar as pessoas e simpatizei contigo porque és interessante: pareces feliz, mas sei que não és, porque te sentes preso. Eu compreendo-te porque também já me prenderam, mas fugi e agora sou livre.”
João conteve uma lágrima. “Sim, sinto-me preso, mas ninguém sabe. Todos pensam que estou a lidar bem com a cadeira de rodas e querem fazer-me crer que tudo continua como dantes. Mas nada é como era, nada!”
“Enganas-te, algumas coisas mudaram, mas outras continuam a ser iguais. Há coisas que já não podes fazer, mas aprenderás a fazer outras em seu lugar.”
“Nunca mais poderei correr atrás duma bola…”
“Mas poderás rodar na tua cadeira e vencer todos os jogos com bola que te apetecer!”
“Nunca poderei dizer à Inês que gosto dela…”
“Poderás, se tiveres coragem. A coragem vem do coração, sabias?”
“Mas não tenho.”
“Vais ter, prometo-te. É para isso que aqui estou.”
“Como? Estás aqui para me dar coragem?”
“Estou aqui para te ensinar a voar.”
“A voar?! Os humanos não podem voar!”
“Podem sim. Podem voar com o coração e com a alma. Esses são os voos mais altos e mais arriscados. Não sabias?”
“Ora, mas não é voar a sério! Quem me dera voar como tu!”
“Vou-te ensinar. Com treino, vais conseguir chegar a todo o lado e voar até onde quiseres.”
João sorriu do que pensou ser a ingenuidade do amigo. Mas ficou sério quando o rouxinol se despediu:
“Amanhã começaremos pelo mais fácil. Prepara-te, ouviste? E voou pelos céus do parque até se diluir no horizonte.”
…………….
(Continua)
…………….

3 comentários:

  1. Anónimo11.1.11

    Texto bonito a prometer um voo de esperança. Quero acompanhar o voo do João e sonhar com ele. Força a todos os que se sentem presos e querem aprender a voar. Obrigado amiga. MJ

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  2. Anónimo11.1.11

    Minha amiga tinha saudades suas e também do João e do passarinho falador. Estou ansioso por vê-lo voar em liberdade. Um abraço para si e para a sua amiga que escreve tão belos poemas. Luiz Vaz

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  3. Anónimo12.1.11

    Gosto desta história e tenho curiosidade de saber como vai acabar. Quando penso que vai tomar um rumo vira-se noutra direcção. Será que o João vai mesmo voar?
    Não sei quem está por detrás desta história mas é de certeza alguém que escreve muito bem, melhor que muitos escritores ditos profissionais. Parabéns!

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