quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (10)

Parque da Cidade - Porto: o maior parque urbano do País
Sobrevoaram mais uma vez o parque e sentiram o seu movimento, ouviram os seus sons, ruídos e musicalidade naturais, aspiraram os cambiantes dos seus cheiros e perfumes, observaram a vida que nele encontrara o seu habitat e a que todos os dias por ele passava e nele encontrava espaço de distracção, descanso ou reflexão. Lá do alto, João sentiu-se parte dessa vida tão sua conhecida e, nesse dia, redescoberta de um modo que nunca esqueceria ainda que não voltasse a voar.
“Achas que vou poder voar novamente?”
“Claro, João! Basta que tenhas vontade e abras as tuas asas.”
“Vou ficar com elas para sempre?”
“Vais, se quiseres e não as perderes. É um presente da vida. Quem recebe asas nunca as perde e poderá voar para sempre, a não ser que as esqueça e deixe de as usar.”
“Eu nunca vou deixar de as usar! Achas que poderei voar mais longe?”
“Podes ir aonde tu quiseres. As asas que ganhaste são fortes e grandes!”
“E tu irás sempre comigo?”
“Só ao princípio. Depois poderás voar sozinho até onde quiseres.”
“Só estou preocupado com uma coisa.”
“O que é?”
“O que dirão os meus pais e os meus amigos, quando virem as minhas asas.”
“Aos olhos de todos continuarás igual. Só tu verás as tuas asas e saberás que existem.”
“Como será isso?”
“Quando voltares para a tua varanda, as asas voltarão para o lugar onde sempre estiveram, sem tu dares conta.”
“Onde?”
“No teu coração. Sempre estiveram lá. Por isso é que tinhas aquele sorriso maroto e, ao mesmo tempo, alegre e generoso antes do acidente. Elas é que te fizeram chegar a tempo de proteger a Rosinha. Com a tristeza que veio depois ficaram muito quietas à espera que desses novamente por elas.”
João ouvia admirado aquela explicação. Nunca se apercebera que tinha asas. Seria verdade?
“Vamos pousar na copa daquele carvalho alto, do outro lado do lago. Apetece-me descansar. Vamos, eu digo-te o que tens de fazer para pousares em segurança.”
Voaram até lá e o rouxinol ensinou João a deixar as asas para trás, para fazerem de para-quedas, a esticar as pernas e depois a flecti-las, para amortecerem o impacto, e a puxar as asas para a frente, ao pousar, para obter equilíbrio. João estava um pouco receoso mas admirou-se com a facilidade que teve em fazer tudo o que o amigo lhe foi dizendo.
“Muito bem João! É fácil ensinar-te.”
João retomou a conversa:
“Podes explicar-me melhor o que disseste sobre as minhas asas?”
“Foi por causa delas que comecei a falar contigo. Para te fazer reencontrá-las e usá-las novamente.”
“Mas eu nunca voei!”
“Nunca voaste como hoje, no céu. Mas vi-te muitas vezes levantar voo na esperança e na confiança que tinhas em ti próprio e no teu futuro. Voavas nos teus sonhos e nos teus projectos. Voavas no que sentias pelos teus amigos e pela Inês. Depois do acidente deixaste de voar e, por isso, é que foi preciso ensinar-te novamente a usar as asas.”
“Mas esta forma de voar é muito diferente!”
“Pois é. Cada um tem a sua forma de voar. Tu encontrarás a tua. Olha, o vento está a dizer-nos que é melhor regressarmos, vai começar a soprar com mais força e no sentido oposto ao da tua varanda.”
Abriram as asas e levantaram voo. João sentiu as asas a encherem-se de ar e deixou-se levar pela corrente ascendente que, mais acima, se tornou plana e os conduziu ao outro lado do parque em direcção à sua varanda. Foi observando tudo mais uma vez e sentindo o prazer de rasgar o ar e deslizar nele, confiando na força e na habilidade das suas asas. E repetia para si próprio “Estou a voar, estou a voar!”.
………….....
Continua
…………….

4 comentários:

  1. Anónimo19.1.11

    Este voo é uma lição. Todos queremos voar mas nem todos estamos dispostos a arriscar perder o chão e a levantar voo com as asas do coração.
    Muito bonito. Bjs. MJ

    ResponderEliminar
  2. Anónimo19.1.11

    O João continua a voar e a perceber que há muitas maneiras de levantar voo. É bem verdade que voar pode ser um destino de todos, até de quem não pode andar, porque a vontade de voar e a capacidade de o fazer nasce de dentro e pode acontecer em qualquer momento ou lugar. Basta acreditar e querer. É o que falta agora e o que precisamos nesta época de crise. Ainda bem que soube pô-lo em palavras.Os meus cumprimentos. Bela

    ResponderEliminar
  3. Anónimo20.1.11

    Hello Sonhos!
    At finally I've understanded all your story. My portuguese is not so good!
    I have liked so much! I hope Joao may fly for ever!
    Kissis. John

    ResponderEliminar
  4. Anónimo21.1.11

    Minha amiga só hoje consegui abrir o blog e ver este novo trecho da história do João. Muito leve e bonito a deixar antever que o milagre que eu desejei não vai acontecer. Confio em si e aguardo.Um abraço para si e para Olhares. Luiz Vaz

    ResponderEliminar