quinta-feira, 17 de março de 2011

Post.it: O síndrome de Calimero

Tenho uma amiga de longa data. Nem digo de quantos anos porque senão ouço-a gritar “Que horror foi assim há tantos anos? Eu nem sequer tenho essa idade!”. Já estão a ver o estilo, não estão? Mas é minha amiga, gosto dela pelo contraste e pelo exagero. Quando ela me conta alguma das suas desgraças, já sei que está acrescentar o IVA.  Na escola tudo lhe corria mal, já que não conseguia atingir as notas que pretendia, esclareça-se que também nada fazia para isso. Depois apaixonou-se pelo galã da escola, já se previa o resultado, rios de lágrimas. Casou cedo porque não queria ficar solteira, o final não demorou a chegar. Continuava  e continua a lamentar-se enquanto uma corte de apaixonados a rodeiam, ávidos de uma oportunidade para a fazer feliz. De vez em quando telefona-me, ficamos horas ao telefone, chora, ri, acaba sempre tudo bem. “Liguei-te porque tu tens sempre uma visão clara das coisas, até disse para a minha colega, vou telefonar à minha amiga, ela decerto sabe o que hei-de fazer”. Sinceramente não sei que lhe diga, comove-me esta confiança, esta entrega, esta quase ingenuidade. Acabo por desfazer os enleios emocionais em que se envolve. Suspira: “Tu fazes-me bem à alma”. “Mas já não sei o que faça aos miúdos estão naquela idade que só arranjam problemas”. Não ligues, sabes que faz parte da idade, confessa lá se não fizeste o mesmo? Tanto quanto me lembro, eras uma pestinha. De que te queixas? Tens uns filhos amorosos, um bom emprego, tens saúde e esta amiga sempre disponível para te ouvir, que te falta? “Sabes lá os meus dramas! ando sempre a correr”. Óptimo, poupas o dinheiro do ginásio. “Se soubesses o banho que apanhei outro dia, chovia imenso e com o vento nem podia abrir o guarda-chuva”.  Tudo bem afinal poupaste na conta da água. “Tu gozas mas fiquei com uma gripe tal que estive uma semana em casa”. Excelente, até estavas  a precisar de descansar. “Hoje parti os óculos e tu sabes que fico míope de todo sem eles”. Ainda bem, esse modelo já não te ficava nada bem. “ Mas tu achas graça a tudo?”. Claro, rir é o melhor remédio. “Nem penses, rir faz rugas e o meu ordenado não chega para cremes e plásticas. Principalmente com os miúdos a exigirem roupa de marca”. O discurso prolonga-se, com queixas e mais queixas. Rio-me delas e penso, que bom serem apenas estas…
Enquanto isso vou rabiscando num papel um pinto preto que ainda não saiu totalmente da casca. Já não me lembrava dele há muitos anos, mas esta minha amiga trouxe-mo à memória. Talvez por ela ter um discurso semelhante. “É uma injustiça, não é?” dizia ele no seu jeitinho triste.

6 comentários:

  1. Anónimo17.3.11

    Há pessoas que têm dificuldade em sair de si e verem o mundo à sua volta. Mesmo que faça sol para elas é sempre um eterno inverno. O seu pessimismo se não controlado torna-se limitativo das suas acções. Muitas vezes já não querem sair para a rua, ir trabalhar ou nem comer, entram na depressão. Noutros casos a situação é mais ténues, são apenas pessoas carentes de uma atenção que nunca tiveram e pensam que dramatizado as situações obtêm a pena dos outros e o seu carinho. Seja como for são pessoas que devem ser ajudadas, e “obrigadas” a encarar as coisas boas da vida. Bjs. Sandra B.

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  2. Anónimo17.3.11

    Lindo, ternurento, que mais posso acrescentar? Não me leves a mal, nem a tua amiga, mas fartei-me de rir. Conheço pessoas assim, cheias de dramas, mas na verdade pouco têm de que lamentar. Que importam as rugas de rir se isso é a imagem da felicidade? Adorei.Bjs,A

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  3. Anónimo17.3.11

    Síndrome de Calimero, isso tem cura, é que tenho lá em casa uma pessoa com esses sintomas. Por vezes cansa-me tanto pessimismo. Insisto para que veja as coisas de outra forma mas ela arranja sempre motivos para fazer drama.Bjs, Amália

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  4. Anónimo17.3.11

    Que saudades do Calimero, era tão bonitinho, foi bom recordá-lo, mesmo sabendo que ele era tão triste e pessimista. Há pessoas assim que sendo pessimistas atraem todo o tipo de desventuras. Beijocas C.

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  5. Anónimo17.3.11

    Reconheci algumas pessoas com este síndrome, sempre negativas, sempre a ver o lado mau de tudo. Mas foi muito gira a comparação, agora cada vez que as estiver a ouvir vou ver à minha frente o Calimero. Bjs. Leonor

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  6. Anónimo17.3.11

    Gostei da comparação e achei graça a ideia de que acrescentam sempre o IVA à situação. Realmente na maioria dos casos exageram tudo e em tudo vêm problemas. Enquanto os positivos vêm desafios.

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