sexta-feira, 11 de março de 2011

Post.it: A gaguez

Já fui gaga, podem não acreditar mas é verdade. Olhei para ela incrédula. Nem queria acreditar que aquela minha amiga que conversa habilmente como ninguém, já tinha sido gaga.
 – Não acreditas?  é a mais pura verdade, pergunta à minha família.
Foi uma fase, já tive tantas, que nem te conto, dava para escrever um livro de muitas páginas. Perguntas tu certamente porque me fui lembrar disso agora, mas recordei-me dessa época já muito recuada porque fui  outro dia ao cinema ver o filme  “O discurso do Rei”.
Mas como te dizia, fui gaga durante um certo período da minha vida. Que cansaço para quem me ouvia, que desespero para mim que queria falar mas atropelava as palavras. Exasperados, os meus ouvintes completavam-me as frases, quase sempre sem acertarem, o que levava a mil novas tentativas. Há quem diga que a gaguez passa a cantar. Então um dia meti na cabeça que gostaria de fazer parte dum coro de igreja. Crente que a minha voz chegaria aos altos céus e que certamente soaria para os astros como se fosse um rouxinol, abri os pulmões e cantei, ou melhor espantei a audiência.  O padre/maestro veio ter comigo, com um ar benevolente e perguntou-me: - Gostas de cantar? a gaguejar respondi: - Go, gos to. E para que cantas,  minha filha? Insistiu. – Pa, pa ra lou, lou var ao  Se Se nhor.  Respondi com dificuldade. O padre sorriu. – Olha minha filha, podes louvar em silêncio que Deus também assim te ouvirá. E desta forma terminou a minha curta incursão pela música. Passados uns anos revendo os vídeos familiares é que entendi o conselho do maestro, nunca tinha ouvido criatura mais desafinada. Voltando à gaguez, queres saber como me passou? Foi fácil mudei de amiguinho de brincadeiras que por ser gago pegou-me o tique. O meu novo companheiro de diversões falava pelos cotovelos, acho que também me pegou o tique e foi assim que comecei a falar e nunca mais me calei, dizem que falo até a dormir, mas isso é outra história.
Ela é uma óptima contadora da sua história, eu sou uma excelente ouvinte e delicio-me com estas pequenas maravilhas do que fomos, do que somos e quem sabe do que seremos. Num misto de saudosismo e de esperança porque mesmo que não possamos cantar, a nossa voz oral ou escrita poderá chegar mais  longe se os amigos a quiserem ouvir e transportar no coração.

6 comentários:

  1. Anónimo11.3.11

    “A amizade é um lugar onde nos sentimos bem. Um lugar onde o coração descansa dos seus cansaços, dos seus medos. A amizade é um rio que flui transportando os seus e os nossos medos” Ofereço-lhe este poema porque o reconhecerá certamente. Um poeta que trata a amizade como você com o carinho e a sensibilidade própria de quem tem um sentir de poetisa. Um abraço, Antero

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  2. Anónimo11.3.11

    Tocas os assuntos mais sérios com um sorriso nos lábios. Lê-se em cada frase e quase se consegue visualizar. Histórias de vida, das nossas vidas. Umas que vale a pena recordar, rir com elas e partilhá-las com os amigos. Bjs A.

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  3. Anónimo11.3.11

    Como tu dizes é uma história deliciosa, leve e bem disposta. Estava mesmo a precisar disso para me animar o dia cinzento. Obrigada pela tua doce companhia. Bjs, Amália

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  4. Anónimo11.3.11

    A gaguez é realmente uma dificuldade que cria muitos complexos as quem a possui. Pelos vistos tem cura o que é bom. Mas fiquei encantada com a franqueza e a leveza das palavras.

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  5. Anónimo11.3.11

    Embora me tenha divertido com este post, não deixo de sentir-me solidário com quem tem o problema de gaguez. Apreciei a sensibilidade com que o abordaste. Bjs, Luís

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  6. Anónimo11.3.11

    Adorei, diverti-me, que me perdoem os gagos, mas esta história está um encanto. Então aquela pare de louvar a Deus em silêncio, está o máximo. Que bom termos estas pequenas vivências para nos rirmos delas e sentir que são elas que nos fazem quem somos. Beijocas C.

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