terça-feira, 3 de maio de 2011

post.it: Reciclar

Reciclar é a palavra de ordem. Mudar, transformar o que foi em algo que um dia de novo será. Reciclar é bom, porque tudo adquire um novo sentido, um novo destino. Mas já não se reciclam apenas materiais, hoje em dia reciclam-se corações, separações, vidas. Até parece que as separações não doem, que os finais apenas trazem consigo o desejo expectante dum recomeço pleno de adrenalina e paixão. Há quem diga que continua a doer, mas daí a poucos meses já se tem uma nova relação, um novo sorriso, um novo brilho no olhar. “Ferida de cão cura-se com pêlo de outro cão” diz o povo. Desta forma fica-se com a impressão de que as separações geram reencontros que por sua vez são terapêuticos.
Chamem-me antiquada, mas ainda sonho com o “para sempre”. Mas parece que a nossa incapacidade de tolerar os outros tornou-nos inflexíveis, noutros tempos quase diria que as pessoas tinham uma capacidade elástica, capaz de se adaptar, suplantar, valorizar e  amar o outro. Um amor que se desgastava, mas também um amor que se renovava. Era também uma forma de reciclar, mas dentro da relação. Criando momentos especiais, descobrindo novas qualidades que despertavam os sentimentos mútuos. Perdoem-me a comparação, mas ainda gosto daquele sapato envelhecido que se adaptou ao meu pé, que me conforta sem  magoar. Os novos ainda não estão feitos ao molde, são mais bonitos, modernos, elegantes, sem deformações, sem rugas, mas resisto, os velhos já lhes conheço os defeitos e aprendi a apreciá-los, com eles sinto segurança e cumplicidade.
Hoje em dia quem pensa assim? Quem se dá ao trabalho de construir quando há tanto para descobrir? É irrelevante o passado que cada um arrasta consigo, dramas, traumas, mágoas, inseguranças. A estrutura da família altera-se, são os meus filhos, os seus filhos, os nossos filhos.
Olho para os meus sapatos velhinhos meto-os num saco de lixo mas de imediato perco a coragem. Retiro-os de lá, calço-os, os meus pés reconhecem instantaneamente o contacto macio. Saio para a rua, ainda temos muito caminho para partilhar.

10 comentários:

  1. Anónimo3.5.11

    Gostei desta análise, sendo séria, fez-me rir. A ideia de reciclar relações é muito gira. Tens razão hoje ninguém está para aturar o outro e vice-versa. Para quê reciclar o velho quando se pode ter novo? É o que pensa o pessoal, já não se investe nas relações o que é pena. BJs. Amália

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  2. Anónimo3.5.11

    Tens razão no que dizes mas ainda prefiro “o sapato velho” aquele que já conheço os defeitos e virtudes, aquele que já conhece e aceita as minhas manias, que respeita os meus silêncios. Aquele que sabe que me entende mesmo quando nada digo. Bjs, José

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  3. Anónimo3.5.11

    Um sapato velho, que excelente analogia. Também me sinto confortável com ele. É uma relação construída a dois. Já lhe conheço as manhas, já sei como contornar os seus defeitos, como o fazer rir. Uma relação é sempre um crescimento mutuo, um cuidar recíproco. Não podemos procurar a solução de um dia menos bom em alguém que passa ao lado, é mais bonito, elegante. Quem sabe melhor, quem sabe pior, mas terá capacidade para me conhecer, para me mimar?

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  4. Anónimo3.5.11

    Ainda sou do tempo em que se celebrava bodas de ouro. Os meus pais e eu própria as celebrei. Não é fácil, cada pessoa tem a sua maneira de ser. Há dias em que nos apetece virar costas a tudo e ficar sozinha, mas depois lembramo-nos do passado que construímos e começamos a vacilar. Há uma relação que se vai construindo, uma cumplicidade que se cria e isso faz com que um de nós ceda e o outro de imediato assuma igualmente a culpa e se tente redimir. O amor muda, cresce e qualidade, diminui em paixão. Fica a ternura, a amizade, o respeito pelas características de cada um. E sobretudo a vontade de cuidar, o desejo de estar e partilhar. É assim que se eternizam as ralações. Um beijo, Adelaide

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  5. Anónimo3.5.11

    Os recomeços são bonitos, cheios de esperanças, de paixão, mas a paixão acaba, mais tarde ou mais cedo, que fazer? Recomeçar? Sim mas é fácil quando se tem 20 anos, depois já começa a ser cansativo, estar sempre a dizer, sou assim, gosto ou detesto aquilo. Já é difícil moldar-nos, dividir o tempo e o espaço. A idade que vai aumentando torna-nos mais selectivos, já não basta a beleza, precisamos de maturidade, de estabilidade e de amor. Bjs, Leonor

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  6. Anónimo3.5.11

    Há muito de verdade no que dizes, a insatisfação que sentimos em nós procuramos suplantá-la na busca de uma solução através de novas relações. Abandonamos a que temos, porque sentimos que não nos compreende, que não nos valoriza, enquanto outra pessoa já nos sorri. Mas também essa acaba por ser uma desilusão. Passamos a vida em eternos recomeços. Porque não temos consciência muitas vezes que o problema está em nós, que os nossos problemas profissionais e pessoais, o stress em que vivemos nos impede de ver o outro enquanto esperamos que seja esse outro a lutar pela relação, a compreender a nossa falta de atenção. Este tipo de atitude cria uma relação unilateral que leva à mudança e muitas vezes ao final da mesma. Sandra B.

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  7. Anónimo3.5.11

    O desejo imediato de felicidade tornou-se uma busca incessante, se não dá com uma procura-se com outra. Há tantos corações solitários, tantos corações que já sofreram e procuram o mesmo. A oferta supera em muito a procura. É tão atractivo voltar a ser conquistado, a ser mimado. Porque nos esquecemos de o fazer na relação que temos. Sentimos que nos falta algo, um vazio que preenchemos com carinhos passageiros. Mas um dia todos nós paramos, abrandamos a busca e percebemos que: ou deixámos passar a felicidade que estava ao nosso lado, ou que procurando tanto não parámos a tempo de a viver.

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  8. Anónimo3.5.11

    Gostei de ler esta reciclagem de relações. É mesmo assim, tudo é vivido muito rapidamente, já não se criam raízes. As famílias já não têm estruturas, as crianças crescem com os irmãos, filhos da mão, os do pais e os da madrasta ou padrasto. É o caos total. Que saudades das relações que duravam uma vida inteira. Uma família sólida que dava conforto e valores aos filhos. Luís

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  9. Anónimo3.5.11

    Revi-me nesta história, já passei por algumas relações, não que as procure avidamente, acontece. Infelizmente, a vida é vivida tão a correr que ninguém quer ceder na sua maneira de ser, moldar-se ao outro. Eu tento mas tem de ser algo feito a dois e isso é muito difícil de conseguir. Bjs, A.

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  10. Anónimo4.5.11

    Adorei seu reciclar amoroso. Todo mundo troca de amores sem se apegar aos sentimentos. Não sou assim e quero que meu amor dure a vida inteira. Já vou no terceiro, mas a esperança é que seja este o tal que me vai acompanhar até ao fim. Será? Bj, Marina

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