quarta-feira, 11 de maio de 2011

Post.it: Detesto roupa preta

Detesto roupa preta, são tétricas, depressivas, dão (baixo astral). Mas um dia o meu coração sofreu uma perda, uma grande perda, daquelas em que sentimos que parte de nós perece nesse mesmo instante. Chorei, mas as lágrimas não foram suficientes para lavar a minha dor. Detesto roupa preta, reafirmo convicta, mas senti a necessidade de não pôr cor em cima de mim. O meu coração estava de luto, todo o meu sentir estava enlutado, por isso a roupa preta foi a melhor forma de me esconder. Encontrei no preto o aconchego e a protecção que necessitava nesse momento. Sentia que me dirigiam olhares  surpresos e solidários. As vozes baixavam de tom à minha passagem. Cumprimentavam, abraçavam, partilhavam uma lágrima, depois seguiam no mesmo silêncio em que tinham vindo. O meu luto pedia-lhes descrição, distância e respeito pela dor. Essa dor que não vem do corpo doente mas da alma magoada. Detesto a roupa preta, insisto, mas agradeci-lhe a paz que me permitiu vivenciar nesse momento de recolhimento. Ela  envolveu-me, assentou sobre o meu corpo fragilizado e acalentou-me o coração circundando-o de penumbra, onde permaneceu escondido, assustado e dorido.
Depois despedi-me dela, despi-a, sem saudades, era tempo de seguir em frente e voltar a  escolher na  palete de cores aquela que me inundasse de luz e esperança. Já não detesto a roupa preta, sinto-a como se fosse uma amiga distante, companheira dum momento que não desejo presente.

7 comentários:

  1. Anónimo11.5.11

    A cor preta é para muitos um gosto particular, a afirmação duma cultura, mas noutros casos marca um acontecimento que nos magoa em particular. Nessas alturas sentimos necessidade de fazer o nosso luto, de nos afastarmos de tudo e de todos. O preto reflecte o nosso estado de espírito e para os outros funciona quase como um código, uma informação de que aquela pessoa se encontra num período de dor. A forma como descreve essa situação é muito significativa e elucidativa. Sandra B.

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  2. Anónimo11.5.11

    Hoje o assunto faz-me tremer um pouco não convivo bem com o tema, mas mantendo a objectividade, reconheço que há momentos em que o preto pode ser a exteriorização do estado interior. Bj, José

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  3. Anónimo11.5.11

    Estou como tu, detesto roupa preta e não sou nada adepta do luto, mas reconheço que de alguma forma cria um ambiente de isolamento para um especifico momento em que nos queremos isolar do mundo. Já tive essa noção. Bj, Amália

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  4. Anónimo11.5.11

    Contrariamente a si, gosto de roupa preta, é elegante, discreta e como dizia alguém “com um simples vestido preto, eu nunca me comprometo”. Não aprecio o preto de certos grupos de rock, é um ambiente demasiado pesado para a minha compreensão. Mas nunca festa de cerimónia o preto continua a ter o seu lugar. Já quanto ao luto, nessa ocasiões o preto pode ser confortável mas torna-o ainda mais triste por isso evito o luto carregado, o que importa é o luto interno e não a visibilidade deste. O seu texto é real mas ao mesmo tempo doce, tem o seu toque inconfundível. Um grande beijo, Adelaide

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  5. Anónimo11.5.11

    Que forma tão terna de falar do luto, sem o pessimismo habitual. Tão reconfortante, quase um amigo. De hoje em diante vou passar a vê-lo de outra forma. Beijocas, C.

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  6. Anónimo11.5.11

    Confesso que também não gosto de roupa preta. Os gótico até me fazem alergia nos neurónios como tu costumas dizer. Mas gostei do teu post.it. porque mesmo falando do luto o transforma em algo que nos conforta. Bjs A.

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  7. Anónimo11.5.11

    Gostei muito do seu texto, sobretudo pela forma como aborda a questão do luto. Permita que acrescente uma curiosidade. Porque o luto não é feito com roupa preta em todas as culturas.
    Na China o luto é feito de Branco, que significa silêncio, paz, leveza. Por isso as noivas nunca vão de branco mas de vermelho, a cor da felicidade, prosperidade e sorte.
    Na Etiópia, o luto faz-se de Cinza, cor em que se convertem os corpos.
    Na Índia, o Vermelho é a cor usada por ser a cor do fogo que consome os corpos. Já no Egipto, a cor da folha seca, que representa o fim da vida é a cor do luto. Pois essa é a cor da natureza quando morre. Um abraço, Antero

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