segunda-feira, 20 de junho de 2011

Era uma vez: No reino mágico das fadas (44)

No céu límpido e escuro, apenas se via o reflexo incandescente dos seres de fogo. Um murmúrio de palavras segredadas e quase cantadas percorreu o ar e chegou às duas margens do lago. Era como uma canção cantada em muitas vozes, que se alternavam e pareciam fazer perguntas e dar respostas. O fogo reflectido no céu mudava de cambiantes ao ritmo do diálogo cantado. Ninguém compreendia o significado das palavras que elevavam do largo e se cruzavam no ar espalhando-se melodiosamente em todas as direcções, mas todos sentiam o calor profundo que emanavam e todos adivinhavam o segredo que delas se desprendia, num escoar de pura alegria, como se finalmente tivesse encontrado o caminho de uma libertação por tantos séculos ansiada.
Tudo ficou suspenso do que se passava no largo, como se mais nada existisse, como se tudo tivesse o seu início naquele ponto de luz e fogo, no meio da escuridão do lago, que se reflectia no céu, irradiando luz e melodia, enchendo o ar, o espaço e os corações de algo tão desconhecido e tão novo que ninguém ousava olhar noutra direcção ou ouvir outras palavras ou pronunciar outro som.
Ninguém soube ao certo quanto tempo se passou até que a cúpula de fogo começou a abrir-se. Primeiro um pequeno ponto de onde se projectou uma luz intensa que pareceu rasgar o céu até ao infinito. Depois, um desabrochar de luminosidade e cor, como uma flor que, lentamente se abre para a vida e a saúda em todo o seu esplendor. Os seres de fogo foram-se diluindo nas pétalas de luz que se abriram completamente e encheram o chão do largo. No centro, os caminhantes da ponte levitavam em círculo, de braços estendidos e mães unidas abraçados por um anel de energia que assumia todos os cambiantes de milhares de cores e irradiava em todas as direcções os sentimentos dos que ele unia e que lhe davam existência.
A pouco e pouco, o círculo foi-se alargando e deixando ver aqueles que o formavam. Para grande admiração de todos, não se observavam as habituais diferenças entre seres brilhantes e fadas e magos. Todos eram diferentes entre si, mas semelhantes nos traços essenciais do corpo e do rosto.
Foi então que todos compreenderam o segredo da canção cantada em mil vozes, a alegria de libertação que se desprendia dela, o significado das palavras que se tinham elevado do largo luminoso, espelhando a sua melodia num significado que só agora compreendiam.
Marbel recordava aquela noite distante. Lembrava-se de todos os pormenores e de todos os acontecimentos que a ela haviam conduzido. Olhou em seu redor e observou as paredes ancestrais de pedras corroídas pelo tempo que, durante cem anos, tinham sido a sua casa e o seu longo castigo. Estava consciente de que, ao sair dali, encontraria uma nova realidade, nascida daquela noite longínqua e, ao mesmo tempo tão próxima, em que a sombra, mãe de todas as feiticeiras malévolas, fora definitivamente derrotada e a luz vencera e unira o reino mágico das fadas e o povo dos seres brilhantes da ilha, não só pela ponte de água sólida mas também pela confiança dos corações.
Durante o seu exílio, no primeiro castelo do reino, apenas sua mãe, Ornix e os jovens magos que se haviam arriscado para a salvar a visitavam regularmente, colocando-a a par de tudo o que se passava, através de novas e poderosas formas de magia que permitiam ver e ouvir tudo sem sair do seu aposento feito prisão. Custava-lhe pensar que havia sido privada de presenciar e experimentar tudo isso e todas as experiências e vivências do novo reino unido em que o lago das mil cores já não era obstáculo mas ponte e caminho.
Faltavam poucos dias para sair dali. Por isso, naquela manhã, aguardava mais ansiosamente a visita da rainha Amada. Estava na hora. Pela janela alta viu-a chegar e dirigiu-se à porta de madeira pesada, onde fora gravando todos os dias da sua solidão.
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Continua
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No reino mágico das fadas (1)
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