quinta-feira, 16 de junho de 2011

Post.it: Morte

Já nos encontrámos algumas vezes. Esta “amizade” começou na minha tenra idade. Quando ainda não lhe conhecia o nome nem o destino. Depois disso cruzámo-nos por breves instantes, mas não me cumprimentou. Estava demasiado assoberbada em cumprir a sua missão. Por vezes confundo-a com a noite escura, porque me ensinaram a vê-la de negro. Mas já a vi chegar no despontar do dia ou no raiar da tarde. Chamo-lhe triste, quando talvez não seja, mas é esse o sentir que muitas vezes nos deixa de herança na sua passagem. Já te vi chegar quando tudo em redor sorria, e senti-a como se fosse uma festa, uma bênção em que os corações unidos entoavam melodias não de adeus mas de até um dia de reencontro. Já a vi chegar quando o sol entristecido se escondia nas nuvens para chorar, envergonhado demais para mostrar a sua fraqueza, o seu sentir. Nesses momentos sinto a amargura da tua chegada, que veio antecipada. Não sei como te apelidar, não sei como te receber, não sei como te esperar. Se fugir, se parar, porque sei que mais tarde ou mais cedo nos iremos encontrar, frente a frente, sem saber o que te dizer.
Por isso aprendi a conviver com a tua existência, deixei de te questionar. E quando te leio em algum olhar, choro-te a ti e a quem parte. Porque tens a mais dolorosa missão, de espalhar lágrimas e de deixar saudades. Mas de vez em quando sinto que vens ligeira, como se  te doesse menos essa função,  nesse dia não te chamam morte mas sorte porque  levas-lhe a dor e lhe concedes a paz.
Quanto a mim cito adaptando. (Fiz um acordo de coexistência pacifica com a morte, nem ela me persegue, nem eu fujo dela, um dia a gente se  encontra).

7 comentários:

  1. Anónimo16.6.11

    Apreciei a tua atitude positiva sobre a morte. Seria bom que todas as pessoas a encarassem assim, sem dramas, com complacência e consciência disso mesmo. Para que a sua existência fosse melhor vivida. Para que não desistissem dela, para que não a desperdiçassem em situações sem possibilidades de sucesso. Que a noção de finito as fizesse lutar para a tornar mais feliz enquanto existente. Beijos, Sandra B.

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  2. Anónimo16.6.11

    Escrito por ti até a morte ganha um aspecto simpático. Bj, José

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  3. Anónimo16.6.11

    Não é um assunto que me agrade mas depois desta leitura até a consegui aceitar, mas cito-te (Fiz um acordo de coexistência pacifica com a morte, nem ela me persegue, nem eu fujo dela, um dia a gente se encontra). Beijocas C.

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  4. Anónimo16.6.11

    Como gostava de a encarar assim, mas na verdade angustia-me saber que tudo tem um final, que irei perder amigos, familiares e que eu própria partirei um dia.

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  5. Anónimo16.6.11

    Fiquei sem palavras, perdida nos meus pensamentos, reflectindo sobre a tua análise, uma forma tão generosa de falar da morte, quase com amizade, quase com compreensão e solidariedade.

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  6. Anónimo16.6.11

    Apesar do tema me ter desde logo chocado, a abordagem surpreende pela leveza, pela sinceridade, pela delicadeza. Quase tive pena da morte, pela sua dolorosa missão. Bjs, A

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  7. Anónimo16.6.11

    Ai amiga, que susto levei ao deparar com este título! Quase que nem me atrevia a ler, mas depois pensei, escrito por quem foi não deve ser tão mau assim. Enchi-me de coragem e li. Deliciei-me porque encontrei em cada frase a tua habitual ternura. Continuo a não gostar do tema mas gostei da forma como a apresentaste, sem ser um papão. Beijos

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