sexta-feira, 24 de junho de 2011

Era uma vez: No reino mágico das fadas (46)

Como sempre, ficaram em silêncio a saborear a presença e a afeição que os unia. Esse recanto era o mais confortável da sala grande e um pouco fria. No chão, havia um tapete gasto pelos passos e pelo tempo e, sobre ele, uma mesa baixa e rectangular com uma base da mesma pedra das paredes e um tampo de madeira, a mesma dos cadeirões, enegrecida pelo uso de muitos séculos. O couro dos assentos adquirira a cor da pele gasta e rugosa e tornara-se macio e acolhedor. Os três olhavam-se com afeição, os rostos iluminados pela alegria da aproximação do final da longa separação e pela luz que vinha da janela alta e larga que se abria sobre o azul do céu e o verde da paisagem, dominada pela ampla planície de prados e bosques que, lá muito ao longe, dava lugar às Montanhas Douradas.
Marbel, sentada olhava o rosto da mãe, de olhar sereno e feliz, onde brilhava a mesma luz que iluminara a praça e a multidão e vencera a sombra para sempre. Esse brilho nunca desaparecera do olhar da rainha, como se fosse uma lembrança, um testemunho daquela luta e daquela vitória.
Ornix também olhava a rainha Amada. Não perdera completamente o seu brilho, como acontecera com todos os seres brilhantes depois daquela noite em que todos os habitantes da ilha e do reino mágico das fadas haviam descoberto que, afinal, todos eram semelhantes, faziam parte da mesma espécie e que, por maldição da sombra maléfica, tinham inventado diferenças e invejas, ódios e conflitos, tudo nascido da desconfiança e do medo. Naquela noite, em que a luz e a confiança venceram as trevas e o medo, tudo renascera e a vida recomeçara num novo caminho de esperança.
Foi a rainha Amada quem quebrou o silêncio.
“Gosto deste recanto e da luz desta janela! Mas estou feliz por estar a chegar ao fim o teu exílio!”
“Também eu, mãe. Nem imagina como!”
“Imagino. Claro que imagino, minha filha! E orgulho-me por teres mantido a tua palavra e pela pessoa em que te transformaste.”
“Todos se orgulham de ti” – disse Ornix – “e anseiam pelo teu regresso. Ninguém esquece que a tua aventura, apesar de ter sido uma desobediência às leis do reino mágico, foi o que desencadeou todos os acontecimentos que conduziram à união da nossa espécie.”
“Mas poderia ter significado a guerra e a desgraça do reino mágico. Eu não me orgulho disso. Nem esqueço o medo que senti e tudo o que sofri e fiz sofrer nessa época. Não foi a minha desobediência que conduziu à situação actual. Foi a vossa sabedoria que evitou o pior.”
“Ora, o que lá vai, lá vai. O que importa é que tudo se resolveu em bem.” Por isso, minhas senhoras, agora é altura de celebrar e de pensar no futuro!”
Ornix era sempre assim: jovial e positivo. Marbel apreciava muito essas suas características e, mais ainda, o modo como ele olhava sua mãe – com um olhar de séculos de admiração, onde se lia claramente o sentimento que os unia – e, por isso, sorriu para ele e teve de conter-se para não o abraçar.
A conversa voltou-se para a preparação do regresso da princesa, passando depois aos projectos sobre a sua vida futura e aos planos da rainha Amada e de Ornix para a governação do reino.
A tarde passou rapidamente e Marbel voltou a ficar sozinha. Sentou-se na pedra larga do parapeito largo da janela e deixou-se deslumbrar pelo fim de tarde. Recostou-se e dispôs-se a apreciar a solidão da última noite que daria lugar ao último dia do seu exílio.
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Continua
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No reino mágico das fadas (1)
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