segunda-feira, 6 de junho de 2011

Era uma vez: No reino mágico das fadas (41)

A sombra sentiu a confiança da rainha a vacilar, quando a atingiu com a maldade ardente e vermelha do seu olhar. Porém, não teve tempo de se regozijar com isso, pois nos seus olhos leu a determinação e a coragem inabalável com que afastou o desânimo que tentara semear nela. A doçura e limpidez do olhar da rainha eram como espadas afiadas a feri-la e a abrir fendas por onde o poder maléfico se esvaía. Sempre conseguira semear desconfiança, medo e discórdia, sempre fora capaz de fazer crescer os maus sentimentos semeados. Eram eles a sua força, pois geravam conflitos e rancores e ódios e guerras, ao mesmo tempo que alimentavam o seu negrume e o seu fogo tenebroso, ajudando-a a crescer e a fortalecer-se.
Mas, desta vez, o seu esforço não estava a ter sucesso. Aquela fada, tão pequenina ao pé de si, que pensara poder vergar facilmente, erguera-se sem medo diante do seu poder ameaçador e com uma magia tão simples, feita de luz e confiança, enfrentava-a olhos nos olhos e nem seu olhar aterrador, feito de ódio e fogo, conseguia vergar o seu objectivo de unir fadas, magos e seres brilhantes numa única vontade, gerada e alimentada pela confiança mutua.
Ornix sentiu esta luta tremenda e admirou ainda mais a fada rainha. Chamou todos os pensamentos de união e apoio que lhe chegavam das cidades da ilha e, colocando as mãos sobre os ombros da rainha, enfrentou também ele o olhar incandescente da sombra. Olhou-a de frente e decididamente, deixando transparecer todo o afecto e toda a admiração que nutria pela rainha Amada, todo o desejo de união entre os dois povos, toda a determinação de construir um caminho comum, toda a esperança que o recente entendimento havia gerado.
A sombra sentiu-se atacada e enfraquecida mas resistiu e enchameou os olhos e inflou ainda mais a nuvem de fumo e negrume, roncando e fazendo estremecer tudo. Agarrou-se à força das vozes lancinantes e odiosas das filhas aprisionadas e tentou varrer a praça com o seu fogo. Mas a luz real continuava firme e conseguiu proteger a multidão, reflectindo todas as chamas e toda a maldade da sombra.
Na praça, a confiança redobrou e, a um gesto da fada Astuta, todos enfrentaram com firmeza os olhos maléficos e juntaram a sua confiança à da rainha Amada que, sentindo o apoio do seu povo redobrou de forças e decisão.
A sombra tentou por todos os meios anular essa confiança e coesão, mas as forças faltaram-lhe. Nada havia ali que a alimentasse. Sem os sentimentos de desconfiança e discórdia, sem a agressividade do ódio e dos conflitos, não podia continuar a lutar. Eram eles o seu alimento e a sua força. Ainda tentou encontrar algum olhar vacilante entre a multidão, por onde pudesse fazer penetrar algum ódio, de onde pudesse retirar qualquer força. Mas não havia nenhum olhar assim. Tentou absorver a força das vozes longínquas das filhas, mas era insuficiente e fraca. Tentou, mais uma vez, redobrar o horror e o fogo do seu olhar, mas nada se vergou a ele. A confiança foi maior que o medo. Sentia a sua força a escapar-se pelas feridas que aquela união lhe infligia e rapidamente fazia crescer. Desistiu. Encolheu-se. Apagou o fogo dos olhos. Voltou o olhar para a noite que, agora, cobria o céu. Mas, até o firmamento parecia estar contra ela, de tal modo se encheu do brilho das estrelas. Recolheu as franjas incandescentes e deixou de fumegar. Calou-se e o silêncio reinou. Sentia-se vencida. A humilhação e o rancor eram tais que a roíam por dentro. Ainda rugiu e ameaçou, com voz rouca de raiva: “eu voltarei e neste reino, em todos os reinos, tudo será cinzas e nada!”
Ouviu-se um ronco tremendo e uma gargalhada longa e tenebrosa, enquanto a sombra rodou sobre si própria e se preparava para fugir.
Não contava com o novo obstáculo. Assim que se voltou o lago, viu uma muralha de fadas, magos e seres brilhantes, organizados em sucessivas filas e unidos pelo simples toque das mãos e pela confiança dos corações.
Tal visão horrorizou-a. Agoniou-se e gritou, urrou, esfumou e esguichou fogo em todas as direcções. A muralha viva e unida aproximou-se e cercou-a. Olhou-a nos olhos arregalados e vermelhos de fogo, ódio e medo. Sentiu-se acossada pelos seus piores inimigos. Todos tinham compreendido o segredo do seu poder e estavam a roubar-lho! Tentou esconder-se em si própria e disfarçar-se de escuridão nocturna. Porém, sobre o lago um clarão crescia e aproximava-se. Iluminou primeiro a enorme formação de fadas, magos e seres brilhantes, tornando tal visão ainda mais odiosa para a sombra. Depois, passou por eles e inundou a sombra de luz. Ela fechou os olhos, roncou e gemeu, tentou fugir para terra e esconder-se daquela luz. Mas de nada valeu. Encontrou outra barreira – a luz mágica da rainha Amada, que crescera com a confiança da multidão e inundava tudo e todos. Não havia escapatória. Estava cercada de luz e de esperança! Começou a mirrar e a esconder-se em si própria, mas só conseguiu esfiapar-se e desfazer-se em farrapos de fumo e pó, enquanto a voz rouca se foi tornando grito e lamento e gemido, até que, por fim, da sombra, só restou nada e silêncio!
………….

Continua
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No reino mágico das fadas (42)http://posdequererbem.blogspot.com/2011/06/era-uma-vez-no-reino-magico-das-fadas_08.html

1 comentário:

  1. Anónimo7.6.11

    Minha amiga gostei muito da descrição desta luta entre a sombra e a rainha Amada que descobriu o segredo do poder maléfico. É mesmo assim. O mal infiltra-se em todas as nossas fraquezas e cresce nelas como as ervas daninhas que nascem nas pedras de um muro e acabam por desmoroná-lo. O segredo é não deixar que ele se infiltre. Bem haja por esta ideia. Luiz Vaz

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