quinta-feira, 7 de abril de 2011

Post.it: Segue o olhar do coração

Ele tinha acompanhado na vida muitos inícios e os fins de relações. Por medo de ser mais um a viver uma história semelhante, recolheu-se a um espaço de tranquilidade e segurança. Se era feliz assim? Não, não era, sentia um vazio, um silêncio que  crescia que lhe invadia a alma.
Ela cuidara sempre dos outros e poucas vezes tivera tempo para si, acompanhou os irmãos mais novos, a doença dos pais, e escolheu por dedicação, ser enfermeira e continuar a cuidar dos outros. Esse parecia ser o seu destino. Se era feliz? Convencia-se que sim, quando olhava para um doente que lhe oferecia um sorriso agradecido pelo reconforto na dor.
O caminho tem tanta estrada para percorrer que em algum momento temos de nos sentar e olhar em redor.
Quantas vezes se sentara naquele banco de jardim, olhando para a natureza e em direcção ao topo das árvores. Naquele dia os seus olhos cansados preferiram repousar mais em baixo, ela estava  de olhos fechados. Admirou-se, quem  fecharia os olhos num local tão bonito. Quem teria coragem para não encarar o que a mãe natureza lhe oferecia?
Ela estava cansada, tão cansada naquele dia, quem lida diariamente com a vida, lida igualmente com a morte e fora o que sucedera, assistia à morte de um doente. Depois disso não foi para casa, apeteci-lhe mergulhar num mundo sem dor, cheio de imortalidade. Fechou os olhos e sonhou. Sonhou com esse mundo. Quando abriu os olhos ele olhava-a, com o espanto desenhado no rosto. Ela riu-se, sem saber porquê mas riu-se. Dizem que é bom quando logo no primeiro momento a pessoa que nos é estranha nos cativa um sorriso.
Ela sorriu, ele aproximou-se e de repente teve a maravilhosa sensação de que já a conhecia há muito tempo. Desconhecia o seu nome, mas sentia-se tão bem na sua presença, como se ao fim de uma longa vida a tivesse finalmente encontrado. O coração disparou, assustou-se. Temeu  que este início se tornasse um final. Mas logo acalmou e entendeu que era ele a celebrar o amor que nascia assim: incrédulo, jovial,  e sonhador
Ele aproximou-se num passo lento mas decidido, parecia que vinha trazer uma mensagem muito importante. Hesitou, ela pensou que tinha mudado de ideias. Ele prosseguiu, sentou-se ao lado dela. As palavras não saiam mas e no entanto não havia silêncio. Ela sentiu que todo ele era promessa de sonhos que nunca se permitira sonhar. Sentiu  que dizia, “agora que te encontrei, vou cuidar de ti, vou amar-te e fazer-te feliz”. Mais tarde contou-lhe a sua impressão e ele confirmou que tinha pensado tudo isso, mas na sua timidez não o conseguira expressar.
Os anos passaram, nunca mais se separam. Construíram  uma relação de carinho, de cumplicidade, de companheirismo. Sentiram o amor neles a crescer como um filho que geraram e do qual desejavam cuidar até à eternidade. Pensavam que já era tarde para eles, que nunca iria acontecer. Mas descobriram que nunca é tarde para amar, porque o coração não tem idade. Continuam a partilhar  hoje o mesmo ideal de sempre, defendendo que nada faz sentido neste mundo se não tocarmos o coração de uma pessoa. E que a vida está cheia de pequenos e constantes momentos de felicidade, só temos que direccionar para lá o nosso olhar.


7 comentários:

  1. Anónimo7.4.11

    A tua narrativa intensa e pormenorizada mostra de uma forma clara o conteúdo de vida. Pessoas que caminham sem esperança, sem objectivos na vida a não ser o de existir e encontram inesperadamente alguém que se torna um apoio. Que dá um novo sentido ao seu caminho. Nessas idades já não se tem grandes exigências, já não se procura a paixão. Procura-se um amigo, companheiro dos dias. Bjs, Sandra B.

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  2. Anónimo7.4.11

    Que história tão bonita, pareceu-me tão real. Conheço algumas semelhantes mas não as conseguiria contar com a tua sensibilidade e observação. Bjs, Amália

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  3. Anónimo7.4.11

    Tão bonita, tão esperançosa. Deixei-me envolver por ela e acreditei que nunca é tarde. Beijos, Leonor

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  4. Anónimo7.4.11

    Uma história que gostaria fosse repetida por muitas pessoas solitárias que andam por este país. Rui

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  5. Anónimo7.4.11

    Um dia conto-te a minha história de vida, quem sabe nela encontras a beleza que eu não lhe encontro e uma esperança que não consigo vislumbrar. Bjs

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  6. Anónimo7.4.11

    Há vidas que dão verdadeiras histórias, merecem ser contadas, partilhadas, porque dão sentido a outras que não encontram o seu rumo. Beijocas, C.

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  7. Anónimo7.4.11

    Há muitas histórias, mas a verdadeira beleza está na tua escrita. És uma pintora porque dás um colorido muito belo a tudo o que escreves. Aqui está a prova disso mesmo. Bjs, A.

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