segunda-feira, 30 de abril de 2012

Post.it: Num domingo soalheiro


Num destes domingos soalheiros, fui até ao Parque das Nações. Cruzei-me com tantos rostos, tantas vidas, sabe-se lá como são sentidas. Diminuí a marcha dos meus passos para não chocar com alguém que caminhava devagar. Demasiado devagar, como se fizesse um esforço para continuar a sua caminhada. Quis adivinhar-lhe o sentir, estaria doente do corpo, da alma? Caminhava como se nada fizesse sentido, o olhar perdido navegava nas águas serenas do rio. Segui-lhe o olhar, um pato deambulava, também ele sem destino, também ele sem um propósito. E ela ficou a observá-lo sem se aperceber do tempo que corria à sua volta. De repente o pato mergulhou, o tempo foi passando e ele sem aparecer à superfície, como se tivesse sucumbido. O rosto dela entristeceu-se como se o seu sentir tivesse sucumbido com ele, de amargura, de ansiedade, num crescendo de tristeza que talvez fosse já, de saudade. Porque aquele pequeno ser de alguma forma a tocou. Talvez num momento em que alguma velha dor, quem sabe um antigo tormento a visitava de novo. Porque a placidez das águas por vezes desenha formas, rostos, reflexos desfocados do passado que teima em surgir na memória do olhar.
Porque os seus pensamentos que deambulavam perdidos, que quase quiseram chorar a lembrança passada, foram aprisionados pela visão da pequena ave, que, por um instante, lhe ofereceu uma terna distração que lhe desviou o desgosto do coração. Por isso o esperava ansiosa, por isso desesperava desse vazio em que de novo ficou. E o rio voltou a desenhar no seu reflexo esboços das suas mágoas. Mas eis que ele regressa, eis que lhe traz de novo a vontade de sonhar, o desejo de o seguir com o sorriso, com a esperança. Se ele soubesse, a importância da sua existência na vida dela. Se ele soubesse que nesse domingo quando o sol já quase adormecia, a fez sentir, quem sabe, uma ínfima possibilidade de voltar a descobrir um sentido, para no horizonte passear de novo o seu olhar. E no meu domingo, deixou uma história. Uma história que não foi contada, talvez sentida ou intuída, como se fosse, talvez, a minha...

7 comentários:

  1. Anónimo30.4.12

    Adorei esse domingo soalheiro, soou-me um pouco a cartão postal dos Xutos, mas retrata bem os domingos que podem ser de solidão ou apenas solitários. Depende se encontram sentido e sobretudo momentos de salutar relaxamento.

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  2. Anónimo30.4.12

    Muito bonito, este texto. Pequeno, intenso de sensações. Fala de muitos de nós que caminhamos meio perdidos e que encontramos em qualquer pequeno acontecimento um momento único para nos afastar da realidade. Alberto F.

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  3. Anónimo30.4.12

    Há vidas assim, muitas mesmo. Vidas meio deambulantes, mergulhadas nos seus pensamentos, uns melhores do que outros. Mas o parar, o perceber que há vida para além de si, é um bom indício. Não está ainda a naufragar, apenas a navegar e a qualquer momento pode regressar ao cais para recomeçar. Sandra B.

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  4. Anónimo30.4.12

    Um domingo, calmo, soalheiro, com algumas nuvens no peito, mas com o sol a espreitar. Quem sabe permaneça, quem sabe conquiste o seu lugar nessa vida que caminha sem sentido, ou em busca dele. Envolvente e bem escrito. Um grande beijo, Adelaide

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  5. Anónimo30.4.12

    Este passeio à beira tejo deixou-me presa no meu fim-de-semana, que não teve tempo para aproveitar estes momentos. Quase vi a pessoa de que falas, quase a senti no teu olhar. Quanto ao patinho, apeteceu-me mergulhar para o salvar, mas depois percebi que não era ele que precisava de ser salvo.

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  6. Anónimo30.4.12

    Amiga, porque não me ligaste? Bem que eu queria acompanhar-te nesse domingo soalheiro. Bem sei que adoras a tua companhia mas podias quem sabe apreciar a minha. Beijocas C.

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  7. Anónimo30.4.12

    Mais um recanto enternecedor de literatura que não cansa, que não nos deixa um vazio no peito. Mas somente a espera do dia seguinte para te ler de novo. Bjs A.

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