quinta-feira, 19 de abril de 2012

Post.it: A angústia do escritor

Gosta de caminhar, de buscar em tudo o que a rodeava, a sua inspiração, mas uma angústia tomava-lhe forma no peito. Pela natureza que sucumbia, que desaparecia perante o seu olhar. Então, refletiu e tomou uma grande decisão:
“Vou deixar de escrever. Já escrevi demais, já gastei demasiado papel. Já matei excessivas árvores. E tudo para quê? Em nome duma escrita que julguei importante, para oferecer ao mundo. Esse mundo que me desconhece. Porque nele sou apenas uma pessoa anónima. Que importa o que escrevo. Que importa até se escrevo bem ou mal, se é literatura ou apenas um emaranhado de letras, uma salganhada de palavras, um desfile de frases banais.
Que presunção a minha, pensar em algum momento, que o que escrevo vale o sacrifício da natureza, a poluição desta tinta que gasto, sem por um instante questionar a sua origem ou o seu destino. Que direito tenho eu de destruir o que a natureza constrói com tanto empenho e esforço. Quem me dera reciclar cada papel que gastei nos esboços deste exercício literário e transformá-los em pequenas árvores que um dia poderiam dar sombra, que limpariam os pulmões da terra e ofereceriam ao planeta um pouco mais de verde, um pouco mais de vida. Só assim a minha escrita adquirirá valor, o valor de cada existência que nasce e cresce de uma forma livre e saudável.
Se a literatura é importante, não a vou escrever, vou declamar versos às flores. Contar histórias às ondas do mar. Não quero mais fixa-las num papel que poucos vão ler. Porque isto é apenas um gesto, uma prova da minha vaidade, ou do meu egoísmo, talvez. Em prol de um sonho, quem sabe, de imortalidade. Quando nem o papel é eterno no tempo. Em vez de criar um livro, vou plantar uma árvore. Quando olhar para ela a crescer, vou ler em cada um dos seus ramos, em cada uma das suas folhas, o mais belo poema que a mãe-natureza escreveu. E que eu, nem que escrevesse a minha vida inteira, conseguiria sequer imitar.”
Isto não é a promessa dum fim anunciado. Descanse quem gosta da leitura. “Na natureza, nada se perde, tudo se transforma” e como tal, a escrita pode mudar de suporte, mas pretende continuar na mesma direcção, a de quem a quiser ler.

9 comentários:

  1. Anónimo19.4.12

    Até a mãe-natureza precisa dos versos do poeta e das "frases banais" do prosador. Gosta que a descrevam e cantem, para sentir o amor dos seres que criou e recria continuamente. A realização da mãe é dar-se aos filhos.
    Descanse, pois, o escritor. Afaste a angústia, pois a Terra precisa das suas palavras, por isso lhas ilumina no pensamento, com os primeiros raios de sol e lhas sopra ao coração na brisa da tarde.
    A escrita de Olhares só faz bem à mãe-natureza. Aposto que, ao ler este post.it, ela sorriu e pensou "vale a pena ser mãe de um olhar assim!"

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  2. Anónimo19.4.12

    Isto não se faz, escrever uma coisa desta até nos pára o coração. Mas felizmente que é em forma de terapia de choque uma linda mensagem.
    Muda de suporte, mas não mudes de direcção, a minha que adora, ler-te. Bj, Amália

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  3. Anónimo19.4.12

    Bem, que susto me pregaste, como seria a minha mão sem o teu post.it, sobreviveria, mas não seria a mesma coisa! Beijos, Filomena

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  4. Anónimo19.4.12

    Por momentos fiquei sem saber que direcção ias seguir. Respirei fundo, pensei, será que desistiu de estar aqui neste encontro matinal? Depois percebi, era um alerta, para que preservem a natureza. Beijocas C.

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  5. Anónimo19.4.12

    Adoro livros. Sou mesmo viciada. Gosto de os cheirar, tocar, sentir, de folhear. Mas se for para salvar as árvores, não me importo de os ler em formato electrónico. Perde-se algum prazer mas ganha-se em qualidade de vida.

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  6. Anónimo19.4.12

    Tens razão no que escreves, gasta-se imenso papel em coisas sem valor. Não é o teu caso, pelo que escreves e porque sei que tens imensas preocupações ambientais. No entanto nunca é demais cada chamada de atenção que se faça. Bjs A.

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  7. Anónimo19.4.12

    Como o importante é o que se escreve e não o suporte. Escreve em papel, escreve nas nuvens, escreve na net, escreve onde tu quiseres, desde que nunca deixes de escrever. Beijos

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  8. Anónimo19.4.12

    A natureza agradece a sua preocupação, apesar de dar certamente por bem empregue cada árvore transformada em papel para guardar a sua escrita. Um grande beijo, Adelaide

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  9. Anónimo19.4.12

    Gostei muito deste recado em forma de declaração. Um aviso para que todos nós não deixemos de ler livros, mas que o façamos com consciência na escolha do suporte. JBS, Mário

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