quarta-feira, 8 de maio de 2013

Post.it: A viagem (II)


Fez anos ontem, apagou as velas e nesse mesmo instante partiu/fugiu, claro que fisicamente só o fez no dia seguinte, pegou numa mochila encheu-a com algumas peças de roupa e saiu em silêncio, sem deixar qualquer explicação. Não a tinha para dar, nem ele sabia bem o que dizer, nem ele sabia bem do que fugia, apenas sentia que era a última oportunidade de mudar o rumo dos seus dias.
O comboio começou a avançar devagar, sentiu um frio no estômago, uma felicidade, uma alegria de ter vencido o seu comodismo, de ter tomado a iniciativa daquele gesto. Pensou no emprego, na secretária vazia e sentiu-se livre. Pensou na mulher, imaginou-a atordoada de surpresa, e o peito apertou-se-lhe de uma estranha saudade. Pensou nos filhos, imaginou-os como sempre, indiferentes, pegando contrariados nas mochilas da escola e perguntado num tom de desapego “E agora quem é que nos vai levar à escola?”. Sentiu o peso do fracasso, sentia-se sempre assim quando olhava para a distância que aumentava entre ele e os filhos, sentia que o tempo lhos roubara e agarrava-se às lembranças dos seus primeiros anos para não os deixar fugir do peito.
Fechou os olhos, quis esquecer a culpa e apenas sonhar com a luz que lhe iluminava o túnel de uma nova vida.
Quando anunciaram o final da linha, despertou do seu torpor, saiu do comboio, olhou em redor e em vez de uma felicidade nascente, sentiu um vazio que lhe bateu forte no coração, de repente não conseguia respirar, não conseguia andar. De repente sentia que lhe tinham arrancado a vida, não a que iniciava agora, mas aquela que começara a construir ao longo do tempo. Pouco a pouco foi acalmando a explosão de emoções, foi percebendo que não adiantava fugir, porque era nele que residia o problema e também a solução. 
Então, como que desesperado, correu para o comboio retomou a viagem, não uma viagem de fuga mas de reencontro. Compreendeu finalmente que a felicidade do futuro estava algures onde a tinha deixado, no passado, só tinha que a ir buscar. Só tinha que voltar a abraçar como antes, rir como antes, acreditar como antes, amar como antes.