terça-feira, 7 de maio de 2013

Post.it: A viagem (I)


Sentou-se no comboio com a sensação de uma felicidade adolescente, uma felicidade que já não sentia há muito tempo. Que idade tinha? Digamos que a adolescência já estava longe, muito longe. Mas sentia-se a recuperá-la nesse momento, como se nunca dela tivesse partido, apenas a tivesse guardado algures no peito. Arrumadinha como se fosse uma foto secreta, amarelecida pelo tempo, uma saudade que agora lhe suspirava pelos poros exalantes de esperança. Quem sabe poderia agarrar o tempo que lhe fugiu, não sabe bem quando, não se lembra bem onde.
Para trás fica o emprego de uma rotina sufocante, 20 anos numa mesma secretária que nem o bicho da madeira queria corroer. Foi sempre um funcionário exemplar, tinha sempre uma palavra de simpatia para com os colegas, cumpria com rigor o seu horário e as suas funções, que cada vez lhe pesavam mais nos braços, nas pernas, no corpo inteiro. Começou por se acomodar, pensou que era o peso dos anos, os problemas de coluna a espreitar, mas depois foi percebendo que era mais do que isso, era um cansaço de cada dia a pesar-lhe na alma. Tentou afastar essas ideias e olhar para a sua vida pessoal, a mulher, companheira de tantos momentos de alegria e de tristeza, conheceu-a no liceu, sentiu de imediato que era o seu destino, a sua alma gémea. Mas, com o passar do tempo, ela foi mudando e ele também, admite com alguma dificuldade. Já não se riam como antes, já não se abraçavam como antes, já não se esperavam como antes, já não se amavam como antes. No início pensou que era uma fase, a fase da gravidez, do serem pais, das noites mal dormidas, as crises profissionais, os problemas de saúde e outras tantas fases que a memória já não consegue enumerar para apontar como desculpa para esta fuga. Porque, por mais que tente negar, é uma fuga desse destino que escolheu ou que prefere pensar que alguém escolheu para si e que já não o satisfaz. Olhou uma última vez para a estação, encheu o pensamento de firmeza para afastar qualquer receio. Porque não é fácil partir e deixar para trás tudo o que se foi sem saber o que se será. Mas estava na hora de começar a descobrir.