segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Post.it: Talvez um dia te canses de mim

Observa-a enquanto ela lhe serve o almoço. Observa-a no seu silêncio, cada vez mais profundo. Observa-lhe o olhar cada vez mais distante. 
Reflecte, questiona-a sem nada lhe dizer. Talvez saiba o que lhe vai na alma, ou apenas adivinha com medo de descobrir a verdade.
Talvez um dia te canses de mim. Das minhas palavras e dos meus silêncios. Das minhas mágoas, das minhas águas tão prontamente a quererem inundar os olhos. Talvez não consigas mais suportar as minhas ideias, a minha rabugice, as minhas dúvidas, a minha teimosia. Talvez te fatiguem os meus queixumes, o meu cansaço, o meu comodismo, os meus chinelos de quarto já tão gastos mas ainda tão confortáveis para o meu caminhar. 
Talvez já não consigas aguentar o meu ressonar, a minha desarrumação, ou a minha metódica organização, as minhas revistas acumuladas ao longo de anos. 
Talvez te fatiguem os meus cuidados contigo, os meus abraços sempre a querer abraçar-te, os meus sonhos, os meus planos quase sempre fracassados. 
Talvez não consigas ouvir mais a minha voz, a insistência do meu olhar, a minha constante presença e as muitas ausências.
Talvez te tenhas simplesmente cansado de mim. Nesse dia, não digas que vais partir, diz-me apenas que regressas mais tarde e eu aguardarei indefinidamente pelo teu regresso. Porque nunca me cansarei de esperar por ti.

6 comentários:

  1. Anónimo27.2.12

    É verdade, acontece, vamos-nos cansando dos outros ou vão-se cansado de nós. Teme-mos que isso aconteça. Que um dia parta, que nos deixe esvaziadas no peito.

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  2. Anónimo27.2.12

    Conheço tantas histórias destas, são cada vez mais, amigas que se divorciam, familiares que se separam. Será que um dia me pode atingir a mim?. Parece uma virosa que alastra. Olho-o nos olhos mas, por enquanto recebo de retorno um sorriso que me tranquiliza. Bjs, Amália

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  3. Anónimo27.2.12

    É uma realidade que nos circunda e pode a qualquer momento entrar na nossa vida, deixando-a mais vazia. Quando penso nisso, assusto-me um pouco as depois tomo consciência de que ela pode sentir o mesmo. Abraço-a e tento que mudar os meus hábitos, atenuar os meus defeitos e cuidar deste amor que ainda nos une. José

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  4. Anónimo27.2.12

    Tão bonito este post. Não me canso de ler as tuas mensagens. Sinto nelas uma direcção. O despertar em nós de que a vida está em permanente mudança, talvez tenhamos de mudar também e não permanecer no nosso comodismo. Nas desculpas de rotina. “Não deixar para amanhã porque amanhã poderá ser tarde demais”

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  5. Anónimo27.2.12

    Senti este texto como se me fosse dirigido. Poderia ter feito diferente? Claro que sim, havia tanto a fazer, mas achamos sempre que não devemos mudar porque se gostaram de nós assim, porque devemos mudar. Mas os gostos também mudam. Cabe a ambos a vontade de permanecer, de crescer juntos, de cuidar.

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  6. Anónimo27.2.12

    Gostei de ler este texto, como sempre tão verdadeiro. Tão cheio de precisão, quase acutilante no sentido. Mas também indicador de que se pode acontecer, e temos consciência disso, talvez esteja na hora de cuidar de renovar algo em nós para que não se cansem de nós. Leonor

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