sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Post.it: De que é feita a nossa idade

Não sei se a vida tem idade, ou se somos nós que a vamos somando através do calendário e do passar das horas. Através das rugas no rosto ou dos cabelos que vão branqueando.
 Não sei se a vida tem idade ou se somos nós que a vamos olhando em cada estação que fica para trás quando adquirimos a percepção de um passado que se dilata ou de um futuro que se encurta. A verdade é que algo vai mudando no nosso modo de olhar a vida, já não conseguimos absorver o mundo numa visão de conjunto, mas alcançamos cada vez mais a capacidade da sua apreensão em cada detalhe, apreciamos o pormenor daquela pequena flor que estava tão próxima de nós, revelando-nos a sua beleza, colorindo o nosso dia e que quase passávamos por ela sem notar a sua existência.
Já não desejamos conquistar ansiosas metas, mas deleitarmo-nos com a viagem sem preocupação de onde  ela termina. E então, uma serenidade invade-nos o peito que se deixa levar pela corrente do tempo sem o questionar, sem o deixar escoar em discussões banais, em guerras perdidas, em coisas que não fazem parte real da nossa vida. De repente, cansam-nos as coisas comezinhas, as mesquinhices, a mediocridade, o egoísmo e a imaturidade de quem tem idade mas não a sabe sentir. Já não gastamos o fôlego que nos resta com maratonas de frivolidades quando há tantos motivos para respirar maresias de paz.
Não sei se a vida tem idade ou se a conta pelas lágrimas já derramadas, pelas gargalhadas plantadas, pelo cansaço que o corpo manifesta quando a noite adormece. Não sei se a vida tem idade, ou se a somamos pelos bens materiais acumulados e que nos dão uma efémera sensação de êxito.
 Não sei se a vida tem idade, mas se tiver, que seja somada pela quantidade de amigos que nos vão acompanhando pelo caminho. Amigos novos e velhos amigos. Amigos que vão chegando e os que vão partindo. Amigos ricos e amigos pobres. Amigos sem tecto, amigos sem afecto.
Se a vida tem idade, que seja somada no peito, por todos os beijos e abraços trocados, por todo o carinho sentido e a generosidade partilhada e então, diria com verdadeira felicidade, que se a vida tem uma idade assim somada,  eu sou imensamente velha…

7 comentários:

  1. Anónimo24.2.12

    Gosto imenso da sua escrita, já tinha saudades de ler esta forma de escrever. Não importa muito o conteúdo, embora este seja também muito interessante, mas a forma. Essa que me faz voltar a tempos em que a literatura tinha verdadeira qualidade.
    “Não sei se a vida tem idade ou se somos nós que a vamos olhando em cada estação que fica para trás quando adquirimos a percepção de um passado que se dilata ou de um futuro que se encurta” ou “Já não gastamos o fôlego que nos resta com maratonas de frivolidades quando há tantos motivos para respirar maresias de paz”. Quem é que ainda escreve assim? Pessoas como você são muito bem vindas ao panorama literário cada vez menos fauto de bons escritores. Um abraço, Antero

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  2. Anónimo24.2.12

    Hoje deixaste-me sem fôlego, porque li com pressa de entender a direcção em que nos conduzias. Fiquei em silêncio, como se as palavras que pudesse dizer fossem demasiado banais para comentar o teu post.it, um poema em prosa. Desculpa-me a imaturidade da expressão mas é lindo! Beijocas, C.

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  3. Anónimo24.2.12

    Realmente a vida tem a idade que cada um lhe confere nas coisas que lhe vai somando. Há quem some frivolidades e cresça desajustado da idade/maturidade. Há quem cresça precocemente e adquira uma maturidade invejável, por tudo aquilo que valoriza, sem se enredar em banalidades. A idade, é a soma total de tudo o que somos e vivemos com a razão e o coração. Sandra B.

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  4. Anónimo24.2.12

    Tão bonitas estas palavras, tão amadurecidas. De que é feita a nossa idade? Da soma de tudo isso que refere: do calendário, das horas, das rugas, dos cabelos brancos, das lágrimas derramadas, das gargalhadas plantadas, do cansaço, dos bens materiais, mas felizmente também dos amigos, dos familiares, de tudo aquilo que nos preenche o coração e nos envelhece de maturidade e de felicidade. Um grande beijo, Adelaide

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  5. Anónimo24.2.12

    Como escreves bem e descreves tudo aquilo que sinto mas não sei dizer assim, duma forma tão singular. Bjs A.

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  6. Anónimo24.2.12

    Minha amiga, como invejo a tua “velhice” e a forma linda como escreves. Beijos

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  7. Anónimo24.2.12

    Oi, adorei seu post. Sempre venho aqui e me delicio com o que escreve. Nem sempre posto meu comentário, mas gosto de ler o que escreve. Este então me deixou encantada. Porque digo muitas vezes isso, mesmo, a idade está no coração e não na data de nascimento. Ela é soma de aprendizagens e crescimento, não a soma de anos. Beijão, Marina

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