quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Post.it: Saudades desta cidade

Tenho saudades, não do passado, não do presente, nem do futuro. Mas de um tempo onde nunca vivi. Onde nunca viverei. Um tempo que não me pertencendo, sinto como se fosse meu. Quando caminho por esta cidade que me viu crescer. Por esta cidade que vejo entristecida, envelhecida. E em cada canto, em cada beco e viela, uma ombreira descai, uma coluna cede ao abandono, uma porta fecha-se, e os vidros das janelas são substituídos por tijolos. Edifícios majestosos, emudecem a sua história. Verdadeiras obras de arte arquitectónica, perdem pedaços da sua traça original. Casas de olhos tristes que ainda olham na direcção do rio, como se quisessem partir, ou receber a chegada, de quem delas cuide, para recuperarem o seu orgulhoso esplendor. O Tejo devolve-lhes o olhar, oferece-lhes um sorriso companheiro, de quem já passou lado a lado semelhantes agruras mas também muitas histórias de ventura. E como companheiros cheios de amor, não reparam nas marcas do tempo desenhadas na sua fachada, nas suas cores quase apagadas. Porque o coração, esse, não envelhece, não perde a beleza que o edificou, que o manteve lar de famílias, destino de navegadores.
Invejo-lhes esse namoro, essa lealdade. E tenho saudades do tempo em que eram jovens e acreditavam que o seu futuro seria radiante. Que a sua construção seria um projecto de eternidade. Que iam cuidar de vidas, nascidas e criadas no aconchego daquelas paredes, e que essas vidas retribuiriam, curando cada ferida aberta pelo rigor frio e chuvoso dos invernos, pelo sol ardente dos verões, intempéries dos dias tão cheios de poluição, barulho e sobretudo de indiferença. Só o rio, lhe retribui o olhar, só o rio sabe o que cada edifício desta cidade sente. Eu oculto o meu olhar, envergonhado pela incapacidade de lhe mudar o destino e mergulho na minha saudade dum tempo que nunca vivi.

6 comentários:

  1. Anónimo2.2.12

    Reconheço-me nas tuas palavras, adoro Lisboa, a minha cidade berço. Entristece-me ver o seu envelhecimento, e tal como dizes, fico com saudades dos seus tempos gloriosos. Alberto F.

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  2. Anónimo2.2.12

    É bem verdade que é bonita a nossa cidade, porque mesmo sem a “juventude” de outrora ainda conserva muito do que foi e conta-nos histórias do que fomos e do que somos.
    Mais um texto encantador, duma nostalgia que nos embala e faz viajar por esta cidade cheia de luz, por este rio cheio de cor. Amália

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  3. Anónimo2.2.12

    Gostei deste romance entre a cidade e o rio. Deste envelhecer juntos, depois de muitas venturas vividas. Uma cidade viva, humana, com uma beleza que não se perde, apenas se transforma. Um grande beijo, Adelaide

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  4. Anónimo2.2.12

    Também gosto desta cidade, mesmo velha, decadente. Faz parte da vida, o esplendor e o fim da sua glória. Mas agradeço a singela homenagem, para que o nosso olhar a volte a envolver num cuidado abraço.

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  5. Anónimo2.2.12

    Gostei muito deste texto, tens razão em tudo o que dizes, também eu fico com a nostalgia dum passado que já vivi e dum tempo mais recuado em que gostaria de ter vivido. Leonor

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  6. Anónimo2.2.12

    Bonita homenagem, Lisboa merece-a, precisa dela para que cuidem do que ela foi, para que continua a ser o pilar da nossa história.

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