segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Post.it: A pandemia no Natal de 2020

O vírus existe, anda por aí, não sabemos onde. Podemos cruzarmo-nos com ele, ele pode fazer de nós seu hospedeiro sem bater à porta, sem pedir permissão para entrar. Chegou não se sabe quando, veio não se sabe de onde, mas vai visitando cada um, instalando-se sem fazer cerimónia, tomando por seu o que é nosso: a vida. É notícia de aberturas dos telejornais, cada dias mais pessoas são por ele infetadas, mais vidas dizimadas. Assusta, mas ao mesmo tempo, para muitos parece algo distante. Mesmo quando alguém conhecido nos telefona  e diz-nos que está infetado. Sentimos a sua aproximação, no nosso bairro, na nossa rua, no nosso prédio, à nossa porta. No entanto continuamos todos os dias a levantamo-nos para ir trabalhar, para deixar as crianças na escola e à noite regressamos para casa e abraçamos a família com o olhar. 

Sexta-feira 18 de Dezembro de 2020, o João levou a sogra ao hospital, queixava-se de fortes dores de cabeça, fez exames e estava tudo normal, só a dor lancinante continuava. Fez teste ao Covida-19 e deram-lhes uns analgésicos. Nesse fim-de-semana ficou na casa da filha e do genro com o marido e a neta. 

No sábado 19,  a dor de cabeça mantinha-se persistente ao qual se juntou um cansaço que a fazia permanecer na cama.

 No domingo 20, um telefonema, veio desperta-la, de rosto lívido entregou o telefone à filha, já não conseguiu ouvir mar mais nada, correu para o quarto, cerrou a porta. Tarde demais pensou em lágrimas, de certo já tinha espalhado o vírus por toda a família. Aquele domingo começara animado, João e Paula faziam planos para a festa Natalícia, nesse dia iam comprar as prendas de Natal. Por minutos ficaram sem ação, logo de seguida o João começou a organizar a logística. – A tua mãe fica no quarto da nossa filha porque tem wc privativo, na segunda-feira vamos todos fazer testes de despistagem e até lá vamos agir com normalidade. Mas que normalidade? Tudo lhes parecia estranho, confuso, assustador. O vírus já não estava distante, entrara-lhes em casa, infetara-lhes a vida. Tanta coisa para fazer, avisar todas as pessoas com quem contactaram nos dias anteriores, desmarcar compromissos. Não estavam à espera, não estavam preparados, mas alguém está? 

Segunda-feira 21, sentiam-se angustiados, o tempo arrastava-se lento, a noite fora longa e o amanhecer sufocante. A Saúde 24 marcou-lhes teste para as 12 horas, como ira ser longa a espera, mas esperaram. O pequeno-almoço não sabia a nada mas tinham de se alimentar. Carlota nos seus 4 anos incompletos, mantinha-se alheia a tudo o que se passava, queria brincar a permanência dos pais em casa para ela era uma festa, ainda perguntou se não ia para a escolinha, responderam-lhe vagamente que não.

Quarta-feira 23, a vida era gerida pelo calendário e pelo relógio, uma espera que desespera. Pelo menos não temos sintomas dizia o João tentando animar a família enquanto pegava na Carlota ao colo. O telefone tocou, o coração saltou-lhes no peito, - É a minha mãe, não ainda não sabemos nada… O telefone  voltou a tocar, novo sobressalto. – É o meu irmão, não, ainda não nos telefonaram. Ouviu-se novamente o telefone, nº desconhecido – Sim diga… do lado de lá da linha a enfermeira foi dizendo o nome de todos, toda a família estava infetada! 

E agora? Perguntou? Agora devem ficar em casa, durante um período de 2 semanas, telefonem se tiverem sintomas mais evidentes e se necessitarem de auxílio. Até lá todo o cuidado, muita higienização e muita calma. Mas e como vamos sobreviver? Os pais do João estão em casa doentes, os vizinhos mal os conhecemos, o irmão está longe e a irmã da Paula ainda mais longe, em França. Temos comida mas não deve chegar  até ao final da quarentena. Paula, olhava para a filha e chorava, este ano não há Natal, deixei para os últimos dias as compras, nem comprei  um brinquedo para a Carlota, que lhe vamos dizer? Não te preocupes, havemos de conseguir remediar a situação, faremos o nosso Natal mais tarde, depois de testarmos negativo. A Carlota nem vai perceber.

Quinta-feira 24, 22h, tocaram a campainha, a Paula foi atender – Sim, quem é? – O Pai Natal disse uma voz masculina e uma voz de criança acrescentou e o Menino Jesus! – Como? O quê? Quem é?  - Somos nós os teus amigos, vimos trazer-te o Natal. Abre a porta do prédio que deixamos tudo à tua porta para depois recolheres. João e Paula abriram a porta timidamente e a seus pés viram um imenso cabaz, bolo rei, filhoses, fruta, 3 pratos com bacalhau, peru e cabrito. Carlota saltava eufórica e cantarolava, - O Pai Natal chegou e trouxe-me uma prenda. Porque, sim, nem as prendas faltavam. Uma boneca e livros para pintar para a Carlota, um jogo de tabuleiro para o João, um cd para a Paula, uma écharpe para a mãe da Paula e um cachecol para o pai. 

O Pai Natal chegou continuava a cantarolar a Carlota. – E o Menino Jesus também, acrescentaram em uníssono Paula e João,  porque só ambos unidos podiam ter encontrado amigos tão generosos como os nossos. Mas a festa estava longe do fim, o silêncio foi interrompido por melodias de Natal que  vinham da rua, correram para a janela do seu 1º andar e  por detrás dos vidros embaciados viam e ouviam o seu grupo de amigos, vozes de adultos e de crianças que se entrelaçavam e delas ouviam-se canções que simbolizavam a esperança e a ternura que queriam oferecer.

 E porque o Natal continua no coração das pessoas de boa vontade e de amor ao próximo, o grupo de amigos organizou-se para que nada faltasse a esta família nos próximos dias. E o seu/nosso desejo é que este gesto seja repetido em todo o pais, em todo o mundo, onde existam pessoas a necessitar de ajuda, de amizade e de amor. 

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